Tópicos | Recortes da Repressão em PE

Carlos Soares foi um dos poucos presos políticos de Pernambuco que teve como sentença a prisão perpétua na ditadura. Militante do PCB na época que cursava a Faculdade de Geologia, localizada na Rua Dom Bosco, no Centro do Recife, seu nome constava na lista de estudantes que deveriam ser cassados e deixassem as universidades do País.   

“Nesse período teve o atentado a Cândido Pinto (líder estudantil que ficou paralítico depois de levar dois tiros), a morte de Padre Henrique. Existia o CCC (Comando da Caça aos Comunistas) que participavam desses atentados. Na época nos sabemos que existia uma lista para eliminar 10 lideranças. Não eliminaram Dom Hélder porque ele era reconhecido internacionalmente”, lembrou Soares. 

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Com o racha dentro do partido, Carlos Soares se filia ao Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e viaja para alguns lugares do Nordeste. Em uma reunião da legenda no município de Pirangi, no Rio Grande do Norte, em fevereiro de 1971. Ele acabou preso pelos militares. 

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“O local (Pirangi) era uma vila de pescadores. Tinha um ônibus que saia às 5h que iria para Natal. Nós saímos nele. Quando passamos por uma comunidade tinha uma barreira enorme, com vários soldados, e era fácil nos identificar em um ônibus de pescadores”, relatou.

Depois de passar três dias no Rio Grande do Norte, o ex-militante voltou para Recife e ficou preso no Departamento de Ordem Política e Social (Dops). No local, Soares conviveu com Ivone, mulher de Odijas Carvalho – líder estudantil que foi morto no Dops.

“Vimos que a cela dele (Odijas) estava manchada de sangue. Então a gente achou que mataram Odijas. Ouviamos os gritos dele. Poucos dias depois soubemos da sua morte. Conseguimos fazer uma denúncia para fora (da prisão). (...) Com a questão da morte de Odijas suspenderam a tortura”, comentou o ex-militante.

Carlos Soares acabou sendo transferido para o quartel da Aeronáutica, local onde passou por várias torturas. Depois foi levado para a Casa de Detenção do Recife. Com o fechamento do presídio, ele foi encaminhado para a Penitenciária Professor Barreto Campelo, na Ilha de Itamaracá. Lá se uniu a outros militantes contra a ditadura e foi parar na solitária, ficando preso por dois anos e meio.

“Houve várias greves de fome com o intuito de me tirar da solitária. A luta era permanente na Barreto Campelo. Era um dos piores presídios do Brasil. Nós lutamos o quanto pode. (...) Uma das coisas boas que tive de lá foi que saíram dois filhos (das visitas conjugais)”, comentou.

“As discussões que tinham lá entre os companheiros era por coisas que nunca discutiríamos do lado de fora. Nosso mundo foi aquele durante muito tempo, deveríamos nos acostumar. Mas sabíamos que a ditadura um dia iria acabar” completou o ex-militante.

Apesar da Leia da Anistia ocorrer em 1979, Carlos Soares ainda ficou preso e foi transferido para São Paulo, sendo solto somente em 1985. Ao sair do cárcere, acabou estudando sociologia e se tornando especialista nos trabalhos sobre movimentos sociais. 

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Francisco de Assis Barreto da Rocha Filho sempre pertenceu classe média do Recife. O seu pai era funcionário federal e tinha ideias conservadoras. Estudou no colégio estadual de Pernambuco – o Ginásio Pernambucano -, e participou ativamente dos movimentos políticos que aconteciam antes mesmo do Golpe Militar.

