De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), menos de 1% das cadeiras da Câmara dos Deputados são ocupadas por mulheres negras, que, no parlamento, somam apenas sete representantes. Com o objetivo de mudar a realidade de subrepresentação desta população na política institucional, o Fórum Nordeste Mulheres Negras e Poder reuniu mais de 100 inscritas, das quais setenta, oriundas de toda a região Nordeste, são pré-candidatas. Em sua primeira edição, o evento, encerrado neste sábado (8), é fruto de uma articulação entre a Casa da Mulher do Nordeste, Centro das Mulheres do Cabo e Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste, em parceria com a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e Rede de Mulheres Negras do Nordeste, com o apoio do Fundo Mujeres Del Sur.
Para Piedade Marques, membra da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e uma das organizadoras do evento, o principal desafio enfrentado pelas pré-candidatas negras no período que antecipa a confirmação dos quadros que disputarão as eleições, é a superação do machismo e do racismo nos próprios partidos a que elas estão filiadas. “Tem várias aqui que nem sabem ainda se serão candidatas, porque as convenções dos partidos ainda vão acontecer, assim como as negociações internas. Todas essas mulheres estão em disputa para não serem apenas a cota obrigatória aos homens”, afirma. Acontece que a Lei 9.504/1997, obriga cada partido ou coligação a reservar pelo menos 30% de suas vagas para as candidaturas de mulheres e o máximo de 70% para candidaturas de cada “sexo”.
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Marques ressalta, contudo, as tendências que considera positivas na articulação entre as mulheres pré-candidatas. “Algumas das novidades para essa próxima eleição serão as candidaturas coletivas, as que conheço são todas compostas por mulheres”, acrescenta.
Conheça algumas das mulheres negras que podem se destacar nas eleições de 2020:
Zilda Marina Alves de Souza (PSB), pré-candidata a vereadora de Ilha das Flores (SE)
“Sou militante, negra e milito com mulheres da minha comunