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Pernambuco foi o primeiro estado do Brasil a instituir uma política de saúde LGBT dentro da secretaria de saúde estadual. Desde então, alguns avanços nessa área já podem ser observados. Para a população LGBT falta muito a ser alcançado, ainda mais se tratando de um grupo que muitas vezes foge das unidades de saúde por conta do preconceito - as melhorias, entretanto, também são reconhecidas.

Atualmente, apenas duas cidades possuem ambulatórios especializados para lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexo: Recife e Camaragibe, na Região Metropolitana. A capital pernambucana possui atendimento no ambulatório LGBT Patrícia Gomes da Policlínica Lessa de Andrade, na Madalena, Zona Oeste do Recife, e no ambulatório LBT do Hospital da Mulher do Recife, que atende lésbicas, bissexuais e transexuais. Em Camaragibe, foi inaugurado em 2018 o Ambulatório LGBT – Espaço Darlen Gasparelle.

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Segundo o coordenador estadual de Saúde LGBT, Luiz Valério, novos ambulatórios especializados devem surgir também no interior do estado. “Provavelmente até o final do ano teremos um ambulatório municipal de Caruaru. E em Serra Talhada a discussão está bem avançada”, comenta. Além desses, Valério destaca que também está sendo discutida a criação de ambulatórios LGBT em Jaboatão dos Guararapes, Ipojuca e Petrolina. Nesta última, já há um médico desenvolvendo trabalho de hormonoterapia em um ambulatório da cidade sertanense.

Além dessas unidades municipais, o Hospital das Clínicas (HC), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), possui o Espaço de Cuidado e Acolhimento Trans e realiza a cirurgia de redesignação sexual ou mudança de sexo, como é popularmente conhecida. O HC é o único hospital que oferece este serviço em Pernambuco e apenas outros quatro hospitais fazem o mesmo procedimento no país. Segundo informações, a fila de espera é tanta que os últimos estão com agendamento para daqui a 15 anos.  De acordo com o HC, atualmente são atendidas 308 pessoas, sendo 202 mulheres trans, 89 homens trans, 13 travestis e quatro intersexo. Até o momento, foram realizadas 38 cirurgias de redesignação.

O Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), da Universidade de Pernambuco (UPE), possui também um ambulatório direcionado para a população trans. Inicialmente, o espaço foi criado com o foco no atendimento a homens trans, mas já atende a mulheres transexuais. O Hospital Oswaldo Cruz (Huoc), também da UPE, realizou a primeira mastectomia, cirurgia para retirada da mama, em 2017. Desde então não houve novos procedimentos e a assessoria da UPE informou que não há outros agendados, se devendo ao fato de o interessado precisar de acompanhamento de dois anos. Informações colhidas são de que a ausência de um cirurgião plástico na equipe fez com que o projeto, ainda piloto, necessitasse ser repensado.

O coordenador estadual de saúde LGBT, Luiz Valério, pontua que apesar do número reduzido de serviços especializados, os principais hospitais de Pernambuco já receberam orientações e a conscientização continua ocorrendo. Ele cita entre as unidades já ‘sensibilizadas’: Hospital da Restauração, Hospital Barão de Lucena, Hospital Getúlio Vargas, Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e instituições de Serra Talhada, Arcoverde, Petrolina e Caruaru.

Valério está na função há um ano e seis meses e percebe municípios mais hesitantes em implementar a polícia de saúde LGBT desde a mudança no governo federal. “A gente está vivendo um novo momento político. Há uma crescente do ódio e do retrocesso político. A gente tem visitado muitos municípios, através das gerências regionais de saúde, que convocam os secretários. Em alguns momentos, temos percebido um aumento na descrença da importância por parte de alguns profissionais. Muitos prefeitos se negam porque essa seria uma mancha na gestão. Mas nós dialogamos e mostramos comprovação de dados”, afirma.

O assistente social Henrique Costa, do Instituto Boa Vista, Ong voltada para a luta LGBT, afirma que Pernambuco é uma das capitais mais avançadas em termos de equipamentos de saúde para trans e homossexuais. Ele, porém, elenca questões consideradas preocupantes. O primeiro quesito seria a insuficiência de profissionais. Costa destaca, por exemplo, que Luiz Valério é quem faz o trabalho de conscientização em todo o estado. “Também tem a questão orçamentária. Não está claro quanto do recurso total de um ambulatório como o Lessa de Andrade tem sido direcionado para garantir a operacionalização do serviço para a população LGBT. Há também um desconhecimento de muitos usuários da existência desse serviço, principalmente entre os mais pobres, negros e de periferia. Não tem sido incomum encontrarmos pessoas que desconhecem completamente. E são do Recife, ou seja, potenciais usuários. Por fim, é necessário que a política de saúde caminhe com outras políticas, que haja integralidade, universalidade. A gente percebe que há esforço dos profissionais mas fica muito no âmbito individual. Quantas campanhas públicas com grande publicidade a gente vê desses serviços?” questiona.