No final dos anos sessenta foi dirigente universitário do PCB. Em 1967 foi preso pelos militares, mas não chegou a ser torturado. Depois de passar cinco dias detidos, acabou indo para o Ceará. Por questões de segurança, ingressou no PCBR. De volta ao Recife foi preso novamente e levado para Casa de Detenção do Recife, a atual Casa da Cultura. “Chegaram metralhando e me deram voz de prisão. A gente resolveu reagir. Atirei no povo que tinha metralhado a porta da frente, mas só tinha dois revolveres conosco. O partido recomendou a gente reagir porque sabíamos o que iria acontecer na prisão. Vera Rocha, que estava comigo, foi atingida, teve que fazer várias operações”, relatou o artista plástico.

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Na segunda prisão, o artista plástico foi torturado várias vezes. De acordo com ele, os militares não escondiam o rosto na hora da maltratar os presos.  “Eles nao usavam capuz. Eram tudo de rosto aberto. Eles geralmente não botavam. A gente denunciava, dizia que foi maltratado no dia tal, hora tal, local tal, mas eles diziam que não sofríamos maus tratos. Eu denunciei dez policiais: Miranda, X9, cabo Rível Rocha, todos eles foram indicados como torturadores”, revelou.

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Depois de ser levado para Casa da Cultura, Francisco de Assis foi transferido junto com outros presos para a Penitenciária Professor Barreto Campelo. Segundo o ex-militante, houve um momento em que os presos ficaram colocados juntos em um salão por um ano e meio. “Eram 35 pessoas colocadas juntas num espaço enorme. Na enfermaria. (...) A gente teve sorte, vários companheiros morreram no meio do caminho”, relatou o artista plástico.

Ele passou nove anos e meio no local. Entrou na prisão com 23 anos e saiu com 33 no dia 27 de setembro de 1979. “Dava 44 presos (na Penitenciária). Eram exatamente 11 celas que tinham no local. Cada cela com quatro presos, mas havia mudanças (de presos). Variações nas celas. (...) Eu passei nove anos, quatro meses e 27 dias presos. Isso é muito tempo. (...) A gente olha para trás e pensa que o tempo comprimiu muito”, disse.

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Vice-prefeito da cidade do Recife, Luciano Siqueira (PCB) foi um jovem voluntário do movimento da cultura popular no ano do Golpe militar em 1964. Com apenas 15 anos de idade viu o regime democrático brasileiro ruir por longos anos. Ainda jovem, se filiou ao PCB. Foi perseguido na Faculdade de Medicina e teve que viver na clandestinidade. 

“Os nomes chegaram na faculdade para serem cassados. Fui para o anfiteatro de anatomia, onde 200 e poucos alunos estavam. Lá eu fiz um discurso, li aquela lista explicando a turma do primeiro ano de medicina o que era cada um de nós. Antes disso eu tive a iniciativa de pegar o giz e escrever no quadro negro: “Não aceitaremos as cassações” . A turma se levantou aos gritos”, lembrou o comunista. 

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Junto com sua mulher, Luci, viveu na clandestinidade e sobreviveu como vendedor de roupa pelo Nordeste. “Nós vivemos na população mais pobre das regiões como Campinha Grande Maceió e o Sertão de Alagoas, porém tínhamos uma renda suficiente para sobrevivermos e ainda ajudar financeiramente o partido, sabíamos que podíamos ser presos e torturados a qualquer momento”, disse.

“Ninguém do partido sabia onde eu morava, somente eu e minha mulher. O rigor era tão grande que não sabíamos onde o outro morava e nos encontrávamos em lugares neutros e fazíamos reuniões clandestinas”, completou o ex-militante.

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Mesmo com todos os cuidados contra o regime, Luciano Siqueira acabou preso em abril de 1974 na cidade do Crato, no Ceará. O comunista foi torturado tanto em Fortaleza quanto nas dependências do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) no Recife, onde, segundo ele, “o limite entre a vida e a morte não depende só de você”.

