O sexto município mais populoso da Região Metropolitana do Recife, Camaragibe, distante 16 km da capital, abriga uma cultura diversa e pouco valorizada, mas muito resistente. É de lá que vêm nomes como Zé Negão e Zé Maria, importantes mestres de coco e ciranda, e Beto Hortis, expressivo sanfoneiro, por exemplo.
Os artistas de Camaragibe não se intimidam com qualquer distância geográfica e nem a quase total invisibilidade midiática os faz esmorecer na missão de levar sua arte adiante. Disputar espaço com os artistas do tecnobrega, bregafunk e correlatos é tareda diária para camaragibenses que escolheram a música como instrumento de comunicação e meio de vida. É lá que o LeiaJá encontrou mais uma das 'Vozes da Periferia' em mais esta reportagem da série especial.
##RECOMENDA##Os músicos da banda Atroça são parte desse movimento. Desde 2009, o grupo vem trabalhando a fusão do frevo com rock, com forte identidade sonora e visual. O guitarrista do grupo, Filipe Lima, sintetiza a música da periferia: “O conceito de música periférica, ao meu ver, diz mais ao gênero que discute os problemas relativos às minorias e às demandas de necessidade das pessoas que circundam os centros urbanos”. Dentro dessa gama de possibilidades, Camaragibe conta com vários nomes como Albino Baru, Cabeça de Rádio, Café Plural e a banda Mangueboys, entre outros.
Os integrantes d’Atroça apontam outros exemplos de movimentos locais que realizam um trabalho significativo para a cena cultural de Camaragibe: “Em nossa cidade temos os grupos de coco como referências de uma voz que propõem e divulgam seus ideais. O Laia, grupo formado por defensores da cultura regional, tem uma atuação muito importante nas políticas culturais e nas ações junto à comunidade de João Paulo II, periferia de Camaragibe”, diz Ivson Borges, saxofonista do grupo.
Os músicos também acreditam que a propagação de uma música que não contemple toda a diversidade das periferias - a exemplo da 'música rebolativa', mais comercial -, como sendo sua voz única é uma problemática que dialoga com os interesses da grande mídia e seu consumo. Para Uel, vocalista do grupo, “Por ser uma música de fácil assimilação e não problematizar as dificuldades das pessoas menos assistidas, dando a entender que os grandes centros não querem saber das problemáticas da periferia, a música tida como ‘voz da periferia’ surge com outro recorte, não sendo uma reflexão da realidade mas uma perspectiva de apelo da sexualidade e da ostentação de bens”.
O baterista Sérgio Francisco complementa: “Os canais que transmitem as músicas feitas na periferia buscam satisfazer as grandes massas, não estão interessados em música conceitual, que problematize ou tenha a intenção ideológica. Além das barreiras geográficas, esbarramos no conceito de música alternativa ou independente”.
Camaracity
A banda Mangueboys começou inspirada no trabalho vindo de uma outra periferia bem distante de Camaragibe, Peixinhos. Tocando covers de Chico Science e Nação Zumbi, o grupo consolidou seu nome em sua localidade e, agora, prepara-se para assumir seu trabalho autoral. Até um novo nome está em processo de escolha.
O vocalista, Vinícius Lima, neto e filho de músicos - seu pai, Alexandre Garnizé passou pelas bandas Afrocamarás, Faces do Subúrbio e, hoje, Abayomy Afrobeat Orquestra -, e o percussionista Huan Marley, apontam na diversidade cultural da cidade um dos motivos que os levou a fazer música. “Tudo isso soma, a gente tenta juntar na nossa música e tudo contribui um pouquinho”, diz Huan.
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Para os músicos, fazer-se ouvir e defender o seu trabalho é uma espécie de “guerrilha” e, para isso, eles se dedicam ao ponto de criar os meios para escoar sua produção. Vinícius é um dos realizadores do Festival de Inverno de Camaragibe (FIC), ao lado de outro integrante da banda, Thiago Chalegre. O evento movimenta a cidade e abre espaço para tantos outros artistas periféricos há três anos.