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"Tu pode me ajudar a colocar o corpo no caixão?", foi indagado o arquiteto Frederico Mendonça diante do saco preto que acomodava a sua tia Maria dos Prazeres, no necrotério do Hospital Tricentenário de Olinda.

Vítima da Covid-19 no último dia 21, a idosa de 67 anos ficou apenas seis dias internada antes de ser enterrada pelo próprio sobrinho em um município vizinho. Frente ao iminente colapso da rede funerária de Pernambuco, a falta de vagas no cemitério de Guadalupe fez com que ela aguardasse dois dias até ser sepultada.

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Com o enterro transferido para o Cemitério Paroquial do Barro, na Zona Oeste do Recife, a cerca de 17 km de distância de onde morava, no Bairro Novo, por falta de vagas, Maria dos Prazeres foi colocada no caixão por Frederico, que não teve outra opção a não ser ajudar o único profissional enviado pela funerária à unidade de saúde.

Já no cemitério do Recife, assimilou os reflexos do alto índice de ocupação no sistema quando precisou esperar quase uma hora até que os coveiros estivessem disponíveis. Após um percurso insalubre entre lápides e o último adeus de outras famílias, finalmente o carrinho que carregava sua tia parou, no entanto, todos os sepulcros estavam preenchidos ali.

Foto: Arquivo pessoal

Um buraco começou a ser cavado no estreito entre duas sepulturas. Foi quando Frederico percebeu que a tia seria posta em uma cova rasa, em um caminho para transeuntes, como o trajeto que percorreu. Dos quatro coveiros que o acompanhavam até a descida do caixão à cova, de repente se viu amparado por apenas um. Os demais se ocuparam em atender a alta demanda de óbitos diários da Covid-19.

A pá velha e apenas duas mãos não davam conta, e Frederico se prontificou a ajudar o coveiro que, segundo ele, tem só seis meses de profissão. Nem o sol forte das 11h, nem o medo de ser infectado pelo novo coronavírus, ou até mesmo outras doenças, apagavam as orações da cabeça do arquiteto que, reforçava os votos em memória da tia enquanto despejava areia sobre seu local de repouso.

Do dia 15 de março, quando a tia foi internada, até a data do enterro, no dia 23, Frederico foi confrontado pela trágica realidade da Covid-19 em Pernambuco, que já tirou a vida de 12.623 pessoas até o dia 8 de abril de 2021.

Fora a fragilidade do sistema funerário, a condição desordenada recai sobre o resultado dos testes, que no caso de Dona Maria dos Prazeres, só foi confirmado pela Prefeitura de Olinda nessa segunda (5), 15 dias após sua morte.

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O resultado positivo do teste RT-PCR analisado pelo Lacen-PE foi liberado pelo laboratório no dia 26, cinco dias após o falecimento. Entretanto, Frederico questiona a demora para ser informado pela Secretaria Municipal de Saúde, que só o comunicou na tarde desta segunda (5).

Procurada para uma posição sobre a falta de vagas em seus dois cemitérios - de Guadalupe e Águas Compridas - e a situação imposta à população que não consegue enterrar seus familiares no município, a Prefeitura de Olinda reafirmou que os cemitérios possuem vagas e estão abertos para as vítimas da pandemia.

Em nota, a gestão aponta que "vem trabalhando na ampliação dos espaços para sepultamento das vítimas das Covid-19" e, sem apresentar o quantitativo, diz chegou a abrir novas vagas em Águas Compridas com a desapropriação de um terreno vizinho.

Sobre Guadalupe, a Secretaria Executiva de Manutenção Urbana (SEMU) explica que não pôde adotar o mesmo procedimento pois o cemitério fica alocado no Sítio Histórico, o que impede a ampliação dos limites da estrutura.

"A SEMU acrescenta que está tentando contratar junto à iniciativa privada sepulturas para absorver a demanda decorrente da Covid-19", acrescenta o comunicado, que garante "todos os esforços necessários para que os olindenses sejam assistidos de forma digna".

