Eu não tenho memória. Quero dizer, boa memória. Eu esqueço fácil das coisas e carrego internamente sérias dúvidas sobre a maioria dos eventos da minha vida. É difícil, pra mim, definir o quanto do que eu lembro realmente aconteceu e o quanto eu inventei, adicionando loucuras quaisquer com a ajuda de uma imaginação fértil. Então, obviamente que quando eu tentei pensar no “melhor” filme que eu achei ter assistido esse ano, descobri que eu não saberia nem dizer o que raios eu assisti no cinema – ou até em casa –, assim, de cabeça. Então, pra eu saber que filmes assisti ao longo da vida e como eu me senti quando os vi pela primeira (alguns única) vez, foi quase uma missão impossível.
Eu sinto falta de ter aquelas histórias de “onde você tava” ou “o que estava fazendo” quando AQUILO aconteceu (nem que seja pra dizer que eu tava fazendo maratona de algum seriado). Ou, no tema em questão, “como foi assistir ao seu primeiro filme”, “que filme te marcou mais” ou qualquer coisa que o valha. Eu tenho pouquíssimos desses momentos memoráveis; que eu lembre, pelo menos, e eu odeio isso. Então, eu guardo com muito apreço o que consigo memorizar, ainda que não sejam as grandes-obras cinematográficas-da-vida-eterna-amém. Na verdade, grandes porcarias ficam na minha lembrança de assistidas, mas numa lembrança boa, como se o acontecimento relevante naquele momento desse um pouco mais de significado ao filme, fazendo-o ficar preso na minha cabeça pra todo o sempre.
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Por exemplo, eu lembro bem de quando eu assisti Segundas Intenções, porque foi o primeiro filme que eu assisti burlando a minha idade na carteira de estudante. Assim como me recordo do último filme “classificação livre” que assisti por não ter idade suficiente pra ver algum de 12 anos, ainda que faltasse menos de um mês pra eu pular de faixa etária (essa parte eu não sei se é mentira, mas acrescenta emoção pra história, então eu incorporei como verdade há muito tempo). Fui obrigada a assistir a um filme de Angélica com Márcio Garcia, tosco até umas horas.
Também tenho gostosas memórias de boas companhias no cinema. Eu acho que me lembro de quase todos os filmes que vi nas sessões de arte do shopping Boa Vista, numa maravilhosa rotina de sábados cinéfilos que adquiri com minha irmã por uns tempos (saudosos). Lembro ainda de toda uma batalha pra conseguir assistir a Titanic nos cinemas, e do meu pai ter um ingresso eterno pra vê-lo no São Luiz, que sempre tava lotado. Essa, por sinal, é outra memória que eu não sei se é verdade, a do ingresso que se renovava quando a gente não podia assistir ao filme por falta de lugar no cinema. Masssss eu tenho certeza absoluta de que nos “antigamente” a gente podia entrar numa sessão que ainda não tinha acabado e assistir ao fim do filme e emendar com a sessão seguinte sem custo adicional. Isso era o céu pra nós, os atrasados. Vários filmes eu vi assim com meu pai e meus irmãos. Eu não sei como a gente fazia pra evitar saber do fim. Talvez a gente ficasse de costas pra tela, tapando os ouvidos? Não sei. Mas eu me lembro de passar por isso em alguns 007 da vida.
Mas minhas lembranças são sempre tão aleatórias. Eu não tenho controle algum sobre elas. Eu, fanática por desenhos, tenho como única lembrança Disney na sala do cinema a de assistir a Mulan com minha mãe e perder o fim, porque faltou energia. Eu consigo (sem nem desconfiar da adoração que existia pela franquia) me recordar do meu primeiro contato com Star Wars, há milhares de anos com meu tio. Aliás, parece que eu tenho uma não tão péssima memória para primeiros filmes. Eu até que me lembro de alguns. Do meu primeiro filme dos anos 2000, do primeiro em que fiquei de romance, do primeiro de namoro (tenho dúvidas entre dois, na verdade), do primeiro num multiplex, do primeiro pós-reforma do São Luiz (meu primeiro clássico, en en). É legal lembrar dessas coisas de vez em quando, né?
Toda essa minha preocupação sobre lembrar, ou não lembrar, das coisas, foi só porque eu assisti a Gravidade. Eu tava, e ainda to, completamente maravilhada com o filme (que eu tinha zero expectativas desde o primeiro trailer), e é algo um tanto quanto difícil e meio abestalhado de contar (euzinha tô nesse exato momento dizendo pra mim mesma: que frescura da peste é essa?). É que eu só queria tentar me lembrar da última vez que vi um filme que tivesse me passado essa sensação feliz de imersão completa, se é que eu já passei por isso antes. E eu não consegui. Foi como se eu tivesse no cinema pela primeira vez, capaz de adotar ele como meu primeiro filme e encantada com tudo aquilo. Pode? Não dá pra eu descrever. Só vendo mermo.
Eu tenho milhares de filmes favoritos, e talvez daqui a alguns dias eu arrume outro que eu me apaixone de alguma outra forma e fique falando maravilhas dele também. Mas esse tá tão badalado na minha memória recente que acho que já garantiu um espaço reservado na caixinha de boas lembranças.