Tópicos | Transtornos Psicológicos

“Ver o sofrimento da minha família me fez ver que eu tinha muitas coisas pra viver ainda”. O depoimento é da professora Joana*, 27 anos. Diagnosticada com depressão há 8 anos, a jovem já tentou suicídio algumas vezes. Hoje, enxerga que essa não é a saída e defende que procurar ajuda é o melhor caminho. "É preciso tentar se conhecer, desabafar com gente de confiança, procurar ajuda médica para entender o que está acontecendo com você. Outro fator que foi de extrema importância pra mim nesse processo foi construir laços com as pessoas, para que elas pudessem me amparar nos momentos de crise. Saber que não estou sozinha faz toda a diferença. Hoje eu me conheço melhor e estou aprendendo que a vida vale a pena ser vivida, mesmo com todos os contras", revela.

O setembro amarelo foi implantado no Brasil em 2015 pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). A campanha mundial tem o objetivo de aumentar a conscientização sobre o suicídio e prevenir sobre uma das principais causas de morte em todo o planeta. De acordo com o Ministério da Saúde (MS), entre 2007 e 2016, foram registrados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) 106.374 óbitos por suicídio no Brasil. Em 2016, a taxa chegou a 5,8 por 100 mil habitantes, com a notificação de 11.433 mortes por essa causa.

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Os dados apontam, ainda, que, no mesmo ano, 396 pessoas tiraram a própria vida em Pernambuco. Entre eles, estava o filho da cabeleireira Sibely Fernanda das Chagas Brito, de 40 anos. Luan Felipe tinha 17 anos e estava com depressão. Ele faz parte da estatística que aponta, hoje, o suicídio como a quarta causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos no Brasil. Sem ter ideia da gravidade do problema, Sibely acredita que a busca por ajuda médica para o filho chegou tarde. “Levei ele ao psiquiatra, que passou remédios e disse que estava tudo sob controle. Após duas semanas, Luan tirou a própria vida”, conta.

Segundo a psiquiatra do Hospital Oswaldo Cruz (Huoc), professora da Universidade de Pernambuco (UPE) e membro da Associação Brasileira de Psiquiatria, Kátia Petribu, as pessoas que pensam em suicídio emitem sinais. "75% dos pacientes que tentam suicídio procuram atendimento de saúde nos seis meses anteriores. E até 45% no mês anterior. E, na maioria das vezes, ele confidencia os seus sintomas, dão sinais. Muitas vezes não de forma direta, mas de forma indireta. Outras vezes procuram conversar com amigos para desabafar e, se isso acontecer, é preciso que o outro ouça atentamente”, explica.

Sibely reconhece que foi exatamente esse o seu erro. "Eu errei em não ter prestado atenção, mas eu errei sem saber. Eu não tinha consciência da gravidade, achava que depressão era frescura e que o que ele estava fazendo era pra chamar atenção. Mas, na verdade, ele estava pedindo socorro o tempo todo e eu não consegui ver isso", desabafa. Após receber uma carta psicografada de Luan em 2017, ela resolveu criar o projeto social “No mundo do Lua”. Mantido através de doações, o projeto atende jovens que sofrem depressão e têm propensão ao suicídio. O espaço, que funciona no bairro de Paratibe, em Paulista, na região metropolitana do Recife, oferece atendimento psicológico gratuito por meio de uma psicóloga voluntária. "Eu aprendi a olhar para as pessoas de maneira diferente. Eu comecei a observar tudo no ser humano. Da forma que eu vejo hoje, eu me considero uma pessoa completa por poder salvar, ou ao menos tentar, um adolescente", conta Sibely. A iniciativa também criou uma rede de assistência às mães que perderam os filhos.

No Brasil, há, em média, um caso de suicídio a cada 46 minutos. Os dados são de 2016 e apontam que isso representa um aumento de 2,3% em relação ao ano anterior. De acordo com a Organização Mundial da Sáude (OMS), o suicídio poderia ser evitado em mais de 90% dos casos. "A maioria das pessoas que se suicidam são pessoas portadoras de transtornos psiquiátricos. Portanto, existe prevenção. Se a pessoa fizer o tratamento adequado, as chances de cometer o suicídio são diminuídas", explica Kátia Petribu.

