Tópicos | Código Penal

Debatemos, nessa segunda-feira (06), no programa de Geraldo Freire, o senador Humberto Costa, o deputado Silvio Costa e eu, as modificações que estão sendo propostas para o Código Penal brasileiro, que é de 1940.

Apesar de o tema ser amplo, a discussão ficou concentrada na redução da maior idade penal para 16 anos, tese que tem vasto apoio popular.

Debrucei-me sobre o tema quando fui candidato a prefeito do Recife, em 2008. Infelizmente, a cidade ainda é uma das mais violentas do mundo, com uma inaceitável taxa de homicídios entre os jovens (de 16 a 24 anos) de 211 assassinatos para cada 100 mil habitantes por ano. Isso representa três vezes a taxa de homicídios da Guerra do Iraque.

Para isso, fui à Colômbia e visitei as cidades de Bogotá e Medellin, que conseguiram as maiores reduções de índices de violência no mundo. Lá, encontrei uma política clara: a conjugação da “mão forte” com a “mão amiga” ou, em outras palavras, a combinação de políticas repressivas e preventivas.

Para salvar a juventude, é necessário que o Estado ofereça educação de qualidade e atividades culturais, esportivas e qualificação profissional para esses adolescentes e jovens, além de disponibilizar para as famílias desestruturadas apoio psicológico e de assistência social.

No Brasil, apenas 1% dos crimes dolosos são realizados por jovens menores de 18 anos. Antes que cheguem a esse ponto, é preciso que o Estado ofereça amparo e alternativas. Quanto às políticas repressivas, o fundamental é não permitir que se instale na sociedade o sentimento da impunidade.

Na Colômbia, todo crime tem inquérito, todo inquérito se transforma em processo e todo processo vai a julgamento.  Esses números são acompanhados mensalmente pela imprensa e pela sociedade.

No Brasil, ocorre exatamente o oposto. No Rio de Janeiro, por exemplo, só 3% dos assassinatos chegam a julgamento. Para ilustrar o caso de Pernambuco, um bom referencial é o município de Jaboatão dos Guararapes, onde existem prontos para julgamento 2.390 processos. Se não houvesse mais nenhum crime e acontecesse o julgamento de um processo por dia, só em 10 anos todos seriam julgados. Essa é uma oportunidade para criarmos um Código mais funcional e para exigir que a Justiça adote as medidas necessárias para superar a sua morosidade.

O relator da Comissão de Reforma do Código Penal no Senado, procurador regional da República da 3.ª Região, Luiz Carlos Gonçalves, quer aumentar a pena mínima para as pessoas condenadas por crimes financeiros. Para Gonçalves, o Código Penal é muito severo para a criminalidade comum, mas muito brando para a criminalidade econômica. "As medidas são muito mais favoráveis para certos crimes intelectuais. Esse sistema leva ao descrédito", afirmou o procurador.

Diversos crimes financeiros estão na mira do procurador e podem ter suas penas mínimas elevadas. O inside information, prática por meio da qual operadores obtêm lucros na Bolsa de Valores com informações privilegiadas sobre empresas e instituições, tem punição de um a cinco anos de prisão e multa de até três vezes o valor da vantagem obtida. Gestão temerária de instituição financeira prevê pena de dois a oito anos de prisão. A punição para fraude em contabilidade de instituição financeira vai de um a cinco anos de prisão. Já a pena por violação de sigilo de operação ou serviços de instituição financeira é de um a quatro anos de prisão.

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Na prática, porém, a maioria dos condenados por estes crimes recebe a punição mínima. Além disso, quase sempre os réus são primários, possuem bons antecedentes e não são presos. Embora a comissão estude a adoção de penas alternativas para crimes cometidos sem violência, os crimes financeiros devem ter punição mais dura, na avaliação do relator. "O problema dessas penas é o intervalo muito largo. A prática do Judiciário brasileiro é a aplicação da pena mínima. E, portanto, seria o caso de rever os limites mínimos para adaptá-los à gravidade das lesões", afirmou.