“Quando eu fui preso no Ceará me levaram encapuzado e algemado para um lugar que depois eu iria saber que se tratava de um quartel que estava sendo construído em juazeiro. Eles tiraram o capuz, foi à única vez que vi torturadores. Me colocaram em uma sala retangular, sem iluminação, , colocaram 4 velas, uma em cada canto e disseram “tire a roupa”, eu disse “tiro não”, porque a instrução do partido é a seguinte, “se você atender a ordem de um torturador você já é desmoralizado e ali você não segura mais nada”, ai eles começaram a rasgar minha roupa”, detalhou o vice-prefeito.

Depois de ser levado a  a Penitenciária Professor Barreto Campelo, em Itamaracá, Luciano Siqueira conviveu com outros colegas de partido e lutou contra as condições dos presos políticos.  “A gente acreditava no socialismo, poderíamos morrer, mas outros companheiros iriam continuar a luta. Nós vivemos hoje na democracia, vencemos, por todas as distorções que a gente tem”, frisou.

Ele foi solto em 1979, com a Leia da Anistia. Nesse período voltou a cursar medicina e sobreviveu como artesão até ingressar de vez na carreira política. “Nós que vivíamos na clandestinidade tínhamos a concepção que o povo sabia o que nós fazíamos. Nós fomos objeto de solidariedade do povo”, afirmou o comunista.

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O jornalista Marcelo Mário de Melo foi um dos militantes comunistas mais procurados pelo militares no período ditatorial. Depois de escapar várias vezes da prisão, ele foi preso ainda em Natal e depois levado ao Departamento de Ordem e Política Social do Estado (DOPS-PE).

“Odijas (Carvalho – líder estudantil assassinado pela Ditadura) foi preso em Paulista e eu fugi. Em Natal, acabei demorando por bastante tempo na praia do Pirangi, numa zona de caça e pesca. Naquele tempo as forças armadas tinham um acordo com o prefeitos do interior que as pessoas estranhas no local deveriam ser comunicadas aos policiais. Eu fui tratado como estranho”, lembrou o jornalista.

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“Me lembro que fui cercado por um batalhão cheio de metralhadora e acabei sendo torturado no esquadrão da Aeronáutica (de Natal). Depois fui levado para o Hospital Geral do Exército”, completou.

Com a prisão da Casa da Cultura desativada em 1973, o ex-militante foi levado para a Penitenciária Professor Barreto Campelo, em Itamaracá. No local, segundo ele, os presos viveram uma espécie de "Ato Institucional nº 5" das prisões. “O sargento (Siqueira) dizia que éramos reeducandos,que não éramos presos políticos e sim presos comuns. Voltamos a estaca zero. Não tínhamos o direito de ver televisão. De preparar comida na cela. Não podíamos andar na fila conversando. Se a gente conversasse levantava o cassetete”, relatou Melo.

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De acordo com o jornalista, os presos políticos acabaram entrando em conflito várias vezes com os policiais. “Não admitíamos ser tratados como reeducandos. Foi uma luta séria para ter o mínimo de direito. Tinha uma estabilidade e tivemos que lutar de novo. A gente chamava aquilo de o AI5 em Itamaracá”, ressaltou.

Segundo Melo, houve uma tentativa de transferir os presos políticos em vários locais do Estado, o que acabou fortalecendo ainda mais o movimento.  “As denúncias dos presos políticos começaram a aparecer. Jarbas Vasconcelos (atualmente senador pelo PMDB) e Roberto Freire (hoje é deputado federal pelo PPS) subiram na Tribuna para nos ajudar. Além disso, as greves de fome fizeram que fosse impedida a fragmentação da comunidade dos presos políticos”, detalhou o jornalista.

Atualmente Marcelo Melo participa de várias palestras sobre o período e tem de porte um material bastante vasto sobre o seu período na prisão. “Tenho várias documentações, várias fotos. Muitas pessoas que foram contra nós. Que ajudaram a nos torturar estão ai soltos”, lamentou.

