Ratos, fezes e preservativos rodeiam Julio César Cu, um mergulhador de esgoto que há trinta anos ganha a vida em meio aos resíduos produzidos pelos mais de 20 milhões de habitantes da Cidade do México.
"Aqui achamos tudo o que você imaginar, de uma sacola de celofane até partes de carros", conta à AFP este homem robusto de 53 anos, vestindo roupa de neoprene e com seu escafandro na mão. Às vezes inclusive "estamos trabalhando e chega um corpo boiando", lembra.
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O mergulhador é consciente da dureza de seu trabalho e prova disso é que desde que o cargo foi criado, em 1980, é o único que se manteve no posto por 30 anos. Mas Julio César acredita que "alguém tinha que fazer este trabalho" em uma megacidade de mais de 20 milhões de habitantes, que produz diariamente 12.700 toneladas de resíduos. "O cheiro é desagradável, mas é tudo. A gente se acostuma", diz, pouco antes de iniciar seu primeiro mergulho do dia, em uma usina de bombeamento do centro da capital.
Sua função é, sobretudo, preventiva. Trata-se de descer as tubulações, canos e usinas de bombeamento e, enquanto nada ou se arrasta entre dejetos, descongestiona manualmente os resíduos - às vezes inesperados - que impedem a água de circular, acelerando um trabalho que uma máquina levaria até 15 dias para fazer.
E Julio César faz tudo às cegas. "Quando entramos, com 10 centímetros a visibilidade já é nula", explica o mergulhador que, pelas características pesadas e sujas da água negra, não usa cilindro de oxigênio, mas respira através de um "cordão umbilical" ligado ao exterior.
Os riscos debaixo das águas residuais
Julio César é monitorado de fora por três colegas - dois deles seus jovens aprendizes - que se comunicam com ele através de um sistema de microfones e fones instalado em seu escafandro, verificando que tudo esteja em ordem.
Este trabalho traz muitos riscos. "Uma gota d'água que chegue a nos tocar é uma infecção certa para nós", admite Julio César, explicando que os pregos, vidros ou seringas que correm pelas águas contaminadas da Cidade do México representam um verdadeiro risco para a saúde.
E embora assegure que nunca sofreu um acidente, ainda lembra com dor a perda de um colega, falecido há 15 anos arrastado pela água de uma represa. Sendo o seu trabalho altamente arriscado, com salário pouco atraente e ingrato, muitos se perguntam o que motiva este homem a continuar mergulhando, dia após dia, no esgoto. "Minha mulher diz que trabalho por amor à arte, mas gosto muito do meu trabalho, é minha paixão. O que me motiva, acho, é a emoção porque eu nunca sei o que vou encontrar lá embaixo", revela.
A necessidade de novas gerações
"A função do mergulhador ainda vai ter que existir um tempo mais e vai se reduzir à medida que a população aprenda a descartar seu lixo e não deixá-lo na rua, indo parar na rede de drenagem", explica Sergio Palacios Mayorga, pesquisador do instituto de Geologia da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM).
Para o especialista, na Cidade do México se juntaram diferentes fatores que congestionaram a drenagem e tornaram necessário o trabalho do mergulhador: sua população gigantesca (é a terceira área urbana mais populosa do mundo, depois de Tóquio e Nova Délhi, segundo a ONU), sua "inadequada" construção sobre um lago e a fraca cultura de reciclagem de alguns mexicanos, que jogam o lixo nos rios ou ruas causando inundações.
Agustín Isaías é um técnico de informática de 32 anos, que há um ano e meio se prepara, ao lado de Luis Ángel, de 23, para dar continuidade ao trabalho de Julio César. Este aprendiz acredita que é importante que a prefeitura da capital dê mais recursos para "que possa haver mais gente" trabalhando como mergulhador no sistema de águas. "Seria bom que isto não se perdesse", disse o jovem, que não esconde a admiração por seu professor e acredita que faltam pelo menos um par de anos para poder trabalhar sem sua supervisão.
Até que isto aconteça e enquanto continuar treinando os dois rapazes, Julio César diz que continuará com seu ofício "até que o corpo aguente (...) Eu não quero que este trabalho de mergulho se perca porque, na verdade, é importante. Não é o ponto nevrálgico, mas sim, é importante".