Para efeito de comparação, Gonçalves cita o furto, crime cuja pena varia de um a quatro anos de prisão. "O furto tem pena mínima de um ano, assim como o inside information, mas não dá para comparar um furto com um golpe no sistema financeiro", afirmou. Outro exemplo são os crimes contra a ordem tributária, dispostos na Lei 8.137/90, que também devem ser mais rígidos, na avaliação dele.

"Os crimes contra a ordem tributária são escandalosos. A pessoa paga o que devia e fica livre do processo-crime. É um crime sem risco", afirmou. "Mas, se a pessoa furtar alguma coisa e depois devolvê-la, consegue apenas a redução de pena. No Brasil, pequeno furtador pode ir preso, mas grande sonegador não."

A comissão também vai analisar a proposta do senador Pedro Taques (PDT-MT) de transformar a corrupção em crime hediondo, para o qual não há pena alternativa. Atualmente, são crimes hediondos o homicídio, latrocínio, estupro, sequestro e falsificação de medicamentos, para os quais não há direito à liberdade provisória, indulto, pagamento de fiança e redução de pena. A ideia do senador é elevar a pena mínima prevista para concussão, corrupção passiva e corrupção ativa para quatro anos, com a inclusão de um novo artigo na Lei nº 8.072/90, que dispõe sobre os crimes hediondos.

Para Gonçalves, a corrupção se encaixa na definição, uma vez que é um crime que causa "nojo" à sociedade. "A corrupção é um crime de repercussão muito negativa, tem uma perversidade diferenciada e ataca uma coisa muito preciosa à sociedade. A corrupção não deve ter pena alternativa", afirma Gonçalves.

O relator da comissão também quer rever regras que favorecem a impunidade, tais como a prescrição retroativa. Antes da condenação, uma pessoa acusada por gestão temerária de instituição financeira, por exemplo, pode receber pena de dois a oito anos de prisão. Para uma pena máxima de oito anos, a prescrição abstrata, antes do trânsito em julgado, é de 12 anos. Mas, depois da condenação do réu, a Justiça desconsidera a prescrição de 12 anos e passa a aplicar a prescrição retroativa, que considera a pena aplicada no julgamento. Dessa forma, o réu condenado a dois anos de prisão por gestão temerária de instituição financeira teria a prescrição do crime reduzida para quatro anos. Se o processo judicial levar mais de quatro anos, o réu não cumprirá pena. "Essa é uma das maiores causas de impunidade no Brasil", afirma Gonçalves.

Segundo ele, a prescrição abstrata deve continuar a valer para evitar que o Estado se acomode. "A prescrição abstrata força que o Estado investigue, processe e puna o autor de um crime", afirma. "Mas em nosso Código Penal a fixação da pena produz um efeito paradoxal e leva a recalcular todo o curso da prescrição. A prescrição retroativa só existe no Brasil e favorece muito a impunidade."

Homofobia e terrorismo não são crimes, enquanto a punição para furto é mais pesada que a de homicídio culposo - aquele cometido sem intenção de matar. Esses e outros temas da legislação brasileira serão examinados pela Comissão de Reforma do Código Penal, instalada no Senado a pedido do senador Pedro Taques (PDT-MT), e poderão sofrer mudanças para aumentar ou diminuir punições.

Naturalmente polêmicos, assuntos como aborto e crimes financeiros podem receber desde sexta-feira opiniões da população por meio do site http://www.senado.gov.br/senado/alosenado/codigo_penal.asp. As sugestões sobre descriminalização, definição de novos crimes e penas alternativas, entre outras, servirão para nortear o trabalho da comissão, que deverá apresentar um anteprojeto do novo Código Penal ao Congresso em abril.

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A comissão, formada por 15 juristas, tem como objetivo elaborar uma legislação penal mais moderna e corrigir abusos e desproporções. Elaborado em 1940 e reformado em 1984, o Código Penal tem 350 artigos e há 119 leis penais fora dele. "O Brasil é o País dos mil crimes", afirma o relator da comissão, procurador regional da República da 3.ª Região, Luiz Carlos Gonçalves. "Há leis demais, aplicação de menos, bobagens que são consideradas crimes e comportamentos graves e sérios que não são."

É crime, por exemplo, furar fila para votação em dia de eleição, mas não é crime fraudar concurso público com uso de ponto eletrônico. Roubar prova de um concurso é crime, mas comprá-la, não. Portar, vender e adquirir material obsceno é crime que prevê de seis meses a dois anos de detenção. A legislação penal brasileira não tem definição para o terrorismo. Mas a lei que define lavagem de dinheiro prevê punição para aqueles que usam recursos provenientes do terrorismo para este fim.

Pessoas que agridem homossexuais atualmente são punidas por lesão corporal. Mas o procurador destaca que o artigo V da Constituição prevê que qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais deverá ser punida por lei específica. "Assim, não se pode deixar de fora a discriminação por orientação sexual, da mesma forma que a lei já pune outras formas de discriminação", afirma.

A sugestão do relator é a inclusão da homofobia na Lei 7.716/89, que dispõe sobre os crimes de preconceito contra religião, raça e etnia. "Hoje, a pessoa discriminada por religião, fé, origem ou raça já tem a proteção da lei. A ideia é estender a lei diante de outras formas de discriminação, inclusive contra orientação sexual", diz.

A pena para a gestante que faz aborto é de detenção de um a três anos. Para Gonçalves, ouvir a opinião da população sobre o tema será fundamental. "Na minha opinião, é preciso analisar a questão do aborto para encontrar uma solução que tanto proteja o direito à vida do nascituro quanto o direito à vida das mulheres que fazem abortos clandestinos e morrem em razão disso", afirma. A ideia, segundo ele, será procurar uma resposta moderna de proteção às vítimas e de defesa social em questões polêmicas. "Para isso, é importante para a comissão que as diversas concepções filosóficas e religiões apresentem seu ponto de vista."

Nos casos de crimes cometidos no trânsito, Gonçalves avalia que é preciso mudar a lei sobre o uso de bafômetro. Como ninguém é obrigado a produzir prova contra si, os motoristas embriagados frequentemente se recusam a fazer o teste. Para o procurador, a solução é modificar a lei para punir quem dirige alcoolizado, independente do grau de concentração de álcool no sangue. Dessa forma, a autoridade pública poderia presumir que o motorista está alcoolizado e o bafômetro estaria disponível justamente para que o motorista prove que não está. "O direito ao uso do bafômetro passaria a ser uma prova de defesa para afastar a presunção de embriaguez."

A comissão pretende ampliar a quantidade de crimes punidos com medidas que não a prisão. Mas, para Gonçalves, aqueles cometidos com violência, tais como homicídio, crimes sexuais, roubo e sequestro, devem continuar a ser punidos com detenção. No caso do homicídio culposo, cometido sem intenção de matar, o procurador avalia que a punição deve ser elevada - hoje, a pena vai de um a três anos de prisão, menos severa que a do furto, de um a quatro anos de detenção. "Algumas leis dão a impressão de que o País se preocupa mais com o patrimônio do que com a vida das pessoas, e a vida humana parece ter um valor muito pequeno."

Com tantos temas controversos, a orientação da comissão, presidida pelo ministro Gilson Dipp, é explorar ao máximo os espaços de consenso, modernizar e unificar o código e favorecer a internalização dos tratados internacionais que o País firmou, como a Convenção de Palermo, que dispõe sobre o crime organizado transnacional, e o Estatuto de Roma, que estabelece o Tribunal Penal Internacional. "O ambiente da comissão, formada por juristas notáveis, é ótimo para termos uma discussão franca sobre esses temas", disse o procurador.

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