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O Golpe de 1964 derrocou em várias prisões, perseguições e conflitos entre militares e pessoas que iriam contra o regime que se instalou no país e perdurou por 21 anos. Em Pernambuco, militantes apartidários e ligados ao Partido Comunista Revolucionário Brasileiro – ala radical do PCB -, tentaram enfrentar o sistema e acabaram torturados.

Conhecidos como integrantes da segunda geração pernambucana que lutou no começo da década de setenta contra a Ditadura Militar, o jornalista Marcelo Mario de Melo, o sociólogo Carlos Soares, o artista plástico Francisco de Assis e o vice-prefeito do Recife, Luciano Siqueira (PCB) foram presos e levados a Penitenciária Professor Barreto Campelo, na Ilha de Itamaracá, na Região Metropolitana do Recife.

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Juntos com quase 30 detentos – entre eles ex-diretor da Funase, Alberto Vinicius, e o presidente do PCB em Pernambuco, Alani Cardoso -  , eles fizeram greve de fome e tiveram a esperança das forças revolucionárias derrotarem o regime. Com o passar dos anos se acostumaram a viver conjuntamente até o período da anistia, no final dos anos setenta. Por conta do rigor no cárcere, acabaram intitulando o local de o “AI 5 de Itamaracá”.

Eles entraram em conflito com o sargento Siqueira, hoje um coronel reformado. Alguns foram amigos do líder estudantil Odijas Carvalho, que foi morto no Departamento de Ordem Política e Social do Estado (DOPS-PE).

O jornalista Marcelo de Melo até hoje guarda um material vasto sobre o regime. Ele foi um dos mais procurados pelos militares. Francisco de Assis não conseguiu se esconder por muito tempo e acabou sendo torturado por várias maneiras pelos policiais. 

O atual vice-prefeito do Recife, Luciano Siqueira (PCdoB) ainda guarda o trauma de escutar os gritos de dor da sua mulher sendo torturada. Enquanto Carlos Soares foi um dos últimos comunistas a conseguirem a liberdade.

Por conta da militância ativa contra o regime, as histórias destes ex-combatentes são relevantes para entender o período de perseguição no Estado. E a equipe do Portal Leia Já conversou com cada um deles. 

Confira nos links abaixo a entrevista:

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Há 50 anos as principais avenidas das capitais políticas do Brasil – nos estados do Rio de Janeiro, Pernambuco, Minas Gerais e Brasília – estavam começando a ser inundadas por militares que tomariam, entre os dias 31 de março e 1º de abril de 1964, o governo do presidente João Goulart (Jango) e dos governadores estaduais, entre eles o de Pernambuco, comandado à época por Miguel Arraes. Com a promessa de restaurar a democracia, segundo os militares, ameaçada pelo comunismo cubano, a tropa comandada pelo general Olímpio Mourão Filho, saiu de Minas Gerais em direção ao Rio de Janeiro, dando início ao que culminaria no golpe de estado, proporcionando ao país os 21 anos de repressão, censura e cerceamento da liberdade.

Jango enfrentava uma forte oposição conservadora, por causa da afeição com os movimentos sociais reformistas e a defesa pela participação trabalhista na construção da democracia. Em 64, os militares não estavam sozinhos na intenção de depô-lo. Vários parlamentares, em sua maioria da UDN e PSD, e até governadores-conspiradores apoiavam o golpe, entre eles Carlos Lacerda (RJ). Além destes, o movimento também contou com o apoio da CIA, que treinou a maioria dos oficiais, a partir de uma operação intitulada por “Grande Irmão”.

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“O João Goulart começou a implantar uma série de reformas, abrangendo a área educacional, urbana, política, tributária e, entre outras, uma reforma agrária, que era a grande discordância entre o congresso e as forças armadas do país. Estas atitudes eram vistas como propensas a instalação de ‘uma nova Cuba’. Outro agravante foi que muitos militares tiveram problemas de promoção e salários atrasados. Antes do golpe, houve a revolta dos marinheiros no Rio de Janeiro, contra as condições do trabalho e os salários atrasados. Este foi quase o estopim, para o Golpe. Às vésperas, no dia 30 de março, Jango se reuniu com generais das Forças Armadas e auxiliares onde fez um discurso forte, criticando o auxílio das forças estrangeiras”, contextualizou o pesquisador dos períodos da Ditadura Militar e responsável pela distribuição dos arquivos da época no Acervo Público de Pernambuco, Diogo Barreto. 

