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Transtorno de ansiedade faz vítimas em várias regiões do país. Foto: Chico Peixoto/LeiaJáImagens

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A ansiedade é um sentimento natural, parte do repertório de emoções do ser humano e na dose certa, tende a ser proveitosa por garantir até os dias atuais a sobrevivência da humanidade justamente por ativar o medo quando uma pessoa está em situação de alerta. Uma pessoa ansiosa pode estar doente quando o sentimento se torna um transtorno e causa limitações à vida dela. 

Pensamentos negativos constantes, fobia social, sensação de medo sem motivo real e preocupação em excesso com o futuro são algumas das características que podem indicar um distúrbio de ansiedade.  No corpo humano, a ansiedade é uma sensação decorrente da excessiva excitação do Sistema Nervoso Central consequente à interpretação de uma situação de perigo. É gerada uma descarga de um neurotransmissor chamado Noradrenalina, que é produzido nas suprarrenais, lócus cerúleos e núcleo amigdalóide.

Seja nos ambientes de trabalho, em conversas com os amigos, nos programas de televisão e até no cinema, o assunto se tornou constante nos últimos anos, principalmente entre os brasileiros. O país conhecido mundo afora pela alegria, samba no pé e bom futebol agora também é o mais ansioso do mundo. 

Um relatório divulgado em fevereiro de 2017 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre depressão e distúrbios de ansiedade colocou o Brasil em primeiro lugar entre as nações com maior percentual de pessoas com algum tipo de transtorno de ansiedade. De acordo com o levantamento, 9,3% da população sofre com a doença, cerca de 18 milhões de brasileiros. A porcentagem fica bem à frente de outras nações: nas Américas, quem chega mais perto do Brasil é o Paraguai, com uma taxa de 7,6%. Na Europa, a dianteira fica com Noruega (7,4%) e Holanda (6,4%).

Ranking dos dez países mais ansiosos do mundo:

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Fonte: Global Burden of Disease Study, 2015 - OMS (Organização Mundial da Saúde)

Ansiedade e medo são sentimentos normais que fazem parte de um mesmo espectro e surgem para que o ser humano se proteja de situações arriscadas com danos físicos e psíquicos. É o que destaca o psiquiatra Amaury Cantilino, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “O organismo produz esse sentimento para você se esquivar dos danos e se preocupar com algo que vai acontecer no futuro. É normal e essencial para a nossa sobrevivência. No entanto, se esse mecanismo que o nosso corpo tem para nos proteger funciona excessivamente, passa a ser prejudicial porque a pessoa ao invés de ser ajudada pela ‘ansiedade’ passa a ser atrapalhada”, explica o pesquisador. 

Cantilino chamou atenção para a condição patológica do sentimento. “A ansiedade pode atrapalhar o acometido de diversas formas. Ela provoca um sofrimento significativo, faz com que a pessoa se esquive de situações que ela deveria enfrentar. Os desafios parecem muito maiores do que a nossa capacidade de resolução porque a gente se imagina menor e amplia o tamanho dos problemas. A cabeça da pessoa ansiosa está constantemente diante de desafios insuperáveis e isso transforma o mundo em algo assustador”, complementa. 

Amaury indicou que não há um fator isolado para explicar a alta taxa de transtornos de ansiedade entre os brasileiros. Foto: Júlio Gomes/LeiaJáImagens

Ainda de acordo com a OMS, os transtornos de ansiedade atingem um total de 264 milhões de indivíduos no mundo, uma média de 3,6%. O que leva o Brasil a ter uma média de casos tão alta nos últimos anos ainda é uma discussão em andamento. Amaury indicou que não há um fator isolado para explicar a alta taxa de transtornos de ansiedade entre os brasileiros, mas os fatores socioeconômicos, como pobreza e desemprego, e o estilo de vida acelerado no país são possíveis causas desencadeadoras. 

Na análise do psiquiatra, a sociedade vive conectada em excesso em seus celulares e as pessoas estão sempre ‘plugadas’ para não perderem a informação. “Conflitos interpessoais são um dos grandes geradores da ansiedade. Seja no trabalho pela cobrança ou na família por uma série de inquietudes. Hoje, o excesso de demanda as quais as pessoas se submetem e a carga de tarefas muitas vezes são maiores do que a capacidade dela de aguentar. Não é que o ser humano não possa dar conta, ele até pode, mas não durante tanto tempo”, aponta Amaury.

