Na última semana, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) oficializou a indicação do advogado-geral da União, André Mendonça, para a vaga de Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal (STF). Mendonça é pastor da igreja presbiteriana, fato que remete à fala do presidente há dois anos, sobre a indicação de um “ministro terrivelmente evangélico”.
Assim, abre-se o debate sobre até que ponto a relação entre política e religião pode chegar. De acordo com o Procurador do Estado de São Paulo e professor universitário de direito constitucional, José Luiz de Souza Moraes, o fato de o ministro ter uma forte influência religiosa não é um problema em si. “O que não pode ocorrer é que essas atuações influenciem o exercício da função judicial. O principal dever de um magistrado está na sua imparcialidade e ele deve saber separar as suas convicções pessoais daqueles mandamentos constitucionais que ele deverá respeitar e proteger”, comenta.
##RECOMENDA##Moraes ressalta que a maior norma do Estado é a Constituição, que deve ser observada no exercício de todas as funções públicas. Já nos casos em que a norma constitucional não é respeitada, e nas situações em que política e religião se juntam, nasce um problema, segundo o especialista. “O Estado deve servir a todos de forma igual, sem qualquer distinção de classe social, gênero ou religião. A Constituição de 1988 teve grande preocupação com essa separação, protegendo de forma expressa também os ateus e agnósticos, permitindo que a pessoa não siga qualquer religião, ao mesmo tempo que sejam respeitados as crenças e cultos de quem as seguem”, explica Moraes.
Os efeitos dessa junção fazem parte da história humana, e segundo o especialista, têm como principal problema a perseguição e a diferenciação daqueles que não gozam das mesmas crenças protegidas pelo Estado, como o acesso a cargos e serviços públicos,. “Nos países teocráticos, aqueles que possuem uma religião oficial, é natural que membros do clero tenham cargos-chave na estrutura estatal, como em tribunais e naqueles que influenciam importantes decisões governamentais. Isso ocorre devido ao fato de que as normas que regem o Estado se confundirem com as regras religiosas”, esclarece o Procurador do Estado.
Já quando a mesma regra se aplica em um Estado laico, como o Brasil, o maior problema pode ocorrer em virtude da divergência entre Constituição e algumas políticas públicas adotadas. “O ensino religioso é uma delas. Hoje ele é tido como um direito e as pessoas podem ter acesso a ele quando assim desejarem. É diferente de haver a sua obrigatoriedade sem que sejam respeitadas as pluralidades de crenças religiosas, seria uma medida que afronta a nossa Constituição e a liberdade de crença”, exemplifica Moraes.
Política x religião ao longo da história
O especialista conta que existem diversos casos em que o papel religioso invadiu as funções públicas. “Ao contrário do que se pode pensar, abundam exemplos da invasão dessas duas funções, a política e a religiosa, e temos grandes exemplos históricos como Martin Luther King [1929 – 1968] que era pastor da igreja batista e Mahatma Gandhi [1869 – 1948], que lutou pela liberdade política da Índia contra a colonização britânica”. Moraes finaliza dizendo que também há o Papa, líder mundial da igreja católica, que goza de importante influência política internacional.
Por Rafael Sales