A série de ações do presidente, de 1961 a março de 1964, foi sepultando pouco a pouco o seu mandato. Após a deposição, Jango, em busca de segurança, viajou do Rio, onde se encontrava no momento do golpe, para Brasília, e em seguida para Porto Alegre, onde Leonel Brizola tentava organizar a resistência aos militares. Apesar da insistência de Brizola, Jango desistiu de um confronto militar com os golpistas e seguiu para o exílio no Uruguai. O presidente só retornou ao Brasil para ser sepultado, em 1976.

Em Pernambuco, o então governador Miguel Arraes passou a noite, daquele 31 de março, reunido no Palácio do Campo das Princesas com seus assessores e secretários, buscando uma forma de se livrar do golpe. A maioria dos aliados políticos de Arraes o aconselharam a sair da capital e seguir para a região que hoje está localizada a cidade de Palmares, na Mata Sul, no entanto o governador decidiu que resistiria até o fim, enviando apenas a esposa, Madalena Arraes, e os filhos para a casa de familiares no interior do estado. Na manhã do dia 1º de abril, o Campo das Princesas já estava rodeado de militares. A tarde, após uma negociações sem êxito, o governador foi escoltado, dentro de um fusca, para seguir ao exílio. Primeiro Arraes foi para o arquipélago de Fernando de Noronha, e, depois, seguiu para a Argélia, retornando ao Brasil, em 1978. 

“Arraes lutou até o último momento e falou que não sairia o Palácio e a polícia diz que vai invadir e tirar ele a força, naquele momento ele diz ‘eu não vou obedecer a ordens, porque entrei pela porta da frente pelas mãos do povo e ei de sair também pela porta da frente, pelas mãos do povo, é um mandato democraticamente construído’, mas os militares disseram ‘a democracia vai ser restaurada’”, contou Barreto. 

Assim como Arraes, o então prefeito do Recife, Pelópidas Silveira, foi deposto e preso para que se evitasse a continuação do governo pró-comunismo no estado. Silveira e Miguel Arraes eram adeptos ao Movimento Cultural Popular (MCP) e engajados com artistas e escritores como, Abelardo da Hora, Hermílio Borba Filho e Ariano Suassuna. 

O governo de Pernambuco, após a deposição de Arraes, é interinamente assumido por Augusto Lucena, enquanto as primeiras leis do governo militar vão aparecer, e o primeiro governador pró-ditadura, que assume o Campo das Princesas, é o de Paulo Pessoa Guerra, em 1966. Guerra já começa a fazer realizações baseado no governo de Castelo Branco. 

Os anos mais duros

O golpe militar de 1964 desencadeou uma violenta repressão no país. Os anos, até 1985, são intitulados, pelos que viveram à época, como os “mais duros”. Os militares iniciaram uma intensa luta contra os setores politicamente mobilizados à esquerda no espectro político, como a União Nacional dos Estudantes (UNE), a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), as Ligas Camponesas e grupos católicos como a Juventude Universitária Católica (JUC) e a Ação Popular (AP). 

Milhares de pessoas foram presas de modo irregular e a ocorrência de casos de tortura foi comum, especialmente no Nordeste. Um dos exemplos marcantes da história em Pernambuco foi o fuzilamento dos dois jovens Jonas Albuquerque e Ivan da Rocha, no primeiro dia do regime. Ambos participavam de manifestações no Recife, em frente à Faculdade de Direito. 

