Quaresma de 2013, cidade do Vaticano. Bento XVI renuncia, cardeais se reúnem e elegem Francisco. Em pouco mais de um mês, por coincidência ou providência divina, a depender de quem analisa os fatos, a Igreja Católica passou por mudanças que despertam a atenção porque, no calendário cristão, é justamente nesses quarenta dias que antecedem a Páscoa que os fiéis são convidados à conversão.
Eleição do Papa Francisco gera expectativa de mudanças na Igreja
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Segundo o catecismo da Igreja Católica, a conversão é um ato individual de reconciliação com Deus que deve "ressoar continuamente no coração dos batizados" e refletir na vida das comunidades. E é neste sentido que o arcebispo metropolitano de Olinda e Recife, Dom Fernando Saburido, espera que a Igreja caminhe. "As mudanças devem começar prioritariamente em cada um de nossos corações. E assim esperamos um maior comprometimento com a fé, testemunhada na convivência comunitária e nas nossas ações pastorais", salientou o arcebispo.
As denúncias de padres envolvidos com pedofilia, brigas pelo poder dentro da Cúria Romana e problemas no banco do Vaticano foram alguns dos pontos levantados por críticos para apontar uma possível crise na Igreja. Mas, para a religiosa e teóloga Irmã Silde Coldebella, ao considerar os escritos da Bíblia e a história da instituição, é possível reconhecer que turbulências sempre existiram. "O grupo de Jesus passou por momentos difíceis. No tempo dele, os discípulos mandaram perguntar para Maria quem sentaria dos lados esquerdo e direito de seu filho. Essa disputa de poder, por exemplo, sempre aconteceu. Mas não podemos deixar de reconhecer que os problemas estão mais intensos. Inclusive, durante esses últimos dias, diversos cardeais deram entrevistas falando da necessidade de reformas", destacou.
O Concílio Vaticano II, que completa 50 anos em 2013, foi a última das grandes transformações realizadas ao longo da história da Igreja. Para a irmã Silde, ele significou uma das mais importantes "intuições do Espírito" que trouxe contribuições ainda não assimiladas por toda a Igreja. "Francisco deu uma grande demonstração de que devemos mudar. Nesses dias, ele chegou em uma capela privada do Vaticano e pediu que o altar ficasse voltado para o povo, uma das orientações desse documento, mas que não era praticada. O Papa tem demonstrado que devemos nos voltar para a nobre simplicidade, no caso da liturgia, por exemplo", considerou.
Para Saburido, a expectativa de mudança para a Igreja não é entendida como algo que acontece no tempo e vontade desejados pelo ser humano, mas segundo os desígnios de Deus. "Quem guia é o Espírito Santo. No caso da eleição do Santo Padre, todo mundo especulava quem seria. Já falavam vários nomes. Mas, de forma surpreendente, Deus nos apresentou Francisco", disse.
O Papa e o povo
Arcebispo acredita que catequese evite a evasão de fiéis
Segundo uma recente pesquisa do Instituto Pew Research Center sobre religiões, são quase 1,2 bilhão de fiéis católicos em todo o mundo e mais de 40% desses estão na América Latina. Mesmo sendo o território em que a Igreja Católica tem predominância, (um em cada quatro diz fazer parte da religião) houve um crescente aumento de seguidores dos movimentos pentecostais e neopentecostais, principalmente no Brasil, nas últimas décadas.
Para Dom Fernando, esse avanço se deu porque, durante um determinado período de tempo, as novidades chamaram a atenção de um grupo da população, mas, aos poucos, o abandono à instituição tem sido menor. "Percebemos que a formação, com uma catequese de qualidade, tem proporcionado uma maior convicção da fé em Cristo, por meio da Igreja. O Papa Bento XVI, por exemplo, lançou o Youcat, uma versão do catecismo para a juventude, faixa etária que precisa de subsídios para o seguimento sólido a Deus", reforçou.
Em 2007, durante a visita do Papa Bento XVI ao Brasil, bispos se reuniram na Conferência Episcopal Latino-Americana e elaboraram o Documento de Aparecida, em referência à cidade do interior de São Paulo onde foi produzido. Nele, a Igreja tenta reverter o quadro de perda de fiéis e traz orientações para uma nova ação evangelizadora, com destaque para as comunidades eclesiais de base que são uma forma diferenciada da estrutura atual da Igreja, formada por paróquias.
Nesse modelo, a Irmã Coldebella acredita que essa situação de conforto, em que os fiéis deixam apenas a condução da instituição nas mãos dos padres e bispos, possa acabar. "Precisamos deixar de ser clericais. É necessário que todos tenham consciência e assumam a responsabilidade pela vida da Igreja", afirmou.
Ela acredita ainda que o novo Papa venha impulsionar esse tipo de atitude. "Ao optar por Francisco, o Santo Padre assume um programa de vida, uma proposta para a conversão para os mais humildes. É uma oportunidade para lembrarmos que devemos 'rasgar' os corações e seguir o chamado de Jesus", considerou a freira.
As novas gerações da Igreja
Ainda não é possível traçar os caminhos que o novo Papa vai trilhar. Mas os primeiros sinais já despertam a atenção dos fiéis, entre eles, o estudante do terceiro ano de filosofia e seminarista José Vila Nova. Ele considera que não haverá mudanças drásticas, mas que Francisco deixará seu legado. "Na vida da Igreja, cada papa imprimiu a sua marca. E nós acreditamos que um vem arar para o outro plantar, ou um vem plantar para o outro colher, dando bases para uma progressão. E a prova de que não há ruptura e sim continuidade foi a atitude de Francisco. Ele, logo no início do pontificado, pediu orações ao seu predecessor", destacou o seminarista.
Dentro de alguns anos, Vila Nova será ordenado padre
Vila Nova, que dentro de alguns anos será ordenado padre, espera que as novas gerações sejam mais fiéis aos ensinamentos de Cristo. "Em alguns momentos, ficamos muito ligados aos aspectos institucionais, mas precisamos nos converter, dar testemunhos de coerência com o Evangelho, sendo homens proféticos, fazendo o que Deus nos pede", acrescentou.
Atualmente, Vila Nova faz parte de um grupo de 70 rapazes que se preparam no Seminário de Olinda para a vida dedicada ao serviço religioso. Para Dom Fernando, esse número, junto com o atual clero, não vai suprir a necessidade de pastores para conduzir a população do território da Arquidiocese, que engloba 20 municípios da região metropolitana. "Não podemos reclamar. Deus nos tem oferecido vocações e isso desmente alguns críticos que dizem que não há mais interesse dos jovens pelo sacerdócio ou pela vida consagrada, no caso das mulheres", disse.
Questionado sobre a possibilidade de ordenação feminina, Saburido não se mostrou contrário, mas afirmou que isso depende de reflexão. "Esse tema, assim como outros, sempre volta à tona. E com diálogo, no momento adequado, isso pode acontecer", explicou o arcebispo, destacando que, atualmente, homens casados já recebem ordenação diaconal e dão apoio às paróquias, realizando celebrações de alguns sacramentos.