Nem a crise econômica na Argentina nem a queda nos preços das commodities: o grande vilão para a redução no saldo da balança comercial brasileira desde 2011 foi, na realidade, a política de controle de preços praticada pelo governo Dilma Rousseff, via represamento de preços administrados e desonerações tributárias, como redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para automóveis e produtos da linha branca, entre outros.
"A depreciação nominal do câmbio não chegou aos preços", diz o economista e ex-presidente do Banco Central, Affonso Celso Pastore. Em agosto de 2011, o dólar encerrou o mês cotado a R$ 1,5872. Na sexta-feira, a moeda americana fechou em R$ 2,4720. Segundo ele, essa desvalorização nominal do câmbio não gerou uma mudança nos preços relativos, permitindo ganhos de competitividade.
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Em estudo intitulado "Consequências de uma Distorção na Medida de Câmbio Real", elaborado pela consultoria do economista e assinado em conjunto com os colegas Maria Cristina Pinotti e Marcelo Gazzano, Pastore aponta que desde agosto de 2011 o câmbio real registrou valorização, e não desvalorização.
Isso porque os economistas da consultoria A.C. Pastore & Associados não levaram em conta a medida convencional de câmbio real habitualmente usada pelo BC - câmbio nominal multiplicado por um índice de preços internacionais e dividido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) -, mas sim os preços relativos de bens tradables (comercializáveis) e non-tradables (não comercializáveis), refletido no coeficiente entre esses dois tipos de bens no âmbito do IPCA.
Pela medida convencional de câmbio real (medido em relação a uma cesta de moedas), houve uma desvalorização superior a 25% desde agosto de 2011, enquanto que, pelo coeficiente entre os bens comercializáveis (como produtos agrícolas) e não comercializáveis (como serviços), o câmbio real registrou, na realidade, uma valorização de 7% no mesmo período.
Competitividade. "Quando o câmbio se desvaloriza, diz-se que a competitividade do exportador aumenta, mas isso acontece desde que essa desvalorização seja repassada para os preços dos produtos", argumenta Pastore. Pelo mesmo raciocínio, a desvalorização cambial afeta os preços dos produtos importados, tornando-os mais caros e menos competitivos em relação aos fabricados pelos produtores nacionais.
O estudo mostra que, historicamente, tanto a medida convencional de câmbio real quanto o coeficiente entre os preços de bens comercializáveis e não comercializáveis no IPCA sempre convergiram e foram ambos um bom termômetro para projetar o desempenho das exportações, importações e, consequentemente, o saldo da balança comercial. Ou seja, costumava haver uma elevada correlação positiva entre esse coeficiente e a desvalorização real do câmbio, levando o preço de bens comercializáveis a subir mais do que o de não comercializáveis quando a moeda brasileira se desvalorizava.
"Mas, a partir de 2011, com a política de controles de preços, houve uma divergência entre o que a medida convencional de câmbio real passa a prever para a balança comercial e o desempenho previsto pela outra medida", explica Pastore.
Assim, em vez de as exportações e as importações terem reagido na mesma magnitude da desvalorização observada pela medida convencional de câmbio real, elas se mantiveram estáveis ao redor de US$ 20 bilhões por mês desde agosto de 2011, enquanto os saldos comerciais flutuaram ao redor de zero.
Depreciação. "Quando chegou em 2011, tentou-se produzir uma depreciação do câmbio real para aumentar a competitividade, mas ao segurar, por exemplo, o preço da energia elétrica e o reajuste da gasolina, você acabou afetando também o preço do álcool e de vários outros produtos. Ainda, a redução do IPI de automóveis, linha branca e linha marrom reduz diretamente os preços dos bens duráveis de consumo", diz Pastore. "Cada depreciação cambial, por causa do controle de preços, não chegou aos preços, tampouco à inflação, mas o tal ganho de competitividade não chegou à indústria."
Se a política de controle de preços não estivesse em vigor desde 2011, com o repasse livre da desvalorização nominal da moeda brasileira aos preços, Pastore estima que o saldo da balança comercial poderia estar ao redor de US$ 40 bilhões ao mês pela projeção da medida convencional de câmbio real.
"A grande maioria dos economistas já havia concluído que o controle de preços não é uma forma eficaz de combater a inflação e que leva a distorções", afirma Pastore. "Apenas não havia, ainda, atentado para uma dessas distorções, que é a sua repercussão sobre os saldos comerciais."
O corolário desse raciocínio, segundo Pastore, é que o "pass-through" (nível de repasse da desvalorização do câmbio aos preços) não ficou menor porque caiu a absorção da economia brasileira - "haja vista o déficit de conta corrente superior a US$ 83 bilhões em 12 meses" -, mas porque aumentou o grau de microgerenciamento do governo sobre os preços.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.