Com o passar dos anos a repressão foi se unindo a censura. Os brasileiros começaram a ser coagidos, de maneira mais eficaz, após o início da elaboração dos Atos Institucionais (AI). Eles passaram a reger o país quando os militares decidiram suspender a Constituição, e colocarem em prática uma legislação para beneficiar a ditadura e deixar ainda mais difícil a vida dos brasileiros, principalmente aqueles que se posicionavam a favor do retorno da democracia ou da instalação do comunismo no país. 

De acordo com Diogo Barreto, apenas cinco AI’s são relembrados pela população. “No total foram 17, mas apenas cinco são lembrados. Todos implantados sem que fossem aprovados pelo Congresso”, afirmou o historiador. Completando que “em 1967, unindo todos os Atos, foi aprovada a Constituição a favor dos militares, recebendo uma emenda em 1969, com o mais forte, o AI-5”. 

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A revolta do povo contra a ditadura

A revolta da população contra a Ditadura Militar começou imediatamente após o golpe, em abril de 1964. A UNE, CGT e a JUC endossaram mobilizações intensas pelo país. Em 1966, centenas de estudantes iniciaram viagens Cuba, onde eram treinados pelo Partido Comunista, com o intuito de organizarem mobilizações e guerrilhas armadas. 

Um dos atos, talvez o principal, foi Passeata dos Cem Mil. O ato aconteceu em junho de 1968, no Rio de Janeiro, e contou com a participação de artistas, intelectuais e outros setores da sociedade brasileira. Um dos motivos da Passeata foi o assassinato do estudante Edson Luiz, de 18 anos. O secundarista foi morto com um tiro à queima roupa após uma reunião no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro. 

“Desde 64 eles começaram a criar a sua resistência aos dispositivos do golpe, mudanças que começaram a acontecer. Os estudantes, após a morte de Edson Luiz, saem novamente às ruas com cartazes dizendo ‘a ditadura matou um estudante e se fosse o seu filho, o que você faria?’, então de certa forma jogam a sociedade de vez contra o regime”, pontuou o pesquisador. “Por isso que elas partiram com tudo para cima dos estudantes e foi aí que veio o AI -5 para sepultar qualquer forma de subversão”, acrescentou.

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Visto como um período negro, covarde e de torturas, o golpe civil-militar de 1964 não poupou religiosos, líderes ou mesmo representantes da Igreja. O período completa 50 anos de surgimento neste 1° de abril, mas apesar de já ter passado a metade de um século, ainda permanece vivo nas lembranças de vítimas e familiares como um momento de coação.

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Segundo o cientista político Túlio Velho Barreto, a repressão envolveu sequestro, tortura e morte de militantes da esquerda, de democratas e de pessoas muitas vezes sem ligação direta com as organizações políticas. Além disso, muita gente simplesmente desapareceu e até hoje muitas famílias esperam respostas.

“A repressão foi mais violenta nos primeiros dois ou três anos da ditadura e nos anos que se seguiram à edição do AI-5, em dezembro de 1968 até 1977. A repressão atingiu igualmente aqueles que tiveram que fugir ou que foram deportados para o exílio e os que, permanecendo no país, tiveram os seus direitos políticos cassados ou proibidos de trabalhar”, esclareceu o especialista, desmistificando, na sua visão, o período de duração do golpe. “Afirmo que a repressão política perpetrada pelo regime militar, apoiada por importantes setores civis, existiu de 1964 até, pelo menos, o início dos anos 1980, após, portanto, à instituição da Lei da Anistia, que é de 1979”, contou.

Em todo o país homens e mulheres foram vítimas de atos violentos, de agressões físicas e psicológicas e muitos foram levados a morte, sem ao menos terem o direito de ser enterrados. Nessa fase dura da história, não era poupado ninguém que na visão dos repressores ameaçassem a ideologia imposta por eles ou que buscassem erguer uma democracia no Estado, por isso até líderes religiosos, como padres, foram deportados e mortos.

