Tópicos | Cola de Sapateiro

Mãe e filho foram assassinados, na tarde da segunda-feira (19), no bairro de Peixinhos, Olinda, na Região Metropolitana do Recife (RMR). Segundo a Polícia Civil, os assassinados invadiram a casa da vítima cobrando uma dívida de cola de sapateiro.

Os homicídios foram cometidos por dois suspeitos, diz a polícia. A identidade dos criminosos ainda é desconhecida.

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Faleceram na própria casa em que moravam Lucivânia Félix da Silva, de 44 anos, e Rinaldo Félix do Nascimento, 21. Informações preliminares apontam que Lucivânia não seria alvo dos assassinos e morreu tentando proteger o filho.

De acordo com os investigadores, Rinaldo era usuário de cola de sapateiro. As investigações seguem sob sigilo.

 

Segundo dados do Observatório Brasileiro de Informações Sobre Drogas, órgão ligado ao Ministério da Justiça, os solventes e inalantes começaram a ser utilizados como droga de abuso no Brasil, por volta dos anos 1970. É consenso geral que, durante anos, uma dessas substâncias específicas virou marca registrada no centro do Recife: a cola de sapateiro.

Os "cheira-colas", apelido tão antigo quanto o problema, viraram sinônimos também de criminosos. Crianças fora da lei. Mas nem sempre essa alcunha lhe servem. "As pessoas têm medo, mas a probabilidade de um deles correr atrás de alguém é pouca. Como o efeito da droga é rápido, eles ficam cheirando de 5 em 5 minutos", conta Mayara Barros, psiquiatra do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) AD Prof. Luiz Cerqueira. O espaço trata de casos relacionados à saúde mental e ao uso de álcool e outras drogas.

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Segundo ela, o consumo do inalante está diretamente ligado à condição social do indivíduo. "A cola ainda é um problema grave de saúde pública. O vício atinge os de menor idade e de classe social mais baixa. Ela também reduz o apetite. A magreza, inclusive, denuncia quem usa. Também é muito barata e de fácil acesso. A maioria consegue roubar, principalmente em construções", explica.

Na Avenida Guararapes, área central do Recife, alguns sapateiros contam que já foram vítimas de furtos. "Levaram minha lata que eu nem vi. Mas o problema não foi nem o prejuízo, foi o medo de ele dizer por aí que fui eu que dei e não que fui roubado", revela um deles, sem querer se identificar. De acordo com os dados do Caps AD, as drogas mais usadas por adolescentes de baixa renda são álcool, cigarro e cola, nessa ordem.

Os males provocado aos usuários são vários. Entre os mais comuns estão as lesões no fígado e rins (insuficiência hepática e renal), na medula óssea (anemia aplásica) e no sistema nervoso central (ataxia). "Os efeitos dos inalantes (assim como acetona, loló, tiner) são rápidos. A sensação de euforia dura poucos minutos. Alguns sentem náuseas, mas o prazer compensa", explica Mayara Barros.

Legalidade

Em 2005, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a venda de cola de sapateiro para menores de 18 anos. O órgão também passou a exigir que as embalagens do produto contenham número de controle, individual e sequencial, e que o vendedor preencha, no ato da compra, os dados pessoais do comprador, com sua respectiva assinatura.

A fiscalização da comercialização desses produtos, no entanto, está a cargo dos estados e municípios. "Porém, como ela não é classificada como entorpecente, sua comercialização é livre, independente do seu fim", explica Ícaro Schneider, delegado do Departamento de Repressão ao Narcotráfico (Denarc). "A venda para maiores de idades não é ilegal, mesmo que o vendedor esteja ciente de que seja para consumo como droga. Apenas nos casos de fornecimento a menores de idade é considerado crime", esclarece.

Nesse caso, o infrator é autuado no artigo 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente, cujo texto prevê punição para quem "vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida". Esse crime prevê detenção de seis meses a dois anos, e multa.

Há, entre os policiais militares de Pernambuco, o hábito de confiscar informalmente as garrafas e latas dos usuários, mas nada que passe de um simples paliativo. "Se você pensar que está se fazendo um bem à criança, eu acho que vale. Mas não existe nenhuma recomendação nesse sentido. O procedimento certo mesmo é informar os casos ao conselho tutelar", garante Ícaro Schneider. Procurada pelo LeiaJá, a Prefeitura do Recife citou a norma da Anvisa, mas não informou se realiza fiscalizações nos estabelecimentos comerciais. Para fazer denúncias de irregularidades, a Vigilância Sanitária do Recife disponibiliza o telefone 0800 281 1520 ou o formulário disponível no portal da Prefeitura.

