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Em São Lourenço da Mata, na Região Metropolitana do Recife, Maria usa vestido azul, véu branco e havaianas. Conhecida entre os admiradores da Paixão de Cristo da cidade por sua grande expressividade, as semelhanças que a atriz divide com a personagem que interpretará pela quinta vez em 2018 vão além do nome. Aos 49 anos, Maria de Paula acaba de se recuperar da batalha por atendimento e respeito a duas de suas três filhas, acometidas por meningite e leptospirose no segundo semestre do ano passado. 

Criada no bairro de Penedo, na periferia de São Lourenço, Maria foi cuidada pelos avós e mãe pela primeira vez aos 16 anos de idade. “Pouco tempo depois vieram mais duas filhas. Vivi pouco tempo com meu marido. Minha avó precisou tomar conta delas para que eu fosse trabalhar como faxineira”, lembra. Retraída devido à educação rígida a que fora submetida, Maria mal era capaz de encarar a própria televisão quando foi convidada para interpretar o papel de Herodias, companheira do Rei Heródes, na Paixão de Cristo de sua terra natal. “Quando cheguei lá pela primeira vez, quase fui embora de medo, só de ver a atuação dos demônios”, comenta. 

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À medida que ficava mais espontânea em cena, Maria passou a chamar atenção dos organizadores do evento. “Alguma coisa no teatro fez com que eu me soltasse. Quando apareceu a vaga, fui escolhida para ser Maria por causa da emoção e do sentimento que passo. Na cena da condenação de Jesus, choro de verdade, porque me emociono”, afirma. Maria pegou gosto pelo teatro e chegou a participar do curso de interpretação do Serviço Social do Comércio (SESC) de Tiúma. “Eu acho que quando a gente está pra fazer um negócio que gosta, tem que se aprofundar, fazer aquilo com amor”, coloca. 

Quando as filhas Marli Maria e Márcia Maria contraíram meningite e leptospirose, a atriz precisou colocar em prática a desenvoltura adquirida no teatro. “Ficamos onze dias internadas no Correia Picanço. A notícia se espalhou na cidade e meus filhos sofreram bullying na escola, até dos professores que não deixavam eles assistirem às aulas. Foi aí que minha mãe denunciou o caso da gente para um programa de rádio de São Lourenço”, lamenta Marli, que teve uma recuperação milagrosa, após quase padecer às enfermidades, a tempo de interpretar Maria Madalena na Paixão. “Foi muito sofrido. Todo dia agradeço a Deus por ter livrado minha vida e a de minha irmã, mas não tenho mais saúde depois do que aconteceu. No hospital, descobri que minha sinusite é crônica e está roendo os ossos da minha face e do meu ouvido”, completa Marli.

Maria aguarda consulta para filha há seis meses. (Chico Peixoto/LeiaJáImagens)

Depois da denúncia pública e de uma grande batalha de Maria, as Secretarias Municipais de Saúde e Educação procuraram a família, para esclarecer que as crianças não poderiam ser excluídas das aulas. “Eu era uma pessoa antes do teatro e sou outra depois. Não teria tido coragem de ir à rádio da cidade se não tivesse me desenvolvido como atriz. Acho que o que mais aprendi com Maria foi a amar minhas filhas. O sofrimento de ver seu filho ser colocado numa cruz. Isso é o que mais me toca”, afirma Maria, que aguarda há cerca de seis meses por encaminhamento médico para uma simples consulta para Marli. “Ela precisa de um otorrinolaringologista. Se não for atendida logo, pode sofrer um derrame facial”, cobra. 

Maria aos 21

Entre as aulas matutinas e o ensaio noturno, a estudante de enfermagem Maísa Teixeira de Andrade se apressa para descer as escadarias que dão acesso ao anfiteatro do Sítio da Trindade, no bairro de Casa Amarela, Zona Norte do Recife. Ela encontrou um tempo entre as aulas e os ensaios da Paixão de Cristo de Casa Amarela para conversar com o LeiaJá sobre sua estreia no papel de Maria. “Está uma correria, passo o dia todo na rua”, comenta. Acostumada a participar do espetáculo em papéis de menor destaque desde os 16 anos de idade, ela aceitou o desafio de interpretar Nossa Senhora, com apenas 21 anos de idade.