De acordo com Velho Barreto, a maioria dos integrantes das igrejas, de modo geral, mas, sobretudo, da Igreja Católica, em particular, não viam com bons olhos o governo Jango e, de certa forma, apoiaram inicialmente os militares. “Mas, é importante frisar, alguns setores, que se mostrariam mais progressistas, romperam já nos primeiros meses com os militares em função da truculência logo demonstrada. Isso foi se ampliando e, em especial no final do regime civil-militar, as igrejas cumpririam importante papel na resistência democrática para a saída dos militares do poder. De toda forma, os setores mais ligados à Teologia da Libertação, que privilegiava a ação juntos aos setores mais necessitados da população, tiveram logo uma participação importante e, por isso, foram perseguidos”, analisou.

O cientista político também citou a participação favorável de religiosos nos atos militares, no entanto, de forma mais tímida. “Já religiosos mais conservadores chegaram mesmo até a colaborar, direta ou indiretamente, com o regime civil-militar. As opções ideológicas também existiam no interior das igrejas, daí uns terem sido perseguidos e outros, não”, acrescentou.

Uma das vítimas do golpe militar foi o padre italiano Vito Miracapillo, 66 anos. Expulso do Brasil em setembro de 1980 pelos militares da ditadura, ele celebra atualmente missas na Itália - onde mora.  Em entrevista ao Portal LeiaJá, o sacerdote avaliou o regime militar com uma afronta à vida. “Qualquer que seja a motivação para um golpe de Estado, toda ditadura é falta de respeito à própria dignidade humana, aos direitos fundamentais da cidadania, ao bem comum e ao futuro do povo”, descreveu.

Para o sacerdote a perseguição sofrida por ele se deu pelo fato de lutar pelos direitos humanos. “Porque eu era contrário aos interesses dela (da ditadura) e trabalhava pelos direitos humanos, trabalhistas e civis do povo”, justificou relembrando ter sido ameaçado “em muitas ocasiões por parte de pessoas e capangas ligados ao poder econômico da Mata Sul”, acrescentou.

Apesar de ser expulso do Brasil, o religioso não demonstrou remorso com os praticantes das injustiças do golpe militar, mas fez um pedido. “Que se convertam antes de enfrentar a justiça de Deus e que colaborem com as autoridades, hoje, para que o povo brasileiro fique a par do que se passou e dos responsáveis morais dos crimes”, ressaltou o padre, desejando paz às famílias das vítimas. “Honra a todas as vitimas da ditadura que lutaram e sonharam com um futuro de paz e de vida digna para o povo e solidariedade fraterna com os familiares delas, certos de que seus queridos estão nas mãos de Deus e um dia poderão reencontrá-los”, almejou.

Apoio da Igreja – Segundo o colaborador da Comissão Nacional da Verdade, Anivaldo Padilha, tanto a Igreja Católica como a Protestante tiveram papéis importantes na época da ditadura, porém incongruentes. “É importante identificar que o papel delas foi muito ambíguo, até mesmo contraditório, mas grande parte das lideranças das igrejas, bispos, cardeais, a própria CNBB e também líderes importantes das igrejas protestantes apoiaram o golpe do Estado e tiveram participação ativa na preparação dos crimes políticos. (...) As igrejas protestantes representavam menos de 5%, mas também conseguiu fazer um pouco de barulho e muitos de seus líderes participaram das campanhas anticomunistas”, pontuou.

Apesar do relato do padre Miracapillo e do caso de padre Henrique (veja mais detalhes abaixo), Padilha explicou que as igrejas só foram contra o golpe em um segundo período. “A partir do momento que a ditadura começou a mostrar a verdade com uma estrutura de repressão e tortura, é que muitas pessoas da Igreja começaram a ser atingidas e começou a ter certa inversão”, acrescentou.