É o caso da estudante de medicina Ramona Silveira, de 23 anos. Diagnosticada com depressão, transtorno de ansiedade e de personalidade conhecido como ‘Boderline’, há quatro meses a jovem decidiu buscar tratamento. “Já tentei suicídio três vezes e eu só melhorei a partir do momento que aceitei os transtornos que tenho e procurei ajuda”, conta. Atualmente, Ramona realiza psicoterapia e usa medicamentos. “Minha vida melhorou tanto na parte acadêmica quanto na social. O apoio da minha família também foi muito importante. É importante os familiares não acharem que é drama ou que a pessoa quer chamar a atenção”, afirma.

Para Kátia Petribu, esse apoio, de fato, pode ser decisivo. “Se uma pessoa lhe confidencia que pretende se matar, você precisa ficar extremamente atento. Primeiro, é preciso mostrar amizade e solidariedade, mas não apenas isso. É preciso, também, acolher a pessoa e incentivá-la a buscar atendimento. Se ela não quiser, marque você mesmo e leve ela”, alerta. A psiquiatra aponta que criar uma rede de apoio é fundamental. “O suicídio é uma emergência médica. Os pacientes precisam ser atendidos e medicados, e isso não pode demorar meses, é preciso ter um atendimento rápido”, afirma.

O Coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Quirino Cordeiro, considera a informação como primordial na prevenção ao suicídio. “Conversar sobre como agir nessas situações é fundamental para quebrar os mitos que existem hoje. A sociedade precisa estar orientada em relação às modalidades de tratamento para que as pessoas possam ter o cuidado de acordo com a necessidade clínica”, assegura.

De acordo com o Ministério da Saúde, em um ano foram inaugurados 109 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) em 20 estados. De acordo com dados do MS, nos locais onde existem Centros de Apoio Psicossocial (CAPS), uma iniciativa do SUS, o risco de suicídio reduz em até 14%. Ainda de acordo com o ministério,  também foi destinado R$ 1,4 milhão para a realização de projetos nas Redes de Atenção Psicossocial (RAPS), nas capitais de Manaus, Campo Grande, Boa Vista, Teresina, Porto Alegre e Florianópolis, consideradas prioritárias devido ao alto índice de suicídio.

TELEFONES ÚTEIS E ONDE BUSCAR AJUDA

Serviços de saúde
CAPS e Unidades Básicas de Saúde (Saúde da família, Postos e Centros de Saúde).

Emergência
SAMU 192, UPA, Pronto Socorro, Hospitais.

Centro de Valorização da Vida – CVV
188 (ligação gratuita) ou www.cvv.org.br para chat, Skype ou e-mail

Ajuda psicológica gratuita ou de baixo custo no Recife


Quando o ambiente de trabalho se torna um problema, a atenção deve ser redobrada. As variáveis em torno das condições que levam profissionais a desenvolver transtornos psicológicos são diversas. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), profissões como médico e professor estão entre as mais desgastantes, gerando uma alta incidência de licenças por problemas como depressão e estresse.

Ana* é professora há 18 anos. A profissão, herdada da mãe, sempre foi motivo de orgulho para a família. Acreditando na educação como base de formação para qualquer indivíduo, a paixão deu lugar à frustração, quando os problemas desenvolvidos em sala de aula começaram a influenciar na rotina em casa.

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“Ser professor, além de tudo, é uma loucura. Você tem que trabalhar por amor à profissão. O dia a dia no trabalho me deixava doente e isso começou a afetar meus filhos”, explica, em entrevista ao LeiaJá. Lecionando em uma escola de bairro periférico, Ana* desenvolveu síndrome do pânico e nervosismo, de acordo com laudo médico. Segundo ela, as causas são relacionadas diretamente a um episódio traumático vivenciado em sala de aula, do qual prefere não recordar.

“Depois do que aconteceu, a nossa vida nunca mais foi a mesma”, conta o marido de Ana*. A morte de um aluno em sala de aula foi o que agravou a situação, já complicada, de sua esposa. “A área de trabalho não contribuía, mas a função do educador é estar onde precisam dele. Ana* não tinha a noção que aconteceria situações como essa. Foi o ápice para os problemas dela”, explica. Após o ocorrido, a professora ficou afastada e não conseguiu mais voltar às salas de aula. “Nunca mais quero dar aula. O amor deu lugar ao medo, me senti desamparada”, pontua a docente.

A história da professora do ensino fundamental reflete os dados da pesquisa realizada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que mostra o Brasil como o país com o maior índice de violência contra professores. O estudo foi realizado em 2013 com mais de 100 mil professores e diretores de escolas do segundo ciclo do ensino fundamental e do ensino médio (alunos de 11 a 16 anos). Os números preocupantes se materializam no dia a dia dos profissionais da educação.

