Tópicos | Nossa Senhora das Candeias

Um simpósio para discutir os benefícios da obra de engorda das praias de Jaboatão ocorreu na manhã desta quinta-feira (22), no Hotel Dorisol. Com a intenção de mobilizar moradores dos prédios da orla, empresários e potenciais investidores, o evento aconteceu com toda a pompa da cobertura do empreendimento.  A Igreja de Nossa Senhora das Candeias, cujas pedras estão à míngua em uma das ruas da cidade, não parece fazer parte do planejamento para os próximos anos.

A reportagem publicada no dia 12 de agosto, o LeiaJá alertou a secretária Fátima Lacerda sobre as pedras que compunham a antiga igreja, que foram descobertas com o início das obras contra o avanço do mar. Mas não foi há dez dias, por ocasião da reportagem que a Prefeitura de Jaboatão tomou conhecimento da existência de tais pedras. Em 2011, a própria Paróquia Nossa Senhora das Candeias fez uma solicitação para que fossem removidas algumas delas para a Igreja de Nossa Senhora do Loreto.

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Quando ouvida pela reportagem, Lacerda havia dito que tinha conhecimento da história, mas que não sabia ao certo onde estavam os artefatos. Nesta quinta (22), mesmo tendo conhecimento do ofício ela voltou a mostrar falta de interesse no assunto. “Estes achados históricos dizem respeito à UMA pedra e ela foi deslocada, com a participação de um morador muito comprometido com a história de Jaboatão. Ela está guardada na Igreja do Loreto. Quando fizermos o projeto de urbanização da orla, daremos um cuidado especial à ela, fazendo um marco da história de Jaboatão”, afirmou.

Diferente do que a secretária acredita, a esmagadora maioria das pedras da igreja da Candelária está em uma rua ao lado do Condomínio Candeias, onde a família do governador Eduardo Campos tem alguns imóveis. O LeiaJá também foi até a Igreja do Loreto para conhecer as pedras que estavam “guardadas” e o cenário encontrado foi lamentável. Por falta de uma destinação adequada, cinco pedaços da igreja histórica estavam largados em meio a muito mato e cercados de material de construção.

Representante da Associação dos Moradores da Orla de Jaboatão (AMO Jaboatão), o engenheiro Mário Baptistella, presente ao simpósio, elogiou a obra de engorda da praia, mas criticou a falta de cuidado com a história. “Nesse momento estamos cuidando da praia e da reurbanização da orla, que terá a utilização pública de todos. É lamentável que isso tenha acontecido com a Igreja, esse descaso”, disse.

Em conversa com o padre responsável pela atual Nossa Senhora das Candeias, o prefeito Elias Gomes se comprometeu a fazer o marco histórico da construção. Mas esta é apenas uma afirmação verbal de um pedido feito há quase dois anos por escrito, e no projeto de urbanização apresentado no Simpósio do Hotel Dorisol não havia nada que indicasse que a histórica igreja faça parte dos planos.

Governador, ministro e prefeito estiveram visitando a obra de engorda da praia de Candeias, Jaboatão dos Guararapes, na região metropolitana do Recife, neste final de semana. Sem dúvida uma grande obra, que beneficiará setores de todas as classes sociais, numa clara demonstração do que pode ser feito de útil com o dinheiro público. No entanto, debaixo de todo volume que deixará mais extensa a faixa de areia, onde o mar já havia chegado, está esquecido um pedaço da história do Brasil. Os outros pedaços da Igreja de Nossa Senhora das Candeias – ou Candelária – foram retirados sem nenhuma cerimônia e estão jogados à sorte.

Um distinto cidadão sertanejo, José Sales, nascido em Petrolândia, e morador de Candeias desde 1980, resolveu arregaçar as mangas e lutar pelo resgate da história adormecida. Há dois anos e meio, ele procurou a prefeitura de Jaboatão para contar-lhes que embaixo das máquinas, que invadiriam sua praia, estava uma igreja, de mais de 300 anos, cujas pedras já haviam se misturado a outras, quando o mar começou a “incomodar” e alguns fizeram muralhas para impedir seu avanço.

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Quase que desconhecida por historiadores pernambucanos e sem registros oficiais nos documentos da Arquidiocese de Olinda e Recife - a Cúria Metropolitana - a Igreja de Nossa Senhora das Candeias era supostamente uma das primeiras igrejas de Pernambuco e do Brasil. “Ela era virada para Portugal e servia de referência para os barcos. Há indícios de que havia também um cemitério, inclusive, com a separação entre brancos e escravos, como era comum na época”, conta Sales.

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A tese do missionário da Igreja Católica, como Sales se intitula, é plenamente possível, de acordo com o historiador Severino Vicente, da UFPE. “Nem todas as igrejas eram viradas para Portugal ou serviam de farol, mas é possível que neste caso possa ter acontecido, afinal uma construção na beira do mar favorecia aos que procuravam uma referência”, explica ele, que confirma a existência da candelária. “Sem dúvida a Igreja existia”, afirma.

A idade da Igreja não pode ser comprovada ainda, já que não houve nenhum estudo arqueológico, mas mapas da costa brasileira feitos por holandeses entre 1643 e 1649 – publicados no livro Atlas da Costa do Brasil (2011) - já apontavam a existência da Candelária.

Quando as escavadeiras começaram o trabalho de retirada das pedras para aterrar a parte da praia onde estava a igreja, Sales e alguns amigos resolveram procurar a prefeitura para alertá-los e pedir que essa história fosse investigada, literalmente, a fundo, já que a igreja já estava coberta de água há quase 100 anos. “Depois de muito insistir com a prefeitura e com a ajuda de algumas pessoas influentes conseguimos que pelos menos as pedras fossem separadas das comuns”, relata Sales.

O LeiaJá foi até a praia de Candeias para registrar o atual estado dos pedaços que compunham a histórica construção. Jogadas em uma rua ao lado do condomínio onde o próprio governador passa alguns dias de férias ou “bem cuidadas” dentro do mesmo condomínio, na porta de um bar e em frente à atual igreja de Nossa Senhora das Candeias, em reforma, as pedras, que poderiam estar em um museu, são tratadas como outras quaisquer e “clamam” por reconhecimento.

Procurado pela reportagem, o superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em Pernambuco, Frederico Farias Neves Almeida, confirmou ter recebido no início deste mês uma solicitação e prometeu averiguar a situação, mas sem dar prazos. Almeida disse ainda que a responsabilidade pela autorização da obra cabia à Marinha, já que a igreja estava embaixo d’água. A assessoria da Marinha se comprometeu a fazer uma análise do caso e enviar a resposta ao LeiaJá posterioremente.

 A secretária de Desenvolvimento Urbano e Sustentabilidade da Prefeitura de Jaboatão, Fátima Lacerda, disse à reportagem que "as pedras haviam sido retiradas por alguns interessados e colocadas em algum lugar", que ela não recordava no momento da entrevista. Ela afirmou ainda que dentro de alguns meses, após a conclusão da obra de engorda da praia, no projeto de urbanização, será feito um marco para lembrar a existência da Igreja. A secretária também afirmou que o IPHAN foi avisado sobre a descoberta das pedras e "achou que não era preciso fazer nenhum estudo na área".

Confira o relato de José Sales sobre a descoberta:

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Com colaboração de Felipe Mendes e Wagner Cesario 

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