Tópicos | André Mehmari

"Uma aventura tropical" para o clarinetista italiano Gabriele Mirabassi; a paixão pela Itália transformada em música, segundo o pianista e compositor fluminense André Mehmari. Foi uma polinização cruzada. Mirabassi conheceu o Brasil em 2006, pelas mãos e músicas de Guinga, que apresentou, abençoou e profetizou uma longa e fértil parceria entre ambos. De 2007 para cá, aconteceu um processo espontâneo e informal de integração desses dois universos em princípio tão distantes.

E nesta sexta-feira, 21, fazendo música de exceção, com extraordinária qualidade, o duo lança Miramari, seu primeiro DVD, no Sesc Pinheiros. É o ponto de chegada num círculo virtuoso raro. O piano de Mehmari e o clarinete de Mirabassi embarcam em 12 temas. É música compartilhada nos mínimos detalhes. O italiano, aliás, chama a parceria, nos depoimentos do DVD - em português, gravado na Cantareira, e em italiano, registrado na Umbria -, de duo de "pianoforte e clarinetto". Como nos grupos camerísticos.

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E é isso que faz a diferença: eles respiram juntos, o fraseado é "improvisado" a dois. Um milagre a todo momento repetido. Seja em temas lentos ou sacudidos. Basta conferir a primeira performance do DVD: a lírica Apenas o Mar é uma aula camerística de integração, com dinâmicas e fraseado justos, precisos. Isso sem falar das gradações de toque de Mehmari ao piano e o caleidoscópio de ataques e transmutações de timbres de Mirabassi. Quando começam a saltitar em Brilha o Carnaval, mantêm a integração fina e acrescentam o brilho de instrumentistas que dominam seus instrumentos. A voltagem emocional cresce quando interpretam seu padrinho Guinga, como em Rasgando Seda.

André conta como aconteceu o "casamento" entre a Umbria italiana e a Serra da Cantareira: "Gabriele é um apaixonado por nosso país. Conhece nossa música como poucos. Ele também toca piano e eu arranho o clarinete. Então, acho que ele fica tentando fazer som de piano no clarinete e eu de clarinete no piano. Isso faz com que nosso uníssono tenha uma força muito especial, resultando em uma música de câmara bem viva e dinâmica".

E conta como duas tradições tão distintas se fundiram num fazer musical tão uno como o deste DVD, que vem com um CD-bônus reproduzindo em áudio o DVD e três performances extras: "Nossa cumplicidade foi sendo afinada ao longo dos tantos concertos que fizemos na Europa e no Japão. O DVD capta bem essa evolução do repertório, cada vez mais maleável e flexível".

Eles não se veem com a frequência que gostariam. Matam a saudade compondo, como André em Quando em Gubbio. Mas cada encontro, como diz Mehmari, "é sempre uma alegria, pois afinal são 10.000 quilômetros de distância entre a Umbria e a Cantareira. Cada oportunidade de tocar é uma festa muito especial. Nossa vontade é sempre tocar mais. Ano que vem queremos girar com o DVD e expandir o repertório".

Além do DVD/CD, cujo lançamento o duo comemora nesta sexta-feira com show no Sesc Pinheiros, André tira do forno outras duas preciosidades. A primeira, infelizmente, só foi lançada no Japão, mês passado. Tokyo Solo mostra o estado da arte de Mehmari em recital em novembro de 2013, no Persimon Hall. Lá estão suas peças de resistência, como a suíte Nazareth, o medley do Clube da Esquina e o Baião Malandro de Egberto Gismonti. Não contente com este banquete deslumbrante, de retorno ao Monteverdi da Cantareira, ele gravou outros quatro temas como bônus. Entre eles, a deliciosa e vertiginosa leitura de Tico-tico no Fubá.

A segunda pepita foi gravada aqui e está disponível no Brasil. Em Ouro Sobre Azul, viagem solo pelo universo rico do pianeiro Ernesto Nazareth, ele mostra raridades do compositor. "Setenta por cento do repertório foi criado um mês antes do recital Nazareth, que fiz no Instituto Moreira Salles, no Rio, ano passado. Em De Tarde, completei a obra harmonizando a segunda parte, que estava inacabada. Alexandre Dias, principal estudioso de Nazareth no Brasil, me recomendou algumas peças bem pouco tocadas, como Xangô, Reboliço e Digo." Tem mais. Saudades de Mehmari em trio? Vá às três últimas faixas: em Ouro Sobre Azul, ao lado de Neymar Dias e Sérgio Reze, ele se multiplica entre o piano acústico e o elétrico.

