O problema do tráfico de drogas no Rio de Janeiro é histórico. Em fraldas de bebê, em imagens de Nossa Senhora Aparecida, em papai-noel ou até dentro do corpo humano a droga insiste vencer fronteiras. As obras antropológicas de Luís Eduardo Soares e Alba Zaluar revelam que o desenvolvimento do tráfico no estado está vinculado aos agentes estatais. A conclusão inexorável do estudo é que o tráfico só cresce em decorrência da contribuição dos agentes público - o que é paradoxal.
Ora com assistencialismos ( pagamento de enterros, compra de remédios, cestas básicas, tijolos para construção de casas populares ) aos da comunidade, ora com “arregos”, ou seja, extorsões para agentes públicos do baixo ou alto escalão, Antônio Bonfim Lopes, o Nem, chefe do tráfico de drogas na Rocinha (RJ), preso no último dia 4 de dezembro, declara para a Polícia Federal que metade de seu faturamento, cerca de R$ 100 milhões por ano, era repassado para os “arregos”, sobretudo. Para Zaluar, essas ações espúrias permitem “o aumento da criminalidade violenta”.
Mais de 800 bilhões de dólares é o que o mercado no planeta tem movimentado. Seja no varejo, seja no atacado, não falta consumidor. Pelo menos 146 países integram o tráfico. Entre os países da América do Sul, o Brasil é expressivo com uma população já superior a 6,7 milhões de usuários de drogas. As regiões sudeste e sul do nosso país superam índices estatísticos. Dos 11 milhões de usuários de heroína no mundo, mais de 600 mil são brasileiros. Maceió é a capital mais violenta do Brasil - 107,1 mortes por 100 mil habitantes. Em seguida, surge Recife, com 85,2 . Apesar de o Rio de Janeiro estar em 20º lugar, temo-lo com 31 mortes por 100 mil habitantes, conforme dados do Estado de São Paulo. E, claro, o tráfico de drogas responde expressivamente por esses números. Grupos de extermínio costumam atuar.
Há, neste imenso país, uma cartografia urbana dividida em duas zonas: as selvagens e as civilizadas. Aquelas são as hobesianas; estas são as de contrato social, ou seja, vivem sob a comum ameaça dos selvagens. Por conseguinte, mostram-se estas últimas como castelos neofeudais, enclaves fortificados que tipificam as novas formas de segregação urbana. E o tráfico de drogas quebra essa blindagem. E desarmoniza a família. E desordena vidas. E causa mortes. Não faltar com os “arregos” é potencializar toda essa criminalidade.
E todo mundo ganha, sobretudo jovens desprovidos de oportunidades de emprego e renda. Equiparações econômicas e até mesmo superações a classes privilegiadas legalmente viabilizam em curto prazo o consumo de roupas de marcas, carros importados e inclusões em grupos sociais das capitais, permitindo integrar-se a modismos urbanos.
Mas no meio do caminho há Beltrames. Há Beltrames no meio do caminho. Apesar das ações meritórias do secretário de defesa, variadas áreas do Rio de Janeiro continuam dominadas pelo tráfico e também por milícias. As milícias representam mais um problema para o Rio de janeiro, já que elas são formadas por agentes do estado e, assim como o tráfico, exercem poder coercitivo e despótico junto aos moradores de áreas pobres.
E a imprensa, engatilhada com suas câmeras, documenta tudo – ou quase tudo. As evidências de imagens reais não negam os números acima. Jornalistas disparam diariamente fotos, vídeos que desagradam muitos soldados de líderes criminosos do tráfico. Mas, do outro lado, engatilhando fuzil, levaram ao chão, na zona Oeste do Rio, recentemente, o cinegrafista da TV Bandeirantes, Gelson Domingos da Silva. Às vésperas da Copa do Mundo, e próximo das olimpíadas, o Brasil precisa discutir profundamente estas questões de extrema importância para o Brasil no afã de pôr termo a estes problemas vergonhosos à luz da opinião pública mundial. Enquanto isso, câmeras se mantêm na linha de tiro, insistindo em dizer que há necessidades nas ruas, nas avenidas, nos morros, em eventos, em projetos, nas vidas urbanas que precisam ser atendidas, nem que para isso algemas recaiam sobre os que portam suas chaves. O que não falta, é, de fato, uma câmera atenta para fazer o registro disso. Não falta, mesmo. Tê-la-emos, insistentemente.