Na visão de Nadège Herdy, psiquiatra da Rede de Hospitais São Camilo, a ansiedade já pode ser considerada como o mal do século. "A velocidade com que temos acesso à informação hoje e com que somos cobrados gera estresse, pressão, favorecendo a manifestação da ansiedade. Aliado a isso, nos grandes centros a população acaba se impondo a um número exagerado de demandas, pessoas ‘multitarefas’, que precisam dar conta de vários trabalhos, do trânsito, ter tempo com filhos. Situações estressantes seriam a desigualdade social, pobreza, desemprego, violência, além da preocupação financeira. Elas podem gerar tensão favorecendo a manifestação do transtorno", descreve a médica.

Cada transtorno de ansiedade tem sintomas e um tratamento diferente. São diversos distúrbios e elencamos os principais:

Fobias Específicas:  São medos irracionais e específicos de determinado objeto, animal, atividade ou situação. A fobia não apresenta necessariamente uma lógica para seu desenvolvimento. Geralmente é algo que não apresenta perigo real. São comuns a claustrofobia, aracnofobia, agorafobia (medo de ficar sozinho em lugares públicos), acrofobia (medo de altura) e outros.

Fobia Social: Este distúrbio causa extremo desconforto e pavor em situações sociais, como ambiente novos, festas, apresentações em público, reuniões, entre outras. O indivíduo sente mal estar, palpitações, suor excessivo, agitação do corpo, náuseas e medo.

Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG): Esse transtorno ocorre quando a ansiedade persiste por muito tempo e interfere nas atividades do dia a dia. O principal sintoma é preocupação excessiva, constante apreensão, tensão muscular e dificuldade para relaxar. 

Síndrome do Pânico: Este é um transtorno de ansiedade no qual ocorrem crises inesperadas de desespero e medo intenso de que algo ruim aconteça, mesmo que não haja motivo algum para isso. A possibilidade de acontecer os ataques de pânico provoca perda de controle e medo de enlouquecer ou ter um ataque do coração. Quem sofre do Transtorno de Pânico sofre crises de medo agudo de modo recorrente e inesperado. O organismo quando vai se preparar para a luta ou fuga, o coração acelera, a musculatura fica mais tensa e a pessoa vai precisar acumular oxigênio para lidar com a situação. Algumas pessoas podem ter esse tipo de reação sem nenhum risco iminente ou fator específico. 

Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC): Este é um distúrbio psiquiátrico de ansiedade. O indivíduo apresenta crises recorrentes de pensamentos obsessivos, intrusivos e comportamentos compulsivos e bastante repetitivos, como lavar as mães a cada uma hora, por exemplo. Alguns portadores dessa desordem acham que, se não agirem assim, algo terrível pode acontecer.



A psiquiatra Nadège Herdy destacou também que a incidência da ansiedade aumentou nos últimos anos e é um problema que impacta as pessoas de todas as idades, em especial adultos e jovens. Para ela, o aumento da prevalência de transtornos de ansiedade tem relação "provavelmente" com a velocidade em que recebemos informação e somos cobrados a oferecer informação. "A internet trouxe conhecimento e isso não tem volta nem deve ter, também trouxe benefícios imensuráveis, porém é uma fonte de pressão e estresse se pensarmos na velocidade, na possibilidade de nos comunicarmos com muitas pessoas ao mesmo tempo na quantidade de afazeres que acabamos acumulando", detalha. 

A pesquisadora alertou sobre possíveis diagnósticos em pessoas predispostas a ter ansiedade. "A ansiedade tem etiologia multifatorial, portanto pessoas geneticamente vulneráveis a desenvolver transtornos ansiosos, se expostas a situações estressantes ou traumas, poderão evoluir com quadro clínico de ansiedade. Por isso a importância de se falar mais sobre isso e, quem sabe, possibilitar que as pessoas elaborem maneiras de conviver com a velocidade de informação de forma mais saudável", diz a estudiosa. 

Não há, no Brasil, pesquisas empíricas especializadas em mapear as origens das ansiedades no país. Sabe-se, no entanto, que a saúde mental dos brasileiros não está nada bem. Um levantamento do 'Datafolha' divulgado em setembro de 2018 mostrou que 78% dos entrevistados estão desanimados com o país, 68% sentem raiva quando pensam no Brasil e 59% têm mais medo do futuro do que esperança. 

O médico psquiatra Amaury Cantilino, com 25 anos de carreira, percebeu a crescente demanda de pacientes em seu consultório. Ele exemplifica que as pessoas estão à procura do tratamento porque agora têm mais acesso à informação. "Antes, as pessoas tinham esses transtornos e viviam as suas realidades sem se tratar. Hoje, a sociedade não quer limitações e por isso busca as melhorias. Acredito que os diagnósticos aumentaram pela realidade turbulenta da atualidade, mas não dá para comparar com o passado porque pouco se falava sobre o assunto", indicou.