Atendimento no Ambulatório Patrícia Gomes

Costa acrescenta ouvir que muitas pessoas não comparecem ao agendamento por falta de dinheiro para a passagem de ônibus. O LeiaJá visitou o ambulatório Patrícia Gomes, do Lessa de Andrade, e apenas uma pessoa que estava agendada havia comparecido. Duas delas faltaram por não ter como pagar a passagem. “A questão financeira é um divisor de águas para essas pessoas. Muitas vezes eu escuto dizer que elas vêm andando de um lugar muito distante porque não têm o dinheiro da passagem, como também deixam de vir. A gente fica muito triste quando não consegue dar conta dessa situação”, lamenta Ricardo Rodrigues, coordenador do ambulatório. Conforme Ricardo, as mulheres trans são as que vivem em situação financeira mais crítica.

O baixo comparecimento de pacientes naquele dia foi considerado atípico, apesar de tudo, segundo a diretora do Lessa de Andrade, Priscila Ferraz. “Nós oferecemos somente dois dias de ambulatório com cota de oito paciente, mas existe uma demanda reprimida. Tenho certeza que se a gente tivesse médico todos os dias, todos os dias teria paciente”, ela resume. O acolhimento no Patrícia Gomes ocorre de segunda a sexta no período da tarde, mas as consultas médicas são realizadas apenas nas terças e quartas.

A saúde LGBT trava uma batalha contra a automedicação de hormônio, que pode gerar sérios problemas de saúde. Grande parte dos pacientes atendidos no Patrícia Gomes vivem essa realidade. “A última pessoa que acabei de atender, Lorena, começou aos 13 anos a se hormonizar. Existem os riscos que ela correu o tempo todo, mas também é uma reflexão que a gente vai precisar fazer. Lorena tem uma boa passabilidade [termo usado para se referir a quanto uma pessoa trans consegue ‘se passar’ por um homem ou mulher cisgênero] porque começou a mexer nos hormônios na adolescência, que seria o ideal, principalmente para as meninas. Mas ela tinha pouco estudo”, destaca Rodrigo de Oliveira, responsável pelo serviço ambulatorial e especializado na medicina da família e comunidade.

O coordenador Ricardo Rodrigues complementa: “Antes mesmo dessas pessoas conhecerem um local com especialidade, elas já buscaram profissionais para enxergar como funcionam esses processos, mas muitas vezes eram locais de violações de direitos. Muitas vezes os profissionais não sabem como dar esse acesso, como abordar através das especificidades. Existe também muito preconceito, que faz com essas pessoas cheguem nesses espaços e nunca mais retornem. Acabam buscando informações de outras pessoas que já fizeram, conseguem retorno de imediato, a mama cresce rápido, mas de forma errônea. Muitas pessoas quando chegam aqui já estão fazendo o tratamento e com certo tipo de sequela ou patologia inicial”.

De maneira geral, todos defendem que os avanços na área são oriundos da luta de ativistas. “Essa política LGBT não se daria se não fossem os movimentos que resistem e resguardam essa população. As lutas existem porque a população LGBT está morrendo, sendo maltratada e machucada. Nós pagamos nossas contas, investimos nosso dinheiro, compramos pipoca no sinal, compramos carro, ar condicionado, pagamos imposto, também geramos dinheiro para essa nação e precisamos receber de volta cuidado e respeito. Vamos continuar resistindo a todo esse processo”, argumenta Luiz Valério.

Os nomes dos ambulatórios

Patrícia Gomes era uma travesti que residiu por mais de 20 anos no bairro da Guabiraba, no Recife. Com 28 anos conheceu o Grupo Gay Leões do Norte, iniciando a trajetória no movimento social LGBT de Pernambuco. Ela morreu no dia 23 de maio de 2011 aos 33 anos no Hospital da Restauração (HR) dias depois de ter participado de uma sensibilização com profissionais de saúde sobre respeito ao nome social e identidade de gênero no mesmo local. Foi enterrada como homem.

Darlen Gasparelle é fundadora do movimento trans de Pernambuco, conforme a Prefeitura de Camaragibe. Ela abandonou os estudos por conta do preconceito que sofria. Na época em que estudava, ela tinha que usar o banheiro dos professores, pois os estudantes não permitiam que ela usasse nem o de menino nem o de meninas. Ela queria cursar enfermagem, mas não conseguiu terminar o ensino médio.

Serviço

Espaço de Acolhimento e Cuidado Trans do HC

Avenida Professor Moraes Rego, 1235. Segundo andar do bloco E do HC, na sala 236, de segunda a sexta, das 8h às 17h.

(81) 2126.3587

 

Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam-UPE)

(81) 3182-7708 e 0800-081-1108

Endereço: Rua Visconde de Mamanguape, S/N, Encruzilhada

 

Ambulatório LGBT Patrícia Gomes, da Políclínica Lessa de Andrade

Estr. dos Remédios, 2416, Madalena

Acolhimento de segunda a sexta-feira, das 13h às 17h. Atendimento médico na terça e quarta-feira.



Ambulatório LGBT Darlen Gasparelli

Rua Joaquim Cavalcante de Santana, no Bairro Novo do Carmelo, Camaragibe. Segunda à sexta-feira, das 8h às 17h

 

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