É inegável que a obra de engorda da orla de Jaboatão dos Guararapes trará muitos benefícios à cidade e aos moradores. Porém, é também inegável o direito dos pescadores de tirarem seu sustento daquelas praias. Uma coisa não deveria interferir na outra, mas é isso que está acontecendo. Pescadores estão perdendo tudo, ou melhor, estão perdendo a principal ferramenta de trabalho – os barcos – de onde tiravam tudo o que tinham para sustentar suas famílias.
Bem antes da obra de engorda começar, uma solução encontrada por gestões anteriores à do prefeito Elias Gomes para conter o avanço do mar foi criar um “arrecife” artificial na altura do bar Du´Maranhão, em Candeias. Neste trecho a intervenção funcionou e os banhistas passaram a ter uma praia mais calma, enquanto que os pescadores acharam seu refúgio contra a força da maré.
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Neste ano, quando foi iniciada a obra de engorda da faixa de areia da orla, o “arrecife” foi desmembrado e as ondas voltaram com toda a força. O que era refúgio virou uma arapuca para os barcos, que estavam tranquilamente ancorados no local e passaram a conviver com um mar buscando seu espaço novamente. “A gente sabia que isso ia acontecer e tentamos alertar os técnicos, mas não temos conhecimento o suficiente para convencê-los. Há algum tempo os pescadores já começaram a ser pegos de surpresa, perdendo apetrechos de pesca, motores e danos nas cabines”, afirmou Maria Aparecida, presidente da colônia de pescadores de Jaboatão dos Guararapes.
Houveram algumas reuniões entre pescadores e a empresa realizadora da obra, onde eram explicados alguns detalhes da mesma, mas, segundo os pescadores, não foi emitido nenhum alerta sobre o risco de naufrágio, o que começou a acontecer na semana passada. “O governo nos apresentou um relatório dizendo que ninguém pescava no período do inverno, o que é uma inverdade, e nos ofereceram um salário mínimo para o período da obra, o que não é suficiente, porque tiramos muito mais do que isso do mar”, disse Aparecida.
Desde a metade deste mês de setembro, as ondas começaram a chegar com ainda mais força e ao menos sete embarcações já foram jogadas contra a costa, ficando totalmente destruídas e deixando famílias sem ter de onde tirar o sustento. “Estou muito triste. Agora tenho que fazer alguma coisa... catar latinha ou outra coisa. Porque barco eu não tenho mais. Em questão de minutos deixei de ter e agora só trabalho com pesca se for como empregado. Não se compra um barco da noite para o dia. Foi com muito esforço”, lamentou Gilvan França, 38, dono da embarcação Leila II, destruído pela força no mar na noite dessa segunda-feira (23).
Por coincidência, quando o LeiaJá averiguava a situação denunciada pela colônia de pescadores, em Candeias, o prefeito da cidade Elias Gomes, caminhava pela praia e parou para conversar com pescadores e com a reportagem. “Primeiro será feito um laudo para verificar as causas, se foi razão natural mesmo ou teve interferência da obra. Com o laudo, vamos buscar soluções para estas questões emergenciais”, disse ele sem detalhar quando o documento estará pronto.
Sobre os prejuízos dos pescadores, o prefeito fez referência apenas à entrega de âncoras e um benefício do governo federal. “Já entregamos 10 âncoras e serão mais 44 até a próxima semana. Já existe uma linha do seguro desemprego para estes casos e vamos agilizar esse procedimento para que os pescador que teve sua renda suspensa possa ser amparado. Além disso, faremos uma linha de financiamento para renovação da frota e estruturação da atividade pesqueira no município”, afirmou Gomes, que governa a cidade há cinco anos, sem dar prazos.
Igreja - O LeiaJá está acompanhando de perto a obra de engorda das praias de Jaboatão dos Guararapes. Em agosto, duas reportagens denunciaram o descaso da prefeitura e da empresa que realiza a obra com a história do Brasil. Uma igreja de mais de 300 anos que ficava na praia está sendo enterrada sem nenhuma pesquisa e suas pedras, provavelmente trazidas do exterior no século 17, estão jogadas em uma rua ao lado do condomínio onde o governador Eduardo Campos costuma descansar.