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“Eu sei que é pouco, mas é tudo que eu tenho”, exibia a estampa da blusa de Fabiana Maria da Silva. A frase ostentada na roupa parece o lema não só dela mas de toda a comunidade Vila Sul, no centro do Recife, onde ela mora.

Fabiana é casada com Cláudio José da Silva e eles têm quatro filhos: Cristiano, Krislyne, Kailany e Klaudeny. O marido e a esposa estão desempregados, mas têm a própria casa – de onde pensam em sair nunca mais. Eles passaram um tempo morando ao lado do trilho do metrô. “A gente já tinha se acostumado com o barulho [do trem passando]. Mas lá tinha muita cobra, era perigoso, tinha medo de deixar meus filhos por aí”, lembra a mulher.

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A primeira ocupação intitulada Vila Sul se dava na Avenida Sul, colada com os trilhos do metrô. Lá, várias famílias vivem em barracos de madeira ou casas de alvenaria, com o muro que dá para a avenida transformado em fachadas de residências, com portas e portões. Entretanto, há um ano e sete meses houve um deslocamento de famílias para um terreno bem próximo, na Rua Escritor Souza Barros. Em formato de "u", a nova ocupação visivelmente evolui com a transformação de barracos em casas maiores e até abriga um mercadinho.

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Desde o início, a ocupação teve o apoio do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB). Segundo Serginaldo Santos, coordenador do MLB, a transferência se deu porque a ocupação inicial estava saindo do controle, com a entrada de muitas pessoas, moradores envolvidos com a criminalidade, descaracterização da luta original e um risco iminente de reintegração de posse. 

Desde a mudança de endereço, os moradores da nova ocupação Vila Sul passaram por três ações judiciais de uma mulher que se dizia com a posse da terra. Serginaldo conta que a mulher perdeu a posse na Justiça e agora o processo é de conquista da área para os moradores. Cerca de 210 famílias vivem no local, segundo o MLB.

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Para a desempregada Ângela Maria da Conceição, mudar de endereço foi positivo para evitar novos constrangimentos. Ela lembra com pesar do dia em que foi agredida verbalmente por uma delegada que a acusava de roubar energia elétrica da rua. “Foi muito constrangimento para pais e mães de família”, diz ela. A fonte de água e energia elétrica ainda não é regular, mas os moradores se sentem mais seguros contra intervenções atualmente. 

Ângela também tem a opinião de que ali é o cantinho onde quer continuar vivendo. Tanto ela quanto o marido estão desempregados e o dinheiro do mês vem de bicos, Bolsa Família e Bolsa Escola. A casa que ela tanto ama, inclusive, nem parede tem. Sem condições de montar um barraco, ela pediu para aproveitar a parede da casa dos vizinhos de ambos os lados. As telhas de fibrocimento, popularmente conhecidas como telhas Brasilit, foram conquistadas pelo marido que, em algumas oportunidades de trabalho em armazéns, pedia para ser pago com elas. 

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Como Ângela é uma evidente acumuladora, sua casa é cheia de aparelhos quebrados, velhos, em baldes e caixas, bicicletas sem rodas e computador quebrado que hoje é enfeite. Ela tem duas filhas, Helisângela Conceição Soares, de dois anos, e Hellen Cristina da Conceição, de oito. “O pior mesmo são os ratos. São grandes, eu tenho que colocar chumbinho, mas tirar depois por causa das crianças”, ela aponta. Apesar das dificuldades de viver em uma casa sem paredes com a visita constante de ratos, Severino Soares, o marido, se diz contente de estarem vivendo ali. “Quando morava do outro lado [à beira do trilho do metrô], a gente não tinha a esperança que tem hoje”.

“Sim, com certeza, só o fato de ser minha, dos meus filhos, já é uma benção”, responde a desempregada Luciana Filadelphia Barroso da Silva à pergunta “você é feliz com essa casa?”. A moradia é paupérrima, construída de placas de madeira. O grafite na fachada esconde um pouco a fragilidade da construção. 

