No Recife, o brega é muito mais que um gênero musical, é um movimento. Na capital pernambucana, as pessoas que gostam e sobretudo as que fazem brega o defendem com unhas e dentes e por isso o ritmo acabou reconhecido como expressão cultural pernambucana. O reconhecimento se deu, há muito tempo, pelo público, e em 2017, pela Lei n° 16.044/2017, para não haver mais dúvidasMas, apesar de todo o reconhecimento e prestígio entre os seus, o brega precisa enfrentar constantemente o preconceito e, consequentemente, algumas limitações que advêm dele. Sendo uma expressão originária das periferias, costuma-se relegar o ritmo à uma categoria secundária e ‘popularesca’. Meses após a aprovação da lei, o então secretário de Cultura, Marcelino Granja, garantiu que essa não mudaria as políticas culturais locais e que o gênero não seria incluído em grandes ciclos festivais.No Carnaval, a presença do brega nos palcos principais da festa tem sido um constante questionamento. O Recife se orgulha em promover uma programação multicultural, com atrações dos mais diversos estilos como pop e rock, porém, essa expressão, tão pernambucana quanto o frevo, continua sendo pouco contemplada nas grades. Em 2019, apenas alguns artistas foram habilitados, pela convocação do Estado, entre eles Michelle Melo e Sheldon Ferrer.EsperançaPorém, uma luz no fim do túnel se acendeu quando foram divulgados detalhes do espetáculo de abertura do Carnaval deste ano. Intitulado O Carnaval de Todo Mundo, o show - dirigido por Dielson Pessoa e César Michiles -, vai reservar um bloco inteiro para homenagear o brega, chamado Festa na Periferia. Nele, artistas importantes do segmento subirão ao palco, entre eles Priscila Senna, Victor Santos, Michelle Melo e Kelvis Duran. Os dois últimos, falaram com exclusividade ao LeiaJá sobre esse momento pelo qual passa o movimento.Para Kelvis Duran, o \'príncipe do brega\', o \"paradigma de só tocar frevo no Carnaval foi quebrado de um tempo para cá\" e o que importa mesmo, em qualquer evento, é haver a música que \"toca\" as pessoas. Ele também reconhece as barreiras que o brega precisaram ultrapassar: \"Qualquer ritmo que nasce na periferia rotulam como música de favelado, por isso havia um certo preconceito, mas quando a música fala de amor, não existe divisão de classe e eu sabia que mais cedo ou mais tarde esse muro iria ser derrubado\".Para o \'príncipe\', qualquer ritmo pode ganhar um tom carnavalesco e se integrar à festa perfeitamente: \"O meu brega pode se transformar num frevo no Carnaval, a música se transforma e em qualquer evento podemos estar presentes\". Kelvis celebra sua participação e a do brega na abertura oficial do Carnaval 2019: \"Vai ter milhares de pessoas de vários países que nunca ouviram uma apresentação do Kelvis Duran e eu vou estar lá, com certeza significa muito pra mim. É muito importante\".Já Michelle Melo, outra integrante da realeza do brega, faz questão de falar sobre a importância do reconhecimento que o ritmo alcançou. \"Foi mais do que merecido porque o próprio dicionário determina que cultura significa um costume de um povo, de um local, e o brega há anos faz parte do cotidiano dos recifenses e do pernambucano no geral, então nada mais correto que o brega ser reconhecido como cultura\".Para ela, a pouca presença de artistas do segmento em grandes ciclos festivos tem motivos burocráticos: \"Existem umas burocracias que as bandas precisam ter. Uma instituição só pode funcionar com diretrizes, então se a gente não respeita essas diretrizes, a gente não pode cobrar. As próprias bandas precisam entender a importância de documentos porque a gente não pode reivindicar enquanto não estivermos totalmente corretos\", pondera a cantora.Michelle também estará no grande espetáculo de abertura do Carnaval 2019 e diz achar mais do que justo, uma vez que o brega é o ritmo que durante todo o ano gera empregos e diversão aos pernambucanos: \"Esta é uma grande conquista, agradeço a César Michiles, a todos os músicos envolvidos, e a abertura do Governo do Estado pra fazer essa homenagem reconhecendo assim a importância do brega para o Estado\".A \'Galega\', como também é chamada pelos fãs, vê nesse momento uma grande oportunidade para ela e para todos que amam o movimento, que segundo ela, \"tem alcançado espaço por mérito próprio, sem ajuda de ninguém, o mérito é da música popular\". E relembra um outro membro da realeza do brega para enaltecer o acontecimento, o Rei: \"Eu vejo isso como o início de uma grande história, o início de um respeito com o trabalho que eu tanto amo; e eu queria muito que Reginaldo Rossi estivesse aqui presente pra ver tudo que está acontecendo\". Em tempoDesde 2018, uma das vertentes do brega, o brega-funk, vem abrindo espaço dentro do Carnaval do Recife. Um dos palcos da folia, o Rec Beat, escalou naquele ano o MC Tocha para uma de suas noites. Em 2019, a façanha se repete com o show da dupla Shevchenko e Elloco. Em seu Instagram, o festival falou sobre a escalação dos representantes do segmento. “O Rec-Beat sempre deu espaço para o brega e observa o ritmo como uma legítima expressão da cultura musical de Pernambuco. O brega é patrimônio cultural de Pernambuco e merece todo nosso respeito”. O LeiaJá procurou alguns artistas dessa vertente para repercutir sua inserção na festa momesca mas não teve resposta até o fechamento dessa matéria. Fotos: Reprodução/Instagram