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A revisão do Plano Diretor do Recife finalizou mais uma etapa na noite da última quarta-feira (31). Ao longo da semana, foi apresentado para as seis Regiões Político-Administrativas (RPA) o Caderno Preliminar de Propostas. O LeiaJá acompanhou o início da reunião para o RPA 1, que engloba o Bairro do Recife, Santo Amaro, Boa Vista, Cabanga, Ilha do Leite, Paissandu, Santo Antônio, São José, Coelhos, Soledade, Ilha de Joana Bezerra. Entre os representantes das comunidades a opinião é a mesma: falta participação popular.

“Essa reunião que está ocorrendo aqui era para ter sido feita em cada comunidade, para as pessoas ficarem sabendo. Isso aqui é uma responsabilidade muito grande e está vindo mastigado da prefeitura para a população engolir”, opinou Vera Lúcia, presidente do Clube de Mães de Santa Mônica, de Santo Amaro. O Plano Diretor é um documento que reúne estratégias, diretrizes e regras que norteiam a política de urbanização das cidades, orientando o desenvolvimento urbano e organizando o crescimento e o funcionamento da cidade. O Estatuto da Cidade, de 2001, prevê que todo município com mais de 20 mil habitantes precisa ter esse planejamento estratégico, que deve ser renovado a cada dez anos.

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A polêmica da participação popular já rendeu a abertura de um inquérito civil pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE) contra a Prefeitura do Recife. O órgão investiga a suposta prática de improbidade administrativa, baseando-se em uma denúncia que trata da falta de participação popular. Denunciantes criticam o calendário estabelecido para discussões, que teria um ritmo excessivo e desproporcional. Eles criticam ainda a instituição de uma comissão técnica formada somente por integrantes do poder público municipal.

A Prefeitura do Recife tem destacado que existe participação da população em todo processo de revisão do plano. Em nota após o MPPE enviar recomendação, a Secretaria de Planejamento Urbano do Recife destacou que as discussões e deliberações que ocorriam visavam garantir ampla publicidade, participação e acompanhamento por qualquer cidadão ou instituição.

O presidente do Instituto Pelópidas Silveira, órgão técnico da prefeitura, João Domingos foi responsável por apresentar o caderno preliminar de propostas para os participantes da reunião. Ele também reforçou a existência da colaboração social. “É um processo participativo. Estamos agora na fase de devolutivas, voltando para as seis regiões da cidade, devolvendo aquilo que ouvimos, como interpretamos e transformamos em uma proposta preliminar que está aberta para discussão e contribuição”, defendeu.

“Isso aqui é maquiagem, é uma farsa”, criticou Rodrigo Barreto, liderança da comunidade Campo do Onze, em Santo Amaro. “Tem mais pessoas da prefeitura aqui do que das comunidades. A área de Santo Amaro tem 20 mil eleitores e aqui tem pouca gente. Era para ser colocado um carro de som, alguém na bicicleta informando a população. Tudo que a prefeitura faz hoje, faz trazendo o mínimo de pessoas e trazendo o máximo deles para dizer que é população”, acrescentou Rodrigo.

O maior temor de Vera Lúcia é a especulação imobiliária. “Não queremos que a especulação imobiliária invada nosso bairro. Queremos que tenha esse respeite às Zeis [Zonas Especiais de Interesse Social], que tenhamos direito de dizer que a área é Zeis”, disse ela. Barreto complementou: “Tem uma área, que vai do Shopping Tacaruna até a Avenida Norte, que é o lado Amaro. Da Avenida Norte até o lado do Cemitério de Santo Amaro e a área perto da Boa Vista é o lado Santo. Por quê? O lado da favela, da comunidade mais pobre, recebe concessão do título de posse, que dá direito a nada. Do outro lado, tem título de posse, com cartório e tudo. O lado mais pobre continua sendo oprimido”.

Reunião para apresentação do caderno preliminar de propostas. Foto: Jorge Cosme/LeiaJáImagens

A Articulação Recife de Luta, formada por ONGs, movimentos sociais e coletivos, tem acompanhado o processo e feito duras críticas ao modo de debate do Plano Diretor, sendo o grupo responsável por acionar o MPPE. Segundo Socorro Leite, coordenadora do grupo e diretora executiva da Ong Habitat para a Humanidade, a Prefeitura do Recife não tem conseguido agregar as pessoas e o processo não tem sido inclusivo.