Funerários expõem a falta de vagas

O presidente da Associação Pernambucana de Dirigentes Funerários (APEDIF) indica que não houve oficialização sobre o fechamento dos cemitérios. Entretanto, questiona as supostas vagas indicadas pela Prefeitura.

"Realmente eles estão com dificuldade de ofertar espaço. A última vez que a gente precisou para um morador de Olinda, na semana passada, eles só iriam ter vaga para terça-feira dessa semana", ressalta Herton Viana.

"É difícil porque não tem como ficar nos hospitais e as funerárias não tem como manusear esse corpo, nem tampouco guardar nas instalações da gente. Automaticamente tá ficando nos hospitais, causando acúmulo e, pode vir a acontecer, de ter que ficar lá porque a família não tem para onde levar”, descreve o representante dos dirigentes funerários, que acrescenta, “se você precisar para hoje ou amanhã eles não têm vaga. É sempre uma programação dias para frente".

Prefeituras negam risco de colapso funerário

Diante da alta nacional de casos de Covid-19, a reportagem do LeiaJá questionou as prefeituras de algumas das cidades de Pernambuco que registraram o maior número de casos da doença a respeito da possibilidade de ocorrer um colapso funerário nos próximos meses. As gestões de Olinda, Recife, Petrolina e Caruaru garantem que seus sistemas estão sob controle e preparados para atender ao aumento da demanda. Algumas delas pontuaram que, passado um ano de pandemia, continuam ampliando a capacidade dos cemitérios.

De acordo com a Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb), os dois cemitérios públicos da capital pernambucana preparados para receber as vítimas da Covid-19 - Parque das Flores e Santo Amaro- possuem plena capacidade para atender à demanda e funcionam dentro do previsto para o cenário de pandemia. “No total, a Emlurb providenciou a abertura e/ ou construção de 5.671 covas e gavetas para receber este tipo de sepultamentos e, deste montante, há ainda 25% de covas/ gavetas sem uso (1.421 vagas) nos cemitérios de Santo Amaro e Parque das Flores”, pontua a instituição, em nota oficial.

Em Olinda, na Região Metropolitana do Recife, a Secretaria Executiva de Manutenção Urbana (SEMU) informou que desapropriou um terreno vizinho para ampliar o Cemitério de Águas Compridas, onde também foram abertas novas covas. “Com relação ao Cemitério de Guadalupe o mesmo procedimento não pode ser adotado uma vez que o local se encontra dentro do Sítio Histórico, o que impede a ampliação dos limites da estrutura física. A SEMU acrescenta que está tentando contratar junto à iniciativa privada sepulturas para absorver a demanda decorrente da Covid-19”, coloca a SEMU. A informação oficial é a de que não há fila de espera para sepultamentos.

A Prefeitura de Petrolina, no sertão do estado, também firmou contrato, desde o início da pandemia, para que os sepultamentos de vítimas do novo coronavírus fossem feitos em um cemitério particular, com funcionamento 24 horas. A administração da cidade frisa que, em caso de óbitos ocorridos durante o dia, os corpos podem ser recebidos em qualquer cemitério público da cidade, caso seja da vontade da família.

Segundo a administração petrolinense, todos os coveiros da cidade já foram vacinados contra a Covid-19. “O município conta com o efetivo de 9 sepultadores municipais, a cidade está com processo seletivo de outras 10 vagas, para preenchimento do quadro normativo. Sobre o questionamento da quantidade de sepulturas, no cemitério particular, no qual existe contrato, há mais de 60 vagas. Já nos municipais, mais de 400. Petrolina segue todas as orientações do Comitê de Crise Estadual de Enfrentamento ao Coronavírus”, explica o posicionamento oficial.