“Eu não sei a imensidão do amor de uma mãe por seu filho, porque ainda não tive nenhum. O diretor me aconselhou a ‘tirar a emoção do meu útero’, então eu lembro das situações que a gente vivencia no país, das mães que continuam perdendo seus filhos para o Estado e a violência. Isso me faz chorar durante a peça”, comenta Maísa. Moradora do bairro do Vasco da Gama, desmembrado de Casa Amarela no passado, a estudante pagou para participar do espetáculo. De acordo com um dos organizadores da Paixão, José Muniz, embora o custo da apresentação esteja orçado em R$ 80 mil, apenas R$ 34 mil foram disponibilizados pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe). “Pra gente só ficam R$ 25 mil, porque R$ 5 mil são descontados direto da nota que emitimos para receber a quantia. Só de fogos, gastamos R$ 4 mil. Se fossemos renovar todo o figurino, gastaríamos R$ 30 mil”, explica José. 

Assim, além das passagens de ônibus, Maísa financiou as vestes de sua personagem. “Custou R$ 120, no total. Apesar disso, é um trabalho muito gratificante. No momento, é importante mostrar para as pessoas que elas não precisam de tanto ódio, o mundo está de cabeça para baixo. Um teatro gratuito tem muito poder”, coloca. Com espinhas no rosto e aparelhos nos dentes, Maísa demonstra enorme serenidade para a idade. Católica, ela acredita que a peça também é um veículo de evangelização para os mais jovens. “A Paixão traz um sentimento de esperança muito grande. Da mesma forma que Cristo ressuscitou, a gente espera coisas melhores para o mundo”, torce.  

"Um teatro gratuito tem muito poder", afirma Maísa. (Reprodução/ TV LeiaJá)

A jovem associa ainda o momento da crucificação de Cristo com o cenário de grande desrespeito aos direitos e à vida das mulheres do país. De acordo com os Relógios da Violência, no Brasil, a cada dois segundos uma mulher sofre violência física ou verbal e, de dois em dois minutos, uma mulher é vítima de arma de fogo. “Vivemos assustadas. No final do espetáculo Maria diz: ‘choram em mim todas as mulheres que tiveram seus filhos violentados pelos opressores do mundo. Acho que a sociedade também oprime as mulheres”, conclui. 

Exemplo de acolhimento

Jaqueline Silva nunca tinha estudado teatro ou participado de qualquer espetáculo. Todos os dias, há dez anos, ela trabalha como monitora do programa do Centro de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, projeto do Ministério do Desenvolvimento Social voltado ao acolhimento de crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social. “O irmão do diretor da Paixão de Cristo de Gaibu - município do Cabo de Santo Agostinho - é meu coordenador no trabalho. Ele me perguntou seu eu estaria interessada em substituir a atriz que faz Maria, que estava com a perna engessada. Eu disse que sim”, conta. 

Com um total de apenas três ensaios, Jaqueline terá o desafio de dar vida a uma figura religiosa com a qual mantém forte relação. “Eu tento me colocar no lugar de mãe. Tenho três filhos pequenos e me emociona pensar no sofrimento que eles podem viver. Minha atuação surpreendeu a todos, inclusive a mim. Me sinto privilegiada por ter ganho esse papel”, celebra. Para ela, a repetição sazonal da Paixão de Cristo não cansa o público. “As pessoas vão porque se emocionam. O mundo precisa de paz, amor, união e respeito. Independentemente de religião, a apresentação traz isso”, completa.  

Se, na narrativa bíblica, Maria de Nazaré ampara o jovem Jesus e torna-se a base de sua família, em seu trabalho formal, Jaqueline é responsável por acompanhar os usuários do programa na construção e reconstrução de suas histórias e vivências individuais, coletivas e familiares. “Maria foi uma mulher exemplar em todos os sentidos. Sabia de sua missão e de seu compromisso com o filho que tinha. Respeitou as escolhas e o sofrimento dele. Me inspiro em sua personalidade acolhedora, acho que ela passa esse exemplo para a gente para o público”, comenta. 

Serviço

A Paixão de Cristo de São Lourenço da Mata

Datas: 30 e 31 de março

Local: - Rua Nova Esperança, s/n, Praça da Televisão, Bairro Pixete (próximo à sede do Grupo de Dança Unidos de Nova Esperança)

Horário: 19h

Entrada: Franca

Paixão de Cristo de Casa Amarela

Datas: De 29 a 31 de março

Local: Sítio da Trindade, Estrada do Arraial, Casa Amarela

Horário: 20h

Entrada: Franca

A força da Paixão: A paixão de Cristo de Gaibú (Cabo de Santo Agostinho)

Datas: 30 e 31 de março

Local: Beira-mar de Gaibú

Horário: 19h

Entrada: Franca

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