O rádio e Felipe Diogo, comentarista esportivo de 38 anos, foram feitos um para o outro. Felipe nasceu com deficiência visual e encontrou nas ondas sonoras uma fiel companhia. Por elas, conseguia se informar sobre as notícias mundo afora. Foi daí que surgiu sua outra grande paixão: o futebol. Mas poucos acreditariam que um dia ele conseguiria comentar um jogo do esporte mais popular entre os brasileiros, inclusive o próprio.
Felipe Diogo é radialista na STI Sports em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, e apresentador do programa “Espaço da Inclusão”, transmitido pela Rádio Web Teletema, de Lajeado, no Rio Grande do Sul. Antes, foi por anos comentarista fixo da rádio comunitária Paraty FM.
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Em entrevista exclusiva ao LeiaJá, ele contou como é sua rotina nas coberturas esportivas, geralmente no Estádio Primeiro de Maio, casa do São Bernardo Futebol Clube. Além disso, deu detalhes valiosos de sua história de superação.
“A voz do narrador são os meus olhos. Eu preciso me concentrar 100% no que ele fala para poder comentar os lances. Agora, claro, existem coisas que eu não posso falar, como lances de impedimento, por exemplo. É tudo uma questão de prática, daquilo que você pode e quer fazer. Por isso eu chego bem antes para me preparar, me inteirar sobre as escalações e formações táticas dos times da partida em questão”, diz Felipe.
“Eu acerto com o locutor para ele me chamar com 15 minutos de bola rolando para que eu possa fazer um desenho na minha cabeça do que está acontecendo dentro de campo. Por isso, preciso de alguns minutos a mais, sempre antenado no que ele está narrando”, adiciona.
Quando o inesperado acontece
O comentarista também revelou que pensou que não conseguiria exercer a profissão, ainda nos tempos de Universidade. “Na faculdade, se eu falasse que iria comentar futebol iam me chamar de louco. Eu não esperava que acontecesse, foi uma coisa que deu certo. Teve uma equipe que me ajudou e me incentivou bastante para que eu pudesse chegar até aqui”, conta, antes de falar sobre a reação dos membros da imprensa ao vê-lo comentar com tanta precisão.
“Uma vez aconteceu de um colega de profissão, sem maldade, ir perguntar à equipe. ‘Ele é cego mesmo?’. Algumas pessoas às vezes se surpreendem, mas nunca aconteceu nada sério além disso. Isso acaba me motivando ainda mais.”
Vida e formação de Felipe Diogo
Felipe se formou em jornalismo em 2011, na Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) e fez curso de locução para rádio no Serviço de Aprendizagem Comercial (SENAC). Chegou a cursar “Rádio e TV”, mas não conseguiu levar adiante.
Para concluir a graduação em jornalismo, lançou o livro reportagem “Ginga: A Capoeira Como Forma de Inclusão para Pessoas com Deficiência (fatos e relatos)”, escrito em braile. Na apresentação, foi premiado com nota 9.
“Meu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) foi um livro que produzi junto com uma amiga. Todo em braile, com uma supervisão muito boa do meu orientador. Na época, percebi que não fazia sentido um cego apresentar um trabalho que ele mesmo não pudesse ver”, relata o profissional.
Um ícone da inclusão
Além de todas suas virtudes, Felipe se diz honrado em poder fazer parte da inclusão de pessoas com deficiência no esporte brasileiro e comenta da intimidade que tem com o rádio, desde pequeno, no interior paulista, onde nasceu.
“Isso é muito importante, tanto na questão inclusiva, quanto nas questões pessoal e profissional. Mesmo para quem não está vendo, é bom você sentir a torcida, a vibração. Até para fazer o comentário é importante. O rádio, para uma pessoa cega, é um grande companheiro. Então, desde pequeno, sempre escutei muitas transmissões esportivas, em várias emissoras diferentes. O rádio acompanha muito a pessoa cega e a gente pode levá-lo para qualquer lugar”, revela.
Desde 1961, é celebrado neste mês de dezembro o Dia Nacional da Pessoa com Deficiência Visual, no dia 13. A data saiu no Diário Oficial daquele ano, criado por um decreto de Jânio Quadros, à época Presidente do Brasil.