A Comissão da Verdade do Rio (CEV-Rio) divulgou um relatório de 240 páginas, com a íntegra dos depoimentos prestados em março pelo coronel reformado do Exército Paulo Malhães, torturador confesso de presos políticos durante a ditadura militar. Em 23 horas de gravação, o militar revelou que ajudou a deportar perseguidos políticos argentinos, integrantes de grupos guerrilheiros como Montoneros, Exército Revolucionário do Povo (ERP) e Tupamaros. O oficial também disse que compartilhou informações e treinou agentes da repressão de Angola, Chile, Uruguai e Argentina. Com os militares dos dois últimos países, disse ter "um relacionamento ótimo".
Malhães disse que durante os anos de chumbo, percebeu a entrada maciça de argentinos no Rio e resolveu fotografá-los e acompanhá-los. Posteriormente, policiais e militares argentinos pediram ajuda do Brasil e conseguiram identificar alguns líderes guerrilheiros que estavam exilados no País.
##RECOMENDA##No depoimento, o coronel citou o caso de um líder do grupo Montoneros, que desembarcou no Brasil em um voo que seguia para a Venezuela para um encontro da Junta de Coordenação Revolucionária (que reunia organismos revolucionários de vários países da América Latina). Um dublê seguiu com o passaporte e os documentos do detido para Caracas.
Aqui, o líder guerrilheiro foi capturado e detido pelos agentes da repressão argentina. Um médico argentino veio ao Brasil para dopar o guerrilheiro e levá-lo de volta para a Buenos Aires. O homem foi engessado e transportado dormindo em um avião "com atestado (médico) de que foi acidentado". "A gente dava um estalo e dava a solução para o problema".
O militar também contou que ganhou "uma porção de frasquinhos" que "serviam para várias coisas", inclusive para fazer uma pessoa ter um enfarte "definitivo". O material chegou a ser usado pelo Serviço Nacional de Informação (SNI).
Questionado pelo ex-presidente Emílio Garrastazu Médici, de quem disse ter se tornado amigo íntimo, o coronel contou a versão verdadeira e ironizou. "(O líder dos Montoneros) Passou, realmente, por aqui. Mas embarcou para a Venezuela. Se sumiu, sumiu na Venezuela, no Brasil não foi".
Malhães também descreveu uma conversa com o ex-presidente militar: "Aconteciam problemas, o Médici mandava me chamar (...) no palácio. Ele perguntava, 'E aí?'. Eu dizia, 'O senhor quer que eu resolva? Eu resolvo'. (Médici respondia) 'Então tá, Malhães, resolve'".
Na apresentação do documento, nessa sexta-feira, 30, o presidente da CEV-Rio, Wadih Damous voltou a questionar a linha investigativa da Divisão de Homicídios da Baixada Fluminense, que segue a tese de latrocínio (roubo seguido de morte). Para ele, "há detalhes que não foram explicados" e a tese de queima de arquivo não pode ser descartada. Na manhã de sexta, o pedreiro Anderson Pires foi preso no bairro de Santa Cruz, na zona oeste do Rio, ele é acusado de participar do assalto que culminou com a morte do coronel.