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Em tons de ouro, temperaturas baixas perfeitas para o clima tropical do Brasil e alto poder de sociabilidade, a cerveja é uma das bebidas mais apreciadas pelo povo brasileiro. Segundo pesquisa recente realizada pela Euromonitor, o país é o terceiro maior consumidor da ‘breja’ no mundo, ficando atrás somente da China e dos Estados Unidos.

Durante a pandemia do novo coronavírus, que vem assolando o mundo desde o início do último ano, o consumo do produto até aumentou em terras brasileiras. O mesmo levantamento apurou que o volume de vendas de cerveja no Brasil em 2020 foi o maior dos últimos seis anos, atingindo 13,3 bilhões de litros. O líquido dourado parece ser mesmo uma unanimidade, no entanto, o alto número de vendas e de consumo não condiz, de fato, com a realidade encontrada no mercado cervejeiro - que embora disponha de um produto largamente consumido, ainda apresenta limitações e problemas graves em termos de equidade de gênero, raça e classe.

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Os problemas vão desde as publicidades até à mesa dos bares, passando pelo mercado de trabalho do segmento. Durante muito tempo, por exemplo, às mulheres era reservado o lugar de ‘musa’ nas propagandas de cerveja - em sua maioria com corpos do tipo padrão, brancas, magras, com pouca roupa e sem falas. Esse cenário vem mudando aos poucos, mas ainda não o suficiente. De acordo com pesquisa feita pela Kantar Brasil, 43% do público feminino não se sente contemplado pelos comerciais das marcas de cerveja. 

Já no mercado de trabalho, nas indústrias e empresas cervejeiras, ainda é comum a disparidade salarial entre homens e mulheres, além da pouca presença de profissionais pretos. Em 2019, o 1º Censo das Cervejarias Independentes Brasileiras mostrou o quanto o setor ainda é masculinizado, com 89% de empresários do ramo sendo homens, com alto grau de escolaridade e média de 39 anos. A pesquisa não contempla o recorte racial. 

Sara Araújo é formada em direito, acadêmica de ciências sociais pela universidade estadual de Maringá (PR), pós-graduanda em História da África e da Diáspora Atlântica e sommelière de cervejas. Foto: Cortesia/Yasmin Victorino

Para a somelière de cervejas Sara Araújo, o mercado da cerveja artesanal no país é “um reflexo do espectro social, notadamente racista, misógino e sexista”. Ela também remete à história da bebida para apontar a grande contradição que há na exclusão das mulheres no segmento: “Foram elas as grandes precursoras (do meio). Já há descobertas arqueológicas que mostram que mulheres kemeticas/Egípcias/africanas fabricavam cervejas há milhares de anos, na idade média, haviam tavernas na Europa que eram gerenciadas por mulheres, leia-se, mulheres brancas”, disse em entrevista exclusiva ao LeiaJá.

O destaque na fala de Sara, que além de somelière é pós-graduanda em História da África e da Diáspora Atlântica pelo Instituto Pretos Novos e palestrante em questões raciais brasileiras, não é fruto apenas de seus estudos e pesquisas. Ela própria traz em sua vivência alguns obstáculos encontrados por ser uma mulher preta. Em 2020, pouco após dar início à sua carreira na área da cerveja, ela passou por várias violências misóginas e racistas em um grupo de WhatsApp voltado ao tema. “Sofri um ataque covarde de pessoas do meio cervejeiro, o qual me abalou emocionalmente, fiquei dias acamada, precisei buscar apoio psicológico para poder superar as agressões. Por outro lado, decidi continuar falando sobre cerveja, sobre algo que amo muito, decidi que não seriam aquelas pessoas ruins que me parariam”.

Desde então, Sara garante ter se tornado mais “combativa” e passou a “propor uma educação para o mercado cervejeiro no campo das relações raciais e sociais”. Ela tem feito isso através de sua página no Instagram, @negracervejasommelier, e através do projeto Xirê Cervejeiro, também publicado no perfil e que tem a proposta de construir um espaço de ações afirmativas se valendo de história, literatura e música, entre outros. 