“Os diagnósticos são produzidos para técnicos, com termos técnicos. Não tem sido inclusivo. E como as pessoas vão discutir se não houve capacitação dessas pessoas?”, questionou Leite. Para ela, a participação está sendo falsa e segue em uma velocidade impressionante. “Eles apresentaram propostas construídas pela prefeitura que saíram de lugares de onde a gente desconhece”, ela comentou, se referindo às propostas preliminares. Socorro está preocupada, especificamente, com uma possível abertura das Zeis para construções. “Eles estão propondo nesse caderno um potencial construtivo para as Zeis que é maior do que para o resto da cidade. É um grande perigo para as áreas mais pobres. Tem que ser o contrário, tem que seguir no intuito de restringir. De onde saíram essas propostas? As pessoas afetadas estão sabendo? Não estão”, falou.

A articulação deverá convocar uma coletiva de imprensa na próxima semana. O objetivo será divulgar medidas que vão tomar e divulgar propostas que consideram inegociáveis para o plano.

O cronograma para revisão do Plano Diretor teve início em junho, com a realização das oficinas colaborativas, para escuta dos recifenses das seis RPAs. Houve, então, as oficinas temáticas e audiência pública do diagnóstico propositivo. A partir da próxima segunda-feira (5) serão realizadas oficinas por segmento, direcionadas para o poder público; entidades profissionais, acadêmicas, de pesquisa e conselhos profissionais com atuação na temática urbana ou ambiental e Ongs voltadas para a temática urbana ou ambiental; empresariado ligado ao desenvolvimento urbano; e entidades sindicais de categorias profissionais ligadas ao desenvolvimento urbano, movimentos sociais e populares com atuação na temática urbana ou ambiental, e demais articulações da sociedade civil. Na primeira semana de dezembro deverá ocorrer a Conferência Municipal do Plano Diretor, para apresentação e aprovação da minuta do projeto, que seguirá para aprovação na Câmara Municipal do Recife.

O processo de revisão do Plano Diretor faz parte de um conjunto maior de trabalho denominado Plano de Ordenamento Territorial, contempla as revisões do Plano Diretor do Recife (2008), da Lei de Parcelamento (1997) e da Lei de Uso e Ocupação do Solo (1996). Além deles, faz parte do trabalho a regulamentação da Outorga Onerosa do Direito de Construir, da Transferência do Direito de Construir e o Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórias e Imposto Predial Territorial Progressivo (IPTU Progressivo). “Não se reinventa uma cidade do zero’, salientou João Domingos, do Pelópidas Silveira, ‘mas a gente acredita que tem sim estratégias para reorientar o desenvolvimento da cidade. Os pontos principais dessas estratégias passam pelo adensamento populacional ao longo dos corredores de transporte, ênfase no transporte público e mobilidade ativa, de pedestre e ciclista, e também no processo de recuperação de mais moradias para o centro da cidade, que é uma área que tem valor histórico e ambiental e volume construído ocioso que precisa ser melhor utilizado”.

O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) abriu um inquérito para apurar suposta prática de improbidade administrativa na revisão do Plano Diretor do Recife. A decisão está no Diário Oficial desta quarta-feira (18). A investigação está baseada em uma denúncia que retrata a falta de participação popular na construção das normas que devem reger a política de urbanização da capital pernambucana na próxima década. O prefeito do Recife, Geraldo Julio (PSB), já havia recebido uma notificação do MPPE questionando o assunto em maio deste ano.

A prefeitura estabeleceu um prazo de quatro meses, iniciados em junho, para revisar o plano. Um grupo chamado Articulação Recife de Luta, composto por movimentos urbanísticos, questionou o curto período e propôs ampliar a discussão para 18 meses. A proposta foi negada pelo Conselho da Cidade no dia 14 de junho.

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Para abrir o inquérito, a partir do que foi denunciado pela Articulação Recife de Luta de que a Prefeitura “vem criando obstáculos, de modo a impedir a efetiva participação popular em reuniões realizadas no processo de revisão”, a 43ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital considerou que tal impedimento “configura, em tese, ato de improbidade administrativa”. 

O MPPE vai, de acordo com o documento que instaura o inquérito, “investigar eventual violação aos preceitos legais que disciplinam a gestão democrática da cidade, analisar provas, informações, avaliar responsabilidades e para a realização de todas as diligências que se mostrarem necessárias para a completa elucidação dos fatos apresentados, com aplicação, se for o caso, da medida judicial cabível”.