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“Isso é frescura. É coisa de gente sem serviço. Vai lavar uma louça que passa", são frases comumente utilizadas para se referir a pessoas diagnosticadas com doenças mentais.

 No mundo existem cerca de 700 milhões de pessoas com transtornos mentais, diz a OMS. Ao mesmo tempo em que os casos de ansiedade crescem nacionalmente, o preconceito contra os padecentes de transtornos e deficiências mentais não cessam.

 Em 2018, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) lançou uma campanha contra a 'psicofobia' para alertar as pessoas sobre o preconceito com o assunto. A resistência em procurar ajuda em saúde mental pode ser explicada, em parte, pelo preconceito contra as pessoas que têm transtornos. A psicofobia carrega uma herança de séculos de discriminação contra os doentes mentais ao longo da história.

Reportagem integra o especial “Ansiedade”. Produzido pelo LeiaJá, o trabalho jornalístico detalha como a doença afeta pessoas de todo o mundo, bem como mostra as formas de tratamento. Confira as demais matérias:

1 - 'Minha mente é um turbilhão de pensamentos irrefreáveis'

3 - Dependência tecnológica: ansiedade pode ser gatilho

4 - Depressão e ansiedade podem andar juntas

5 - Muito além do divã: tratamento clínico pode ser integrado

"Ser uma pessoa ansiosa é ser agitada”, diz jovem vítima de transtorno de ansiedade. Foto: Chico Peixoto/LeiaJáImagens

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Quem dera que as noites de sono fossem dignas de aliviar angústias assombrosas. Nem no anoitecer, quando corpo e mente padecem por descanso, há calma. Pesadelos parecem tão reais que impulsionam o corpo de volta à realidade e um turbilhão de pensamentos retorna à cabeça de quem vive temendo o futuro. O coração bate de maneira desesperada em um sinal de que um mar de preocupações afoga a mente paulatinamente, ao mesmo tempo em que a respiração ofegante revela que não existem mais sinais de calmaria.

É quase impossível controlar a mente. O futuro, por sua vez, torna-se um “monstro cruel”, envolto por preocupações sistemáticas, muitas vezes sem nenhuma explicação ou justificativa. Todos os dias, persistem medos excessivos do que há por vir, além de um nó na garganta peculiar. Choro, tremores. Dúvidas, mal-estar. Mais dúvidas, mais medo. Corpo e mente vomitam a ansiedade de Isa*.

Isa remexe o olhar. Suas mãos são extremamente inquietas. Os primeiros diálogos com a reportagem quase não têm pontos finais. Ela é intensa nas palavras, expressa como ninguém, por meio da face, cada sentimento descrito em suas frases. Seu corpo fala claramente, balançando de um lado para o outro como se ela estivesse sempre nervosa, talvez angustiada. Respira profundamente antes de organizar suas ideias que remetem à infância, perpassam pela juventude e desembocam em um presente não tão presente assim, já que sua cabeça não esquece o futuro. Como é possível ter tantas preocupações com situações que nem chegaram se concretizar? O que explica ela imaginar os piores cenários possíveis?

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Tais questionamentos são respondidos por Isa, uma jovem de 23 anos. Ela revela ser vítima de transtorno de ansiedade. O que ocasionou? Para ela, existem vários fatores, da infância à vida adulta. Frustrações, conflitos familiares, uma vida profissional marcada por incertezas e relacionamentos amorosos que findaram em lágrimas. Há uma série de situações, segundo ela, que pode explicar seus atritos psicológicos. Um passado que deixa cicatrizes e ainda é capaz de assombrar o futuro.

“Ser uma pessoa ansiosa é ser agitada, é não conseguir parar jamais a cabeça. Ser ansiosa é não conseguir parar onde estou. Não consigo parar no presente! Minha mente é um turbilhão de pensamentos irrefreáveis”, descreve a jovem.

Isa nasceu em uma cidade pacata marcada pelo conservadorismo. Município onde os moradores conhecem uns aos outros. De classe média, a garota teve a oportunidade de estudar em uma escola tradicional, onde construiu sua base de conteúdos estudantis, mas não moral. Ela não compactuava com alguns ideais impostos pelos educadores.

Nesse período, ainda criança, ela acredita que desenvolveu uma estranha atitude oriunda dos primeiros processos ansiosos que enfrenta até então. “Sempre roí muito as unhas, normalmente as pessoas quando estão ansiosas elas roem. Não consigo perceber o que me fazia isso. Depois que eu já tinha roído todas as minhas unhas, eu pedia para roer as dos adultos. Queria continuar repetindo aquele comportamento. Não consigo lembrar o que desencadeava isso”, conta.