Para a  somelière baiana com residência fixada no Paraná, é urgente operar mudanças significativas no mercado a partir da escuta ativa das pessoas que dele fazem parte e de estratégias educativas que possam redefinir paradigmas. “O mercado está muito atrasado em muitos pontos, é capaz de adquirir a melhor tecnologia para fazer cervejas, mas é incapaz de se atualizar no que diz respeito a enxergar a pluralidade, a diversidade das pessoas. O que não dá, é se esconder atrás da estrutura opressora ou colocar a culpa no patriarcado ou no racismo estrutural e tentar se eximir da responsabilidade, afinal, a estrutura não é uma abstração, é fomentada por pessoas e por continuidade de comportamentos nocivos”. 

Mulheres levantando mulheres

A pernambucana Chiara Rêgo Barros fundou o Instituto Ceres ao lado de outras duas mulheres, Patrícia Sanches e Julyana Alecrim. Foto: Cortesia/Leo Motta

Operar mudanças significativas no mercado cervejeiro também é uma das missões da pernambucana Chiara Rêgo Barros. No ramo há pouco mais de 15 anos, a engenheira química já foi cervejeira da Ambev e da Brasil Kirin, mas nem nas grandes potências do segmento se viu alheia ao preconceito de gênero, apesar de contar com alguns outros "privilégios" que ela própria diz entender. 

A pernambucana é taxativa ao dizer que, em pleno 2021, ainda há muito machismo e misoginia nesse meio. “É necessário falar que existe. E se você está lendo e está pensando: ‘não sou machista’ ou ‘é mimi’, provavelmente já fez algum comentário machista ou desconfiou de uma mulher. Existem ações e pensamentos que ainda são velados, mas estão presentes. Por exemplo, quando não se abre a oportunidade de entrevistar uma mulher apenas por ser mulher. Muitas empresas se posicionam em redes sociais, mas na prática funciona bem diferente. É só olhar o quadro de funcionários com ‘o’, não só por causa da língua portuguesa, mas porque o quadro é majoritariamente masculino”.

Chiara também faz questão de apontar a existência do preconceito para além da indústria:  “As consumidoras também sofrem bastante. Existem diversos ambientes que são inseguros para as mulheres que estão ali apenas para tomar sua cerveja”.  E foram essas observações e vivências que a levaram a ser como um “trator” no meio e passar por cima das dificuldades que se apresentavam. “Você se cobra e trabalha o dobro porque sabe que muitos esperam um deslize seu. É cansativo fisicamente e mentalmente também. Trabalhei em grandes empresas, sempre fui muito respeitada, mas sempre existem aquelas pessoas que duvidam. Em relação a essas últimas, a gente vai passando como um trator, filtra as situações e usa só o que servirá de algo para seu crescimento profissional”. 

Foi a partir daí que a pernambucana juntou-se a outras duas mulheres, Patrícia Sanches e Julyana Alecrim, para fundar o Instituto Ceres de Educação Cervejeira. A instituição visa a formação de profissionais para o ramo cervejeiro, não só com foco na inserção de mais mão de obra feminina no meio como o de pessoas de baixa renda, através de bolsas de estudos. Não à toa, a escola leva o nome de uma mulher da mitologia romana, Ceres, a deusa da colheita e dos grãos.

“O instituto é para todas as pessoas que amam cerveja, mas desde sempre tivemos o foco no desenvolvimento das mulheres. Só o fato de sermos mulheres já termina destravando o desejo de estudar em outras mulheres porque elas se sentem representadas e seguras. Normalmente cursos de cerveja têm maior presença masculina e isso termina intimidando as meninas”, diz Chiara. Ela conta que, além de professora, acaba atuando como amiga e “psicóloga” das alunas, que por estarem entre iguais acabam se sentindo mais acolhidas e à vontade. Entre os planos futuros do instituto, está um projeto de mentoria gratuita para o público feminino. 