A professora Maria* trabalha há 14 anos na área. “É uma triste realidade, mas é muito comum alunos levantarem o tom da voz e agirem de forma agressiva quando há algum problema, principalmente relacionado ao desempenho e a atividades relacionadas à avaliação”, lamenta. Ainda de acordo com a mesma pesquisa, 12,5% dos professores ouvidos no Brasil disseram ser vítimas de agressões verbais ou de intimidação de alunos pelo menos uma vez por semana.

Os problemas desenvolvidos em sala de aula podem trazer consequências adversas à saúde do profissional. “Não consigo mais dar aulas, esse espaço se tornou algo muito estressante para mim. De pouco em pouco as coisas se agravaram em sala, me colocando em um quadro de esgotamento mental absurdo”, explica Maria*. Um dos efeitos é o afastamento das atividades, solicitando licenças e benefícios ligados ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Os dados divulgados pela Secretaria de Planejamento e Gestão de São Paulo apontam o crescimento no número de professores de escolas estaduais afastados por desenvolver transtornos mentais ou comportamentais no Estado. Em 2015, o número foi de 25.849 afastamentos. No ano seguinte, quase dobrou, totalizando 50.046 afastamentos. Já em 2017, até setembro, houve 27.082 afastamentos.

A realidade por trás desses números revela uma situação preocupante, como avalia o Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação, Heleno Araújo: "Os professores muitas vezes atuam em condições péssimas de trabalho, principalmente em escolas públicas, e falta segurança". Além dos baixos salários, que provocam desmotivação e exaustão, existem fatores ligados à falta de espaços para socialização, espaços de lazer e suporte social com centros de aconselhamento e diálogo. Segundo ele, tais pontos podem explicar as razões estruturais para o aumento dos números de licenças.

De acordo com pesquisa, 13% dos profissionais em educação em Pernambuco foram afastados por ansiedade ou nervosismo. Outros 9% tem problemas relacionados à voz e 7% ao estresse.  O estudo foi desenvolvido pelo Grupo de Estudos Sobre Política Educacional e Trabalho Docente da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

A realidade de cada indivíduo se relaciona com os problemas estruturais da realidade educacional no país, avalia a psicóloga Aline Sharon. “Conviver com as diferenças é um grande desafio, mas o principal problema perpassa na falta de reconhecimento da categoria. A classe escolar não visualiza o profissional com respeito. Essa configuração potencializa o desenvolvimento de transtornos”, explica. O mesmo grupo de estudos da UFMG apontou as principais causas para os afastamentos em todo o país: depressão, ansiedade, nervosismo e estresse.

O caminho para mudança dessa realidade pode parecer inalcançável. Maria*, após o afastamento das atividades em sala de aula, decidiu, com o apoio da família, não voltar a lecionar. Mantida com a ajuda financeira dos filhos, ela relembra que o processo de aconselhamento não existiu: “Não busquei ajuda, simplesmente deixei essa situação se instalar dentro de mim até um ponto que não aguentava mais e decidi parar. A partir desse momento, reconheci que precisava de ajuda e não conseguiria mais voltar ao trabalho sem as condições necessárias para realizá-lo”.

Outra pesquisa, denominada Trabalho Docente na Educação Básica do Brasil, realizada pelo mesmo grupo da UFMG, mostra que "grande parte dos trabalhadores que possuem enfermidades não incapacitantes continua cumprindo suas jornadas de trabalho, em prejuízo de sua saúde, como é notório no caso de problemas de voz e sintomas de sofrimento mental.”

Hoje, Ana*, mesmo afastada das salas de aulas, mantém contato com a escola, trabalhando no setor administrativo. “É uma situação muito difícil para mim continuar nesse espaço que me remete a momentos difíceis. Infelizmente não tenho condições de abandonar o trabalho, pois é minha única renda para mim e meus filhos”, lamenta. A psicóloga Aline Sharon diz que a permanência agrava os prejuízos mentais, irritando a cadeia emocional, o que pode acarretar problemas físicos que devem ser observado por profissionais de saúde.

A questão é sistemática e esbarra em problemas de educação social, falta de estrutura para realização de trabalho e valorização da carreira na educação. Ainda de acordo com Aline, a solução para reduzir esses problemas ligados à saúde é a abertura para o diálogo. Já o sindicalista Heleno defende que cabe às instituições o investimento em políticas de assistência a esses profissionais, com acompanhamento diário e preocupação com as demandas básicas para o exercício da profissão.

*Nomes fictícios para preservar a identidade

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