Já o representante da Igreja Católica, o arcebispo de Olinda e Recife, Dom Fernando Saburido, relembrou (no vídeo abaixo) as perseguições religiosas no Estado, pontuou a visão da instituição, contou relatos que marcaram a vida dos líderes democráticos como padre Antônio Henrique Pereira e emitiu uma mensagem a todas as vítimas do golpe militar.

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Padre Henrique – Entre todos os casos de torturas e agressões ocorridas durante o golpe militar, um dos que mais chocou o Estado foi a morte do padre Antônio Henrique. Ligado ao arcebispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara, o jovem foi sequestrado, torturado e jogado próximo à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no bairro da Cidade Universitária, no Recife, em 1969. O crime, visto como uma barbárie, tinha como objetivo atacar o arcebispo, religioso desbravador dos direitos humanos e da paz.

De acordo a irmã do sacerdote, Isaíras Pereira, a saudade ainda “bate na porta” e a sensação de todo o sofrimento vivido com a perda do familiar ainda dói. “É lastimável. É realmente um período negro na vida dos brasileiros, mas que eu espero que sirva de lição. Só que as pessoas esquecem tão rápido, porque só quem guarda aquilo é quem foi prejudicado, mas os que foram beneficiados não guardam nada de ruim. Tem gente que teve vantagens financeiras”, desabafa.

Para Pereira, a morte do religioso, à princípio, foi uma grande surpresa. “Quando surgiu mesmo, não acreditávamos, porque se tem uma pessoa da família que tínhamos certeza que não aconteceria nada era ele, porque eu tinha dois irmãos mais velhos que gostavam de namorar muito e fazer uma farrinhas. Mas depois do crime ficamos sabendo de como a igreja tava sendo perseguida (...). Depois soubermos como era a vida dele e de Dom Hélder”, relembrou.

Ela relatou ainda toda a dificuldade da família em busca de provas sobre a morte do religioso, inclusive, a força de vontade da mãe de Antônio Henrique que fez faculdade em direito e se formou com mais de 50 anos de idade com o intuito de desvendar os mistérios do assassinato do filho. Outros relatos contados por Isaíras foram as perseguições sofridas porfamiliares do sacerdote, principalmente os irmãos. É esta perseguição que ainda incomoda a familiar. “Eu acho que a ditadura passou, mas ainda existem pessoas em pontos de comando que ainda estão atrapalhando a vida de pessoas que eles consideram ainda subversivas. Eu tenho uma irmã aqui na universidade que ainda sente esse problema”, disse.

Como o fato tomou ampla proporção, os familiares do padre elaboraram um livro sobre o crime. A obra, que é intitulada de ‘Dissimulações do Regime Militar de 64’ e relata detalhes do assassinato, das perseguições e da luta da família, contou com alguns colaboradores como o arcebispo de Olinda e Recife, Dom Fernando Saburido, e o cientista político, Túlio Velho Barreto. “Todo o episódio envolvendo o sequestro, a tortura e o assassinato do padre Henrique é chocante. A violência utilizada contra alguém absolutamente vulnerável, que andava sozinho e desarmado, apesar das constantes ameaças que sofria em função de seu trabalho social com jovens da periferia e das classes médias, foi covarde e dá bem a noção do que ocorria naqueles anos com quem não se alinhava aos militares e civis no poder”, contextualizou Barreto.

Decepcionada com a morte do irmão, Isaíras Pereira, afirmou não imaginar que o sacerdote fosse assassinato. “Nós não pensávamos nunca que pessoas, brasileiros, fossem capazes de fazer tantas maldades, de mentir (...). O meu irmão ainda estava fazendo o serviço pastoral e eles achavam que era comunista. (...). Quantos jovens estão aí desaparecidos em que os pais não sabem onde estão seus filhos. Viraram bicho a troco de dinheiro e, no final, tudo gira em torno do dinheiro. Existem uns que lutam por ideais, mas esses lutam pelo dinheiro”, cravou Isaíras Pereira.

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