Dia Internacional da Cerveja

Foto: Pixabay

O que essas duas mulheres têm em comum, além do amor pela cerveja e o trabalho no meio cervejeiro, é a vontade de tornar esse universo mais diverso e justo para todos os profissionais da área e consumidores. Nesta sexta (6), quando é celebrado o Dia Internacional da Cerveja - data comemorada toda primeira sexta-feira do mês de agosto -, o brinde pode ser acompanhado pela reflexão do papel que cada um de nós desempenhamos nessa engrenagem.

Beber cerveja, entre amigos, familiares ou até mesmo de forma solo, é muito bom, mas pode ser ainda melhor e a fala de Chiara ilustra bem isso. “Precisamos mudar muita coisa enquanto sociedade, mas estamos aqui para lembrar quantas vezes forem necessárias que somos capazes e que a gente não vai parar! Como sempre digo: isso não é uma revolução, é um resgate!”

 

Atualmente, o mercado mundial e o brasileiro têm estado cada vez mais inovador e competitivo. A criatividade e o capital intelectual estão presentes em empresas que buscam se diferenciar, seja por uma política ou por um produto. Muito disso se deve à chamada Economia Criativa, uma indústria que estimula a geração de renda, cria empregos e promove a diversidade cultural.

Segundo o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) a Economia Criativa abrange os ciclos de criação, produção e distribuição de bens e serviços que utilizem criatividade, cultura e capital intelectual como insumos primários. No ano de 2015 a área criativa gerou para a economia brasileira R$ 155,6 bilhões, segundo o Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil, uma pesquisa da Firjan, divulgada em dezembro de 2016.

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Seguindo essa tendência, o publicitário Robson Macedo e o estudante Khalil Sarmento se uniram e criaram a Breja Bike, em Belém, uma bicicleta completamente adaptada com uma torre de chope. Segundo Robson Macedo, a ideia surgiu de uma pesquisa sobre o mercado criativo no exterior. “Me interando nesse mercado e pesquisando sobre, vi uma série de possibilidades onde a bicicleta entraria como um dos recursos pra montar um negócio”, conta. Ele ainda acrescenta que na hora decidir que tipo de produto ele e o sócio viriam a oferecer, eles analisaram os clássicos comercializados em bicicletas até acharem o diferencial. “Nós buscamos duas formas de e diferenciar, a primeira é o produto em si, pois em Belém existem muitas bicicletas que vendem cervejas. Ao invés de simplesmente vender cerveja, adaptamos a ela uma torre de chope, com barril, gelo e gás. O segundo ponto de diferenciação foi a própria bicicleta em si e o design dela”, explica.

Outra ideia criativa que deu certo foi o projeto Belem Photos, uma parceria entre os amigos Bernard Cunha, Lucas Ohana e Gustavo Rosal. O Belém Photos começou no instagram, por iniciativa de Lucas Ohana. Ele se apaixonou por fotografia enquanto cursava Jornalismo e resolveu criar um perfil pra divulgar e valorizar Belém através da fotografia. Ele começou a sair pela cidade fotografando. Criou a hasthag #BelémPhotos . Depois de um tempo os amigos também começaram a usar hashtag e o projeto foi ganhando vida própria. “Hoje, estamos com quase 22 mil seguidores no instagram e com o nosso espaço físico construído.”

Antes do espaço físico, o Belém Photos trabalhava mais com as redes sociais, para divulgar a fotografia. No novo espaço, temos as mostras fotográficas, no qual vendemos as obras, o café bar, a sala multiuso, onde nós promovemos cursos e alugamos para quem não possui espaço, e o estúdio de fotografia onde fazemos nossos trabalhos. Não perdemos o DNA do Belém Photos que é o instagram, é o principal canal de comunicação”, conta, Bernard Cunha, um dos sócios.

O LeiaJá conversou com os donos das respectivas empresas para saber mais um pouco sobre como cada uma delas surgiu. Confira a matéria completa sobre economia criativa no vídeo abaixo.

Com apoio de Geovana Mourão.

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