Luciana tem três filhos, Siderney, de dez anos, Vanderson, de seis, e Guilherme, dois anos. Acima de seu sofá, há um grande quadro com várias fotos da família, amigos e o ex-marido, que continua sendo o principal provedor da casa. “Foi um presente das crianças de aniversário. Quando cheguei, eles tinham montado isso aí”. Apesar de se dizer contente, Luciana, sempre demonstrando vergonha em apresentar sua casa,  pretende em um futuro próximo poder levar aquele quadro e sua família para outro lugar. “Aqui dentro é bom, mas se sair à noite é perigoso e tem hora para voltar”, ela destaca. O portão da comunidade fecha às 22h e abre às 5h da manhã. “Quero comodidade, quero poder sair sem precisar de um homem de lado”, conclui. 

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No lugar dos barracos, fumaça das brasas e entulhos queimados. Na manhã desta quinta-feira (7), um incêndio de pequenas proporções atingiu a ocupação Vila Sul 2, na Avenida Sul, centro do Recife. Erguida desde maio às margens da antiga linha férrea, a comunidade grita por socorro contra ataques que, segundo os moradores, são intencionais. Para eles, os incêndios são criminosos.

“Só pode ser perversidade. Nestes de hoje, nem fiação elétrica tem. Já teve mais de cinco, seis incêndios nos últimos meses. É um perigo para todo mundo”, disse o morador João Eugênio da Silva, com a expressão exausta de quem já muito viveu e ainda não conseguiu ter a tranquilidade tão desejada de uma moradia digna. “Graças a Deus, em todos os incêndios, ninguém ficou ferido”, afirmou Eugênio. Porém, a quantidade de crianças na comunidade é enorme e o risco, eminente.

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No incêndio desta quinta (7), uma viatura do Corpo de Bombeiros foi suficiente para controlar as chamas. Andando pela ocupação, é possível ver outros focos de incêndio. Segundo a moradora Marlene Maria da Silva, alguns moradores tocam fogo em lixo acumulado, mas este não é o motivo primordial para os incêndios. “Na semana passada, um pivete passou e jogou bituca de cigarro. Além disso, sofremos quando chove também, porque fica tudo alagado. Só queremos moradia. Aqui não tem segurança”, salientou Marlene Maria.

A maioria dos moradores da invasão, dividida em Vila Sul 1 e 2, era moradora do Coque, mas há quem veio de outras localidades do Recife, como Maurício Gonçalves, que vivia no Ibura. Nesta quinta, ele foi acordado de forma diferente. “Eu tava dormindo quando ouvi a sirene dos bombeiros. Susto danado, pensei que tinha acontecido algo maior. Não sei confirmar, mas acho que isso são uns moleques que passam, tocam fogo na maldade pra tirar onda”. 

Queixa comum: barracos desocupados

Ao relatar os últimos acontecimentos na comunidade, uma coisa entre os moradores é unânime: parte dos barracos foi construída, mas as pessoas não moram de fato no local. “Levantaram os barracos, mas pode ver, não tem ninguém. Só querem o cadastro na Prefeitura, pra ganhar casa. Acaba prejudicando a gente, que realmente precisa. Deveria ter uma fiscalização à noite aqui, para a Prefeitura ver quem mora mesmo”, indicou Damiana Paula de Amorim, de 60 anos, uma das mais incomodadas com o levantamento de barracos “vazios”.

Com a recorrência dos incêndios e as características de ações criminosas, as lideranças da comunidade afirmaram que, a partir de agora, todas as pessoas que se sentirem lesadas por este tipo de incidente irão prestar queixa na Polícia. “Não queríamos envolver a Polícia, mas não tem jeito. Já entramos em contato com o pessoal da Delegacia da Rio Branco, porque isso não pode ficar assim. São, claramente, incêndios criminosos que podem tirar vidas de pessoas daqui”, enfatizou Bernadete Oliveira, uma das representantes da ocupação.

O Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) dá suporte aos moradores da região, que é uma área da União e está sob as responsabilidades da Ferrovia Transnordestina Logística. As famílias já foram cadastradas pela Prefeitura do Recife e o diálogo vem sendo feito, desde maio, para se chegue a um acordo sobre o destino das mais de 500 pessoas “acampadas” no terreno. 

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