Em dado momento, a face de Isa expressa revolta, ao contar detalhes da relação que tinha com o pai. Segundo ela, um homem autoritário, violento, defensor de suas próprias convicções, independente do que pensavam as pessoas ao seu redor. “Meu pai era violento, batia em mim, como uma coisa que ele entendia que era uma ferramenta de educação. Para ele era uma forma de correção. Era autoritário, extremamente rígido. Um homem muito bruto. Apesar de eu gostar dele, quando era mais nova, nunca respeitei meu pai, apenas tive medo. Toda obediência, tudo que sempre fiz para me manter na linha, foi por medo de porrada”, relata.

A jovem aponta a relação conflituosa com o pai como um dos fatores que ocasionaram ansiedade em sua vida. Além disso, revela inquietude na região onde nasceu, afirmando que as pessoas do local a vigiavam por ela pertencer a uma família tradicional. “Comecei a me sentir deslocada e desencontrada no lugar onde vivia. Estava em uma cidade do interior, um local conservador, machista, pequeno, onde as pessoas têm uma mentalidade diferente, todos se conhecem e todos falam a respeito de todo mundo. Todo mundo lá sabia quem eram meus familiares e eu, então qualquer coisa que eu fizesse poderia virar uma fofoca. Não demorei, quase nada, a querer ter liberdade, a ser mais crítica e pensar diferente do povo. Sempre tive o sonho, o plano e a ideia de sair de lá para um lugar mais desenvolvido, com mais horizonte. Me sentia vigiada, tolhida e com medo dos julgamentos”, descreve Isa.

Infeliz na região onde nasceu, Isa conseguiu, por meio da ajuda de familiares, passar alguns dias em uma cidade metropolitana. Foi onde começou a conhecer outras pessoas, desencadeando seu momento de liberdade tão esperado. Alegria à parte, foi nesse período, já na adolescência, que a garota entrou em um ciclo rebelde, quando seus maiores conflitos aconteciam com sua mãe. Elas não eram harmoniosas, muito menos compartilhavam das mesmas ideias. Discussões marcaram essa relação. “Me tornei uma adolescente muito rebelde”, conta.

Um dos conflitos entre mãe e filha aconteceu no momento em que Isa se preparava para prestar vestibular. A jovem optou por uma formação extremamente contestada pelos pais. De acordo com ela, sua mãe nunca aceitou a escolha e, diante da decisão de Isa, proferiu críticas.

Antes da chegada à universidade, no entanto, o momento de preparação para o vestibular também foi marcado por brigas entre mãe e filha, além dos primeiros sinais físicos de que a jovem sofria transtorno de ansiedade. Aos 17 anos, ela mudou-se de vez para a cidade grande, onde ingressou em cursos preparatórios para o processo seletivo. Isa lembra que sentia sérias dificuldades em algumas matérias, uma vez que não tinha familiaridade com essas áreas, porém, sua mãe, não aceitava o desempenho ruim. Dessa forma, as críticas e insatisfação da mãe foram atreladas à pressão pela aprovação no ensino.

“Não passei no vestibular na primeira seleção; me frustrei quando eu vi a nota.  Muitas coisas ruins vinham da minha mãe, ele me acusava que minhas dificuldades em certas matérias vinham da vagabundagem. Me sentia desestimulada, descartada, um zero à esquerda. Sinto que minha mãe nunca acreditou e não acredita em mim”, desabafa.

Apesar da reprovação e principalmente das críticas de sua mãe, Isa insistiu no sonho de passar em um curso bastante criticado pelos pais. Consequentemente, sua postura desencadeou uma pressão ainda maior durante os estudos, devido a uma rotina intensa que envolvia aulas e percursos consideráveis entre o curso e sua residência.

Certo dia, no curso onde estudava, enquanto aguardava em uma fila para ter um texto corrigido, Isa passou mal. “O primeiro sintoma da ansiedade que lembro claramente aconteceu quando eu estava em uma fila para correção de redação com uma amiga, quando, de repente, comecei a me sentir com tontura, falta de ar e tremor; meu coração disparou também. Comecei a tremer e a ficar nervosa. Estava ali vivendo a minha rotina e de repente tudo pipocou! Estava respirando, mas meu coração disparava. Meu corpo começou a reagir com tontura e perda gradual de visão. Tentava respirar fundo até passar. Fui parar em um pneumologista e cardiologista, porém acabei encaminhada para um psiquiatra e psicólogo, porque nada foi constatado. Tratava-se, então, de um problema psicológico”, conta a jovem.

Isa novamente prestou vestibular e foi aprovada. No entanto, a felicidade pela aprovação logo daria lugar a um dos momentos mais difíceis da sua vida. Na época, ela namorava um rapaz que, momentos depois do fim da prova, anunciou o fim do relacionamento.