Já a Secretaria de Serviços Públicos de Caruaru, no agreste pernambucano, não abriu novas covas em decorrência da crise sanitária. O órgão se resumiu a dizer que “tem trabalhado para garantir todos os serviços funerários no município, cumprindo todos os protocolos sanitários estabelecidos. Dessa forma, diante de todo trabalho realizado até o momento, todos os serviços seguem funcionando sem intercorrências”.

Com o sistema funerário pressionado pelo agravamento da pandemia do novo coronavírus, a gestão Bruno Covas (PSDB) começa nesta quarta-feira, 7, uma operação para abrir 600 valas por dia na capital paulista. A Prefeitura também estuda a construção de um cemitério vertical e planeja fazer convênios com crematórios de municípios da Grande São Paulo.

Historicamente, a cidade realiza entre 240 sepultamentos (primavera e verão) e 300 (outono e inverno) por dia. Já os dados mais recentes do boletim da Prefeitura apontam que, desde março, a média subiu para mais de 315 casos, com recorde de sepultamentos registrado no período. E cientistas alertam que há tendência de alta para mortes por covid nas próximas semanas, o que impacta de forma direta na demanda do serviço funerário.

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"Todos os estudos apontam para uma maior demanda de sepultamentos no País nos meses de abril e maio", afirmou o secretário de Subprefeituras, Alexandre Modonezi, ao Estadão. "Com base nisso, estamos ampliando a abertura de valas diárias para estarmos preparados, caso ocorra esse aumento."

Mesmo com a recente escalada de óbitos por covid, nenhuma necrópole municipal estaria próxima do esgotamento e ainda haveria capacidade para outras ampliações, segundo a Prefeitura. A medida atual, no entanto, está prevista no Plano de Contingenciamento do Serviço Funerário, elaborado no ano passado, que antecipa cenários e prevê ações por etapas para evitar colapso no sistema.

A meta é evitar que São Paulo registre episódios como o de Manaus, onde corpos chegaram a ser enterrados em valas coletivas durante a pandemia. "Hoje, não corremos risco (de colapso)", disse Modonezi. "O nosso principal objetivo é oferecer dignidade às pessoas, sempre com sepultamento individual."

A operação empenhou dez retroescavadeiras e vai focar em quatro grandes cemitérios, onde a Prefeitura identificou maior margem de exumações, que ocorrem após dois (crianças) ou três anos (adultos), e, portanto, de novas vagas. São eles: Vila Formosa e Itaquera, na zona leste, além do São Luiz, na zona sul, e Dom Bosco, na zona oeste.

Em Itaquera, há plano para erguer um cemitério vertical em duas quadras do cemitério, área correspondente a 1,6 mil m², com sepulturas em alvenaria e de estilo gavetões. O projeto está em fase de estudo de engenharia. O tempo de implantação é estimado em 90 dias, após conclusão da análise, o que deve ocorrer na próxima semana.

Em paralelo, existe proposta de convênio com seis crematórios privados de cidades vizinhas, que ampliariam a capacidade do serviço de cerca de 50 para 100 cremações diárias. Se confirmada, a parceria vai manter os preços que constam da tabela do Serviço Funerário Municipal nesses outros lugares.

"É preciso reforçar todos os cuidados sanitários durante a pandemia, como o uso de máscaras e o distanciamento. O Serviço Funerário vive o reflexo direto da não tomada dessas medidas", afirmou o secretário. "Além dos óbitos de covid, a cidade continua tendo os óbitos de outras causas: são cerca de 200 sepultamentos que normalmente já precisamos absorver."

Atualmente, a cidade conta com 398 sepultadores atuando nos 22 cemitérios municipais. Em março, a Prefeitura começou a usar 50 vans particulares, contratadas para atuar no transporte funerário.

Também desde o mês passado, os cemitérios da Vila Formosa, São Luiz, Vila Nova Cachoeirinha e São Pedro têm realizado enterros em horário estendido, até as 22 horas. Nas demais, as cerimônias seguem de 7h às 18 horas.