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O Teatro de Santa Isabel abrigou, nesta quinta (14), a abertura de mais uma iniciativa do Virtuosi, o projeto Sem Fronteiras. A programação segue diariamente até o próximo domingo (17) com apresentações da harpista Cristina Braga, do pianista Eduardo Farias, do violoncelista Dimos Goudaroulis em parceria com o percussionista André Contreras e do saxofonista Leo Galdelman, que contará com a Orquestra Jovem de Pernambuco para acompanhá-lo. Todos os concertos são gratuitos, mas é necessário retirar o ingresso na bilheteria do teatro.

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Pontualmente às 20h, o maestro Rafael Garcia - diretor artístico do festival - foi ao palco dar início à programação e chamar o pianista André Mehmari para uma apresentação solo. "Este teatro é lindo", disse o músico no início da apresentação. Sem o auxílio de partituras, Mehmari abriu o concerto com a Suite Pulcinella, de Pergolesi e Stravinsky. Ao fim da primeira peça, o pianista saudou o público de forma leve. Chamando o programa de "cardápio", ele incitou os presentes a interferir na apresentação, escolhendo o que seria tocado. "A ideia é vocês terem um leque de opções e quero ouvir de vocês o que vocês querem ouvir", avisou o músico.

Em seguida, tocou uma suíte inspirada em Milton Nascimento, pois é "Sempre bom pedir a bênção a Milton". O compositor Ernesto Nazareth foi o próximo. Mehmari executou os tangos Famoso e Rebuliço, obras pouco conhecidas deste genial compositor brasileiro. Com grande apuro técnico e uma interpretação passional, Mehamri rapidamente conseguiu criar empatia com o público que, aos poucos, se soltou e começou a participar da escolha do que seria tocado.

Simpático, o pianista comunicava-se ao fim de cada música e aceitava até pedidos que não estavam previstos no programa. Os pedidos renderam, entre outras, uma suíte mesclando os clássicos Águas de Março e Fascinação. Também houve espaço para Mehmari tocar uma composição própria, Um anjo nasce, misturada com Beatriz, de Edu Lobo.

Com uma atitude por vezes próxima a de um jazzista, André Mehmari foge ao padrão do músico erudito sisudo e abre espaço para a improvisação, algo nada comum na música clássica. A escolha do pianista foi muito feliz: ele encarna exatamente o objetivo do Virtuosi e especificamente do projeto Sem Fronteiras, de difundir a música erudita e fazê-la dialogar com a popular, dando-lhe uma feição mais amigável a aberta. "A música está se abrindo e os ouvintes percebendo que não se deve demarcar gêneros porque isso empobrece a escuta", opina Mehmari.

Para o pianista, que também é compositor, é necessário que a música clássica volte a permitir o improviso, prática comum no fim do século 19 extinta no século seguinte. "A construção dessas suítes feitas na hora é um desafio que eu encaro com bom humor e alegria, porque geralmente encontro plateias maravilhosas que pedem coisas que eu gosto", conta Mehmari ao LeiaJá. A noite ainda reservou uma estreia: Mehmari descobriu uma música inacabada de Ernesto Nazareth e a terminou, apresentando o resultado em primeira mão ao público presente no Teatro de Santa Isabel.

As amigas Clara Caiaffo, Adilma Alves e Mabel Albuquerque não conheciam o trabalho de André Mehmari e vieram assistir a mais um espetáculo do festival Virtuosi, que elas já acompanham. "Estamos encantadas", afirma Clara, completando que "Essa mistura é um espetáculo". Para Adilma, o momento mais especial da apresentação foi quando o pianista mesclou - de improviso e atendendo a pedidos do público - a Sonata ao Luar, de Beethoven, com a canção My way, eternizada na voz de Frank Sinatra.

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