Maninho nunca soube desenhar no papel. O ano era 2009 quando ele, pouco conhecido pelo nome de batismo, Cláudio Emanuel de França Silva, descobriu seu maior talento por necessidade. “Sempre cortei cabelo do jeito tradicional, mas começou essa moda de desenho. O pessoal pedia de tribais a pica-pau, tive que me aperfeiçoar”, lembra. Olhando no caderno, o barbeiro era capaz de reproduzir uma gravura com perfeição, sem, até então, ter tido nenhuma orientação ou estudo no ofício. “Agora a moda mudou, para o degradê com algumas listrinhas. Chamamos de ‘freestyle’ o improviso dessas linhas”, explica.
Para o jovem barbeiro, de 26 anos de idade, uma das razões que tornaram o freestyle (do inglês, “estilo livre”) uma febre entre os jovens da periferia é a adoção do estilo por alguns dos jogadores de futebol mais famosos do mundo. “A comunidade é muito ligada ao esporte. Muitos meninos chegam na barbearia pedindo o cabelo de Neymar, Cristiano Ronaldo, Phillipe Coutinho e Pogba, por exemplo”, coloca. Seja pela imitação ou pela criação espontânea nas cabeças de jovens garotos de sua comunidade, o Caiara, na Zona Oeste do Recife, a Barbearia Boleragem, de Maninho, cresceu ao passo que também surgiu uma série de estabelecimentos concorrentes na área. “A gente procura sempre inovar e deixar o ambiente mais confortável. Temos videogame, Wi-fi, cerveja e ar condicionado para os clientes em espera”, afirma.
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Para o barbeiro Maninho, a escolha dos cortes está relacionada ao futebol. (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)
Enquanto cede entrevista à reportagem, Maninho é motivo de gozação das duas fileiras de cadeiras completamente lotadas de clientes. No estabelecimento, por vezes, a relação comercial mistura-se à de amizade. “Maninho está famoso”, brinca um dos garotos. O ambiente da barbearia acaba funcionando como um local de entretenimento para seus frequentadores. Alguns deles, não necessariamente presentes no espaço para aguardar atendimento. Há quem leve os amigos para assistir ao corte ou simplesmente vá ao encontro de alguém.
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O vendedor Mateus Viana foi cortar o cabelo acompanhado de um grupo de amigos. “A gente sempre vem. Hoje escolhi fazer um degradê na parte de baixo do cabelo e cortar um pouco em cima. Prefiro esse porque é discreto pra ir pra escola e trabalho e povo não fica olhando tanto, ainda mais pra mim, que gosto de andar com camisa de torcida organizada”, comenta ele, que veste uma blusa da “Fanáutico”.
Mateus opta por linhas mais discretas para fugir do preconceito. (Rafael Bandeira/LeiaJáImagens)
Preconceito
Maninho conta que são comuns as situações constrangedoras por que passam os clientes. “Sempre tem um segurança atrás de você numa loja de shopping. O povo da comunidade não liga tanto, porque aqui não tem aquele negócio de a turma ficar olhando e chamar a gente de maloqueiro ou bandido. É uma moda mesmo, o povo acha legal ”, afirma. O próprio barbeiro já foi vítima de discriminação da polícia. “Uma vez dei luzes. Estava na rua e também ia andando um menino da comunidade que sei que era envolvido com criminalidade, que estava sem nenhum penteado fora do padrão. Aí fui abordado pelos PMs e ele não. Fiquei achando que era por causa do meu cabelo”, lamenta.
Maninho lembra que apesar da rejeição ao estilo no restante do ano, boa parte dos homens acha aceitável aderir ao cabelo desenhado no carnaval. “Eles falam, mas acabam usando. Eu não ligo não, porque o preconceito vem de gente que não conhece a realidade da gente. Isso é uma arte que os barbeiros nasceram com o dom de fazer. Deveriam valorizar nosso trabalho, porque é daqui que tiro o aluguel da barbearia, da minha casa e pago minha faculdade”, argumenta o barbeiro, que também estuda educação física. Os cortes custam a partir de R$ 15.
Rodrigo Barbosa também é barbeiro e usa Instagram como ferramenta de trabalho durante corte de Fabiano. (Rafael Bandeira/LeiaJáImagens)
O operador de separações Fabiano Evandro de Souza, fã do freestyle, também se queixa de discriminação. “As pessoas julgam muito a gente, mas graças a Deus sempre faço e alguns amigos acham bonito, perguntam onde fiz”, comenta. O barbeiro Rodrigo Barbosa, responsável pelo visual de Fabiano, conta que os cortes do cliente costumam durar entre 40 minutos e uma hora e que geralmente escolhe os penteados. Com um celular na mão, os perfis de freestyle no Instagram são seus maiores aliados no trabalho. “Vou olhando e fazendo com a navalha”, completa.
Homens mais vaidosos
“Antigamente os meninos queriam ser jogadores de futebol. Agora a gente quer ser barbeiro”, crava Caio Mendes, que aos 18 anos de idade, já é dono da própria barbearia em Monsenhor Fabrício, na Zona Oeste do Recife. O jovem atua na área há dois anos e vem buscando se especializar. “Como não tem faculdade para barbeiro, a gente precisa estar sempre se atualizando com os cursos que aparecem, aumentou muito a concorrência. Arrumei um emprego por causa dessa profissão e quero terminar minha vida na área”, comenta.
Caio acredita que homens estão mais vaidosos. (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)
Para Caio, os homens estão mais vaidosos. “Antigamente existia esse preconceito de dizer que fazer a sobrancelha e cortar o cabelo de uma forma mais elaborada não era ‘coisa de homem’. Hoje em dia isso acabou, até colegas meus que veem meu cabelo ou me trabalho me perguntam onde fiz, ficam interessados”, opina.
Tendência de mercado
Para a presidente do Conselho Regional de Economia (CORECON-PE), Ana Cláudia Arruda, existe um movimento crescente de influência da periferia nos centros, em função da lógica de empobrecimento da população. “O crescimento econômico, anterior à crise, dos últimos 15 anos criou um novo perfil de consumidor. As pessoas passaram a usar smartphone, marcas importantes e comprar seus próprios veículos. Esse processo permitiu que surgissem também novas exigências de consumo”, comenta a respeito do conforto apresentado pelas barbearias periféricas.
A economista acrescenta ainda que uma grande característica desse novo cliente é a conectividade. “Ele procura o cabelo do jogador famoso porque o acompanha nas mídias digitais. Com o aumento da demanda surgiu também uma expansão dos minimercados, de pequenos negócios que dão sustentação a esse novo consumidor novo consumidor”, conclui.