 “Logo depois da prova do vestibular, ele terminou o namoro. Foi então que tive a minha primeira crise depressiva. Não conseguia minimamente sobreviver, era um zumbi chorão que não dormia, não comia, não fazia nada além de chorar. Sonhava com a criatura, só pensava nela. Não queria ver ninguém, meu coração acelerava. Quando batia a ansiedade, eu ficava nervosa, os pensamentos normalmente eram sobre ele. Eu tinha lembranças do passado e medo do futuro. Era uma sensação de que as coisas não poderiam melhorar”, relata Isa.

“As pessoas precisam entender que ansiedade e depressão caminham bem juntas. E quando você tem as duas é um verdadeiro inferno. Uma vez ouvi uma frase que descreve bem: ansiedade é quando você se importa com tudo e depressão é quando você se importa com nada”, acrescenta a jovem.

Em crise depressiva e ao mesmo tempo sofrendo ansiedade, Isa passou a fazer terapia psicológica e, posteriormente, recebeu atendimento psiquiátrico. Apesar das dificuldades, teve forças para entrar na universidade, fato que, em certa medida, aliviou parte da tristeza que enfrentava na época.

No período, Isa começou a namorar novamente. Apegou-se bastante ao novo relacionamento, mas, novamente, viu uma os vínculos findarem. Ela revela que os familiares do rapaz não gostavam dela por suas posições políticas e ideológicas, e mesmo cobrando uma imposição energética do companheiro, ele se mantinha submisso às opiniões alheias.

“A família dele nunca gostou de mim. Não era a moça bela, recatada do lar, que eles queriam. Me criticavam e ele não me defendia, por isso ficava ansiosa, nervosa, ficava chateada, brigava para ele ser mais energético. Teve um primeiro término que essa questão familiar”, revela Isa.

“Foi quando bateu, além de uma ansiedade gigantesca, a depressão mais pesada de todos. Na ansiedade, em meio a tudo que eu sentia, começaram sintomas que vieram para o corpo. Passei a mexer o meu corpo. Em outro impulso, simplesmente começava, na hora da agonia, a esfregar as unhas na pele. Se tornava ferida. Isso aconteceu quatro vezes, a ponto de rasgar a pele. Já cheguei a me morder. As mordidas deixaram marcas e dor”, conta, demonstrando tristeza.

De acordo com a jovem, o relacionamento foi restaurado. Porém, as obrigações da universidade também motivaram, segundo ela, a manutenção da ansiedade. “A faculdade, depois de um tempo, começou a ser um fator estressante. Demorar a estagiar, todo mundo começando e eu não, sensação de que as coisas não dariam certo. Só comigo que não acontece. Me questionava sobre a minha capacidade. Isso era desesperador”, relata Isa.

Em um ritmo intenso de estudos e afetada pelos efeitos da ansiedade, Isa atrelou à terapia um tratamento psiquiátrico. Por inúmeras vezes, foi vítima de crises ansiosas, as quais descrevem com detalhes: “Quando eu sentia que ia entrar em crise, o coração acelerava e a respiração começava a falhar. Então eu corria para o banheiro, não queria que ninguém percebesse. Apesar do meu processo terapeuta, a ansiedade parecia que não era contida. Não conseguia responder aos meus trabalhos, não conseguia dar conta”.

Ela revela, ainda, que seus problemas psicológicos foram intensificados após mais um término do namoro, desta vez de maneira definitiva. Isa diz que foi um dos momentos mais difíceis da sua vida. Nesse período, sentiu que sua autoestima foi fortemente abalada. “A minha autoestima sempre foi terrível com tudo. Impactou bastante nas minhas relações amorosas. Me sino indigna de ser amada, porque me esforcei muito para que desse certo. Para mim, fui uma ótima namorada para todo mundo que passou pela minha vida. Nunca me achei bonita”, desabafa. “Tenho a sensação de que há algo de errado comido, porque não dou certo com ninguém. Me sinto como se tivesse dedo podre. Mesmo quando eu tenho alguém que parece ser legal, por mais que eu tente acaba não dando certo”, completa Isa.

Isa é resistência. Sofre, cai, mas levanta-se diante da ansiedade. É uma caminhada rumo à recuperação, mesmo a passos difíceis. Ela encara as suas frustrações e medo. Com a ajuda de amigos e especialistas, luta pela saúde.