O sentimento de insegurança ao andar pelo bairro da Boa Vista, área central do Recife, não é novidade para ninguém, mas esse medo toma maiores proporções em algumas áreas específicas. Um desses locais é a praça Maciel Pinheiro, que já viveu dias melhores, mas que hoje ostenta o triste rótulo de "lugar a ser evitado". O equipamento público foi ocupado por moradores de rua, porém, deixou de abrigar apenas pessoas em busca de um lugar para se refugiar.

Os flagrantes de uso de drogas e outros produtos que fazem mal a saúde são comuns, em qualquer horário, inclusive durante o dia, principalmente cola de sapateiro. À noite, a situação é pior. O risco aumenta, junto com o consumo de crack e álcool. E com isso, vêm os crimes. "Fumam muito aqui. Tem cliente meu que deixou de vir. Meu estabelecimento já foi arrombado uma vez", revela um comerciante, que preferiu não se identificar.

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Vários outros lojistas da área reclamam da falta de segurança e da ocorrência de assaltos. "Uma funcionária de outra ótica foi roubada quando passava por aqui depois de largar. Isso assusta quem vem ao Centro. Tem gente que prefere ir ao shopping que é mais seguro", lamenta o gerente de um comércio de óculos.

Mas o caos não oferece perigo só a quem transita ou trabalha na área. Há casos em que a integridade física dos próprios moradores de rua é posta em xeque. "Quase todo dia tem briga entre eles, puxam faca e tudo. E sempre aparece um que a gente nunca viu. Chegou, vai ficando", conta uma recepcionista.

Falta limpeza

A aglomeração também traz problemas como o acúmulo de lixo e a sujeira deixada por quem precisa fazer suas necessidades na rua. Caixas de papelão e sacos plásticos são alguns dos ítens mais espalhados pelo local. A fonte luminosa (reformada pela Prefeitura do Recife no fim do ano passado) segue sendo usada como área de banho.

O mau cheiro e a insegurança causaram, inclusive, a mudança de uma das lojas, que passou para um novo ponto comercial na Rua Rosário da Boa Vista. "Não aguentamos ficar um ano lá. Além de muita droga, a frente também ficava imunda", diz a funcionária de uma distribuidora de produtos óticos.

Um dos prédios das imediações está com uma placa de "aluga-se" há seis meses. Segundo a proprietária, a crise econômica é a maior responsável pela falta de inquilinos, mas a situação do local também atrapalha. "Todo locatário meu reclama desses problemas. Sempre que eu venho mostrar o imóvel a alguém, tenho que limpar tudo e lavar a frente para melhorar a impressão", afirma a dona.

Assistência

A Prefeitura do Recife informou que, nesta quarta-feira (29), às 14h, a Secretaria Executiva de Políticas sobre Drogas vai realizar uma visita à Praça Maciel Pinheiro com uma ação "baseada nos três pilares: cuidado, prevenção e reinserção". Segundo a PCR, isso significa a abordagem das equipes aos usuários de drogas para redução de danos, encaminhamento médico, psicológico e terapêutico, a depender da necessidade de cada usuário.

A administração municipal também esclareceu que mantém o Serviço Especializado em Abordagem Social de Rua (SEAS), que dispõe de sete equipes nos três turnos (cinco diurnas e duas noturnas). O serviço monitora as áreas das seis RPAs, incluindo a Praça Maciel Pinheiro, e trabalha com a sensibilização das pessoas, visando o resgate da cidadania e a retirada consensual.

Policiamento

Em nota, a Polícia Militar de Pernambuco informa que o policiamento no entorno da Praça Maciel Pinheiro é realizado, diariamente, por meio de Patrulhas do Bairro, motopatrulhamento e com o Grupo de Apoio Tático Itinerante (GATI) do 16º Batalhão. Além disso, também existe o monitoramento através das câmeras da Secretaria de Defesa Social. A nota informa ainda que vai intensificar o policiamento no local com abordagens a fim de verificar suspeitos e apreender armas ou qualquer material que cause dano a sociedade.

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