Em 2020, pouco mais de um mês depois do início da pandemia de coronavírus, Belém começou a dar sinais de colapso no sistema funerário. No Instituto Médico Legal (IML), corpos de dezenas de vítimas da Covid-19 eram retirados de um caminhão frigorífico e amontoados no chão. Não havia vagas nos cemitérios públicos da capital paraense. Um ano depois, o cenário se repete.

Com a superlotação da rede pública de Saúde, a falta de leitos de UTI e o aumento no número de mortos, a demanda de sepultamentos também subiu. Segundo o Sindicato das empresas do segmento funerário do Estado do Pará (Sindef), no principal cemitério público de Belém, no bairro do Tapanã, são realizados diariamente oito sepultamentos, quatro no período da manhã e outros quatro à tarde, até as 16 horas. Após esse horário, o atendimento é retomado somente a partir das 9h do dia seguinte.

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As famílias enlutadas que dependem do cemitério público precisam da confirmação da vaga para encaminhar o sepultamento. No sábado (13), Javan Costa recebeu a ligação comunicando a morte da sogra, Maria Conceição Vilhena, de 71 anos. Ao buscarem uma vaga no Cemitério do Tapanã, foram informados de que o sepultamento só seria possível na segunda-feira, 15. Familiares da doméstica Cilene Araújo Sampaio passaram por uma experiência semelhante. O tio faleceu também no sábado e a falta de uma vaga no cemitério público obrigou a família a fazer uma coleta emergencial. "Tivemos que tirar dinheiro de onde não tinha para comprar uma sepultura", lamenta.

Quem não consegue esperar por uma vaga tem que arcar com os custos do sepultamento. O gerente de uma funerária no bairro do Guamá, Rafael Cabral, relata que atendeu duas famílias no último final de semana nessas condições. Além da burocracia, há também o número insuficiente de funcionários para atender demandas no cemitério público. "São poucos coveiros, que trabalham manualmente, e por isso não dão conta de atender quem precisa", avalia.

Além da incerteza de uma vaga, a burocracia é outro problema que aflige as famílias que buscam o Tapanã. Quando é confirmada a disponibilidade da sepultura, a Agência Distrital de Icoaraci, órgão ligado à prefeitura de Belém, responsável pela administração do cemitério, emite a guia de pagamento, que deve ser quitada em uma agência lotérica. O processo não é eletrônico e só há marcação do sepultamento com o documento pago em mãos. "Em alguns casos, isso leva o dia todo e as famílias aguardam mais de 24 horas para enterrar seus mortos", afirma Ronaldo Borges, presidente do Sindef.

Os problemas no cemitério do Tapanã ocorrem há tempos. O local, apesar de possuir uma área extensa, cerca de 129 mil metros quadrados, não dispõe de espaço para novas construções. Em 2019, o Ministério Público do Pará ajuizou uma ação civil pública contra a prefeitura de Belém para imediata interdição do local em razão do mau funcionamento e contaminação dos poços artesianos situados nas proximidades, além de outras irregularidades. À época, o MP pediu, ainda, providências para a construção de um novo cemitério público municipal.

De acordo com o Sindef, em 2020, para tentar agilizar os sepultamentos, a prefeitura de Belém adquiriu sepulturas em um cemitério particular, também no bairro do Tapanã. À época, foram anunciadas a aquisição de 312 sepulturas, mas, segundo Borges, o número é bem maior e a dívida não foi quitada. A prefeitura de Belém confirma que foram requisitadas, pela gestão anterior, mil sepulturas no cemitério Parque Nazaré, porém nega a existência de pendências no pagamento e vagas não utilizadas.

Sobre o cemitério do Tapanã, o único com rotatividade, a prefeitura não se manifestou. Em nota, o Departamento de Administração de Necrópoles (DANE) informou que outros quatro cemitérios municipais não realizam mais sepultamentos ou dispõem somente de sepulturas familiares. A prefeitura diz que possui servidores para atender a demanda atual dos cemitérios públicos. Mas, ao mesmo tempo, elabora um chamamento público para contratar.

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