Procurada pelo LeiaJá, a Prefeitura do Recife disse, por meio de nota, que estava à disposição do MPPE para esclarecer o processo de construção do novo Plano Diretor.

Veja a nota na íntegra:

A Prefeitura do Recife, por meio da Secretaria de Planejamento Urbano e da Procuradoria Geral do Município, informa que até então não foi notificada formalmente pelo Ministério Público de Pernambuco sobre o Inquérito Civil Público citado pela reportagem. A PCR se coloca à disposição do órgão para fazer qualquer esclarecimento sobre o processo de revisão do Plano Diretor do Recife e demais legislações urbanísticas.

A Prefeitura do Recife esclarece ainda que o processo de participação que envolve a atualização da Lei do Plano Diretor, incluindo o seu cronograma, foi aprovado pelo Conselho da Cidade.

Esse processo contempla cinco ciclos de atividades participativas composta por pelo menos: doze oficinas colaborativas nas regiões político administrativas da cidade, seis oficinas temáticas, quatro oficinas por segmentos, e a realização de uma Conferência Municipal, podendo esse número de atividades participativas ser ampliado. Além disso, uma estrutura digital, com endereço na internet e participação ativa nas redes sociais está aberta para a população durante todo esse processo (www.planodiretor.recife.pe.gov.br).

A revisão do Plano Diretor do Recife é parte de um conjunto maior de revisões e regulamentações urbanísticas denominada Plano de Ordenamento Territorial, devendo acontecer até agosto do próximo ano envolvendo: a Lei de Uso e Ocupação do Solo, a Lei de Parcelamento e a regulamentação de instrumentos urbanísticos.
Ao todo serão dez rodadas de reuniões presenciais e etapas colaborativas no ambiente virtual.

A revisão do Plano Diretor do Recife está sendo alvo de polêmicas. Isso porque a Prefeitura do Recife criou um cronograma que viabiliza as discussões para a atualização do documento, que traz um conjunto de normas a fim de nortear o poder público em relação a uma política de urbanização da capital pernambucana na próxima década, em quatro meses. O período é contestado por movimentos e entidades urbanísticas da cidade que alegam o fato de o prazo não ser suficiente para a "participação efetiva da população".

Para acompanhar o processo, eles criaram um grupo chamado Articulação Recife de Luta que pleiteou, na manhã desta quinta-feira (14), a ampliação do prazo para 18 meses durante a reunião do Conselho da Cidade - composto por membros da prefeitura e da sociedade civil. De acordo com o grupo, a proposta, porém, não foi acatada por 22 [da gestão municipal] contra votos 14 [da sociedade civil].

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Os líderes da iniciativa argumentaram que "a Prefeitura do Recife levou nada menos que 40 meses para contratar a consultoria responsável pela revisão do Plano Diretor e agora está propondo um cronograma de 4 meses para realizar o processo inteiro de revisão".  

"É nesse período que a prefeitura propõe que sejam feitas todas as escutas com a população da cidade, audiências e discussões públicas, elaboração de propostas e votações. Numa cidade com 1,5 milhão de habitantes e a complexidade de Recife, é uma falta de noção receber uma proposta dessas. Mostra claramente o desrespeito com sua população, que tem o direito de participar ativamente das discussões sobre o desenvolvimento que queremos para a cidade nos próximos 10 anos", questiona o grupo. O atual Plano Diretor do Recife está em vigor desde 2008. 

Para sustentar o argumento, Articulação Recife de Luta tem divulgado nas redes sociais avaliações de estudiosos e líderes de movimentos de moradia sobre o assunto. Sob a ótica do professor de Arquitetura da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), Múcio Juca, a própria prefeitura sabe que o prazo não é viável.

"A prefeitura chega com o documento e quer realizar audiências públicas em quatro meses. Não apenas a sociedade e 34 entidades estão dizendo que isso é impossível, tenho certeza que os técnicos da prefeitura sabem disso. Quero acreditar que a prefeitura compreendendo a complexidade desta cidade vai reconduzir este processo de forma adequada. Tenho certeza que o prefeito não quer entrar para a história como condutor de um processo equivocado e contestável pela ampla maioria da sociedade", frisou.

O pensamento foi reforçado pelo presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) em Pernambuco, Roberto Guione. “Se a sociedade não participar, a cidade continuará sendo decida pelo capital, no lugar de pensar a cidade como um lugar de convívio social continuará sendo palco de negócios em benefício de poucos e perpetuando a desigualdade social. O Plano Diretor é a oportunidade de revisar a cidade”, observou.

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