Isa confessa, no entanto, que é difícil batalhar contra os efeitos da ansiedade – na mente e no corpo -. “Uma pessoa que tem ansiedade ela nunca se prende apenas no presente. Quando estou muito ansiosa, às vezes me pego andando a esmo sem razão alguma. Mesmo sem ter nada para fazer, fico tão inquieta que saio do quarto para a sala, da sala para cozinha, da cozinha de volta para o quarto. Parece que estou procurando o que fazer, mas eu simplesmente não tenho. Minha mente é um turbilhão de pensamentos irrefreáveis. Tenho dificuldade para dormir, o sono é agitado. Às vezes tenho pesadelos e acordo no meio da noite”, descreve.

“O que descreve melhor o turbilhão da minha mente e do meu corpo: ser ansiosa é não conseguir parar onde estou. Não consigo parar no presente. Quem é ansioso se importa o tempo todo e com tudo. Não consegue parar de ter cobranças, está sempre pensando no que pode acontecer. Você pensa no passado. Você pensa no que deixou de fazer. Você não consegue parar de imaginar mil cenários e hipóteses. Não para de pensar como deveria fazer as coisas da sua vida ou como as pessoas estão interpretando as coisas que acontecem com você. Sua cabeça te joga para frente e para trás”, diz, em um ritmo acelerado.

Antes do ponto do final do relato, uma singela pergunta para Isa: O que você espera do futuro? Ela responde: “Essa pergunta me causa ansiedade”.

*Nome fictício

Reportagem integra o especial “Ansiedade”. Produzido pelo LeiaJá, o trabalho jornalístico detalha como a doença afeta pessoas de todo o mundo, bem como mostra as formas de tratamento. Confira as demais matérias:

2 - Os brasileiros são os mais ansiosos do mundo

3 - Dependência tecnológica: ansiedade pode ser gatilho

4 - Depressão e ansiedade podem andar juntas

5 - Muito além do divã: tratamento clínico pode ser integrado

Com uma abordagem aprofundada sobre o transtorno, o LeiaJá publica, neste domingo (30), o especial “Ansiedade”. Reportagens multimídia detalham a definição, tipos, histórias e tratamento da doença, por meio de entrevistas com vítimas e especialistas da psiquiatria e da psicologia.

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A primeira reportagem, “Minha mente é um turbilhão de pensamentos irrefreáveis”, descreve a história e o cotidiano de uma vítima do transtorno de ansiedade. A segunda matéria, intitulada “Os brasileiros são os mais ansiosos do mundo”, aponta dados, as causas e tipos da doença.

Na terceira reportagem, “Dependência tecnológica: ansiedade pode ser gatilho”, o LeiaJá mostra como a ansiedade tende a ser o transtorno de origem do uso desenfreado das novas ferramentas digitais. A quarta matéria, “Depressão e ansiedade podem andar juntas”, revela como um processo ansioso pode ser uma ponte para uma crise depressiva.

Por fim, na quinta e última reportagem, LeiaJá explica, em “Muito além do divã: tratamento clínico pode ser integrado”, as formas de tratamento contra os tipos de ansiedade. Os autores das reportagens são os jornalistas Nathan Santos, Marília Parente e Eduarda Esteves; os repórteres fotográficos são Chico Peixoto e Júlio Gomes; o cinegrafista é Roberto Varela; a edição de vídeos é de Danillo Campelo; e as artes são de autoria do designer João de Lima. Convidamos nossos leitores à leitura de todo o conteúdo. Confira a seguir as reportagens do especial “Ansiedade”:

1 - Minha mente é um turbilhão de pensamentos irrefreáveis

2 - Os brasileiros são os mais ansiosos do mundo

3 - Dependência tecnológica: ansiedade pode ser gatilho

4 - Depressão e ansiedade podem andar juntas

5 - Muito além do divã: tratamento clínico pode ser integrado

Dependência tecnológica se caracteriza pela perda de controle na utilização das ferramentas. Foto: Chico Peixoto/LeiaJáImagens

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A rotina já estava insustentável quando a jornalista Tallita Marques precisou ser socorrida e encaminhada às pressas para o hospital. Ela foi vítima de uma forte crise asmática, desencadeada por três meses de ansiedade e estresse. “Trabalhava em uma TV e dava aulas em uma instituição de ensino. Deixei as duas ocupações para abrir um café com meu marido e acabei ficando com a parte de comunicação da empresa. Criamos um grupo no WhatsApp com outros cafés para organizar um grande evento coletivo, comecei a passar o dia no WhatsApp”, lembra.

Celular sempre em mãos, irritação constante e dificuldade de dormir. Em contato contínuo com a imprensa, possíveis patrocinadores e outros empresários, Tallita desenvolveu o que psiquiatras e cientistas definem como nomofobia, a dependência em celular. O uso compulsivo dos aparelhos móveis é um dos tipos de dependência tecnológica, guarda-chuva que inclui ainda o vício em jogos digitais e em internet. Geralmente associadas a um transtorno primário, tais doenças podem ter origem na ansiedade. 

“Identifiquei que tinha ansiedade em 2003, aos 22 anos, quando estava na faculdade, estagiando em uma rádio e no Cremepe (Conselho Regional de Medicina de Pernambuco), onde um médico me deu um diagnóstico de princípio de anorexia nervosa. Eu corria de um canto para outro, sentia fome, mas quando dava vontade de comer, começava a vomitar”, lembra Tallita. Após perder seis quilos, ela seguiu as recomendações médicas e passou a tomar o remédio receitado. “Comecei a diminuir meu ritmo de vida e aquilo se controlou. Em 2017, veio o primeiro evento das cafeterias e eu senti que estava caminhando novamente para esse tipo de problema”, lamenta. Para Tallita, foi o uso excessivo do Whatsapp que desencadeou a crise respiratória responsável por seu internamento. “Antes, com o telefone, você não conseguia falar com muitas pessoas ao mesmo tempo. No WhatsApp, você fala com muitas simultaneamente e todas querendo uma resposta urgente, o que gera uma grande pressão psicológica para responder rápido”, coloca.

Tallita foi encaminhada ao hospital com uma crise respiratória, decorrente da ansiedade. Foto: Chico Peixoto/LeiaJáImagens

De acordo com relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), em 2015, o Brasil chegou a ter 120 milhões de pessoas conectadas à internet, o quarto maior volume do mundo. Um levantamento do Mobile Ecosystem Forum (MEF) aponta que a nação é o segundo país que mais usa o WhatsApp. Diante de tais informações, não chega ser impressionante a conclusão do estudo promovido pela Statista Digital Market no ano de 2016, cujo resultado aponta que os brasileiros constituem o povo a gastar a maior média de tempo do mundo nos smartphones: 4 horas e 48 minutos por dia.

“O problema não é a tecnologia, mas como as pessoas se relacionam com ela. O que a gente chama de uso consciente, basicamente, é aquele que não atrapalha a vida do usuário. Existe também o uso abusivo, em que o virtual atrapalha o real, mas não há perda de controle, diferente do acontece com quem uso abusivo dependente da tecnologia”, explica Eduardo Guedes, pesquisador do Laboratório de Pânico e Respiração do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - LABPR/IPUB - e membro do Instituto Delete, primeira empresa do Brasil especializada em “detox digital”. 

Segundo Eduardo, pelo menos cinco indícios apontam a perda de controle do usuário com a ferramenta tecnológica, configurando a dependência. Ele destaca a constante sensação de segurança e prazer (o usuário confere constantemente quantas ‘curtidas’ recebeu), a relevância da tecnologia na vida do indivíduo (usuário leva o celular para o banheiro ou dorme ao seu lado) e a tolerância à ausência da ferramenta, inclusive afirmando serem comuns os relatos de pessoas que se recusam a frequentarem lugares sem internet disponível, por exemplo. “Há ainda a abstinência, caso se, sem a ferramenta, o usuário se sinta triste, angustiado ou irritado, além da existência de conflitos diretos e indiretos como, por exemplo, perda de rendimento no trabalho ou brigas constantes com cônjuge”, acrescenta o pesquisador.

Tallita estabeleceu um horário para conferir as mensagens no celular. Foto: Chico Peixoto/LeiaJáImagens

Com o celular invariavelmente ao lado da cama, Tallita sentia dificuldade para dormir, acordando várias vezes na mesma noite. “Nessa época, eu identifiquei que estava tendo problemas com meu marido, porque eu ficava estressada e irritada, além de ter colocado o evento que estava produzindo como prioridade. Como eu recebia e-mails e notificações durante a madrugada, desabilitei algumas funções, respirei e disse: ‘não quero isso pra mim’”, lembra. Àquela altura, Tallita já havia compreendido que o cansaço constante havia evoluído para um quadro de dispneia suspirosa, responsável pela sensação de fôlego curto que a levou ao hospital. “Foi quando fiz uma postagem nas redes sociais, estabelecendo um horário para responder as mensagens: entre nove da manhã e nove da noite, o que ainda era muito, mas fez grande diferença”, coloca.  

Depois de precisar ficar afastada do trabalho devido ao período de internação, Tallita acredita que os profissionais da área de comunicação são extremamente suscetíveis à dependência tecnológica. “O smartphone nos dá a possibilidade de ter uma boa câmera, gravar áudio e produzir vídeos, além de fazer uma publicação imediatamente”, comenta. Segundo aponta a pesquisa “Prevalência dos transtornos de ansiedade como causa de afastamento de trabalhadores”, da Universidade Federal do Piauí (UFPI), contudo, a maior parte dos trabalhadores afastados por ansiedade ganha entre um e dois salários mínimos, sendo principalmente composta por mulheres residentes em áreas urbanas, com idade entre 22 e 45 anos. O estudo conclui que a associação entre baixa renda e ansiedade se dá em decorrência da carência de recursos financeiros para as condições gerais de saúde “e, essencialmente, na saúde mental". "Desse modo, a baixa renda relaciona-se ao elevado índice de transtornos mentais que surgem em decorrência da redução do poder, insegurança e cumprimento de papéis sociais, dentre outros fatores”, acrescenta a análise.

 

“Nossa sociedade não tem como abolir o uso do celular, mas saí de muitos grupos e passei a usar menos, quando delimitei o tempo de trabalho. O WhatsApp faz você viver numa sociedade que está ali num campo que não é físico, você conversa com várias pessoas, mas está sozinho numa sala. Melhor viver a vida real, o que é tangível”, argumenta Tallita.

A psicóloga doutora em saúde mental e professora da pós-graduação do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, Anna Lucia King, esclarece o porquê de a ansiedade ser definida como, ao invés de causa, possível transtorno primário da dependência tecnológica. “As tecnologias são um canal de representação do que já existe na pessoa. Não é a dependência que tratamos, mas o transtorno de origem: ansiedade, depressão e compulsão, por exemplo”, explica. A pesquisadora destaca ainda os prejuízos à postura que podem ser causados pelo uso abusivo do celular. “As pessoas baixam o pescoço, em média, cem vezes por dia, então o pescoço se projeta para frente, o que acaba causando problemas na coluna cervical. Também são comuns problemas na visão e nas articulações”, alerta.

Tallita Marques fala sobre seu processo de dependência com o celular:

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Para Hermano Tavares, afiliado à Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), doutor em psiquiatria pela Universidade de São Paulo (USP) e fundador do ambulatório integrado que trata pelo menos dez condições diferentes de perda de controle, é preciso esclarecer que a dependência tecnológica é um campo que inclui diversas síndromes. “A gente pode estar falando de internet, celular ou videogame, por exemplo. Quem é viciado em tabaco, não necessariamente é em fumo. É importante frisar que a diferença é que, se você vai tratar alguém para tabaco, em geral, a meta é não fumar nunca mais. No caso, do uso da tecnologia, fica cada vez mais difícil, se não impossível”, coloca.

Assim, o Dr. Hermano Tavares defende que o tratamento consista em identificar os contextos em que o uso da tecnologia é desejável, para que a relação do indivíduo com as ferramentas seja transformada e regrada. Primeiro, o paciente passa por uma avaliação psiquiátrica e psicológica, em que o diagnóstico é confirmado. “Depois, é feita outra avaliação mais ampla, para verificação da associação de outros transtornos que podem estar acontecendo conjuntamente e isso ocorre numa proporção variável”, explica o pesquisador. Posteriormente, são tratadas as condições psiquiátricas associadas e a questão da tecnologia, esta última, a partir de grupos psicoterápicos de orientação cognitiva comportamental, uma abordagem focada nos sistemas de significados criados pelos pacientes, que influenciam suas emoções e comportamentos. “É preciso identificar os contextos em que o uso da tecnologia é desejável e pode acontecer dentro de um melhor controle. A proposta não é acabar com a relação da pessoa com a ferramenta, mas fazer com que ele pare de se apoiar nela como uma forma de promover regulação de humor”, destaca.

1- Bom senso para que o uso não se torne abuso no cotidiano; 

2- Fique atento às consequências físicas (como privação de sono, dores na coluna, problemas de visão) e psicológicas (como depressão, angústia, ansiedade) devido ao uso abusivo;

3- Dose a prática de uso de tecnologias no cotidiano. Verifique se seu desempenho acadêmico ou no trabalho estão sendo prejudicados;

4- Reflita sobre seus hábitos cotidianos e faça diferente;

5- Não troque atividades ao ar livre para ficar conectado; 

6- Prefira uma vida social real à virtual, escolhendo relacionamentos/amizades reais ao invés de virtuais;

7- Pratique exercícios físicos regularmente/Faça intervalos regulares durante o uso das tecnologias;

8- Não abale o seu humor com publicações virtuais/não acredite em tudo o que é postado;

9- Valorize suas relações familiares;

10- Pense no meio ambiente, recicle os aparelhos e evite a troca frequente sem necessidade.

Fonte: Instituto Delete

Reportagem integra o especial “Ansiedade”. Produzido pelo LeiaJá, o trabalho jornalístico detalha como a doença afeta pessoas de todo o mundo, bem como mostra as formas de tratamento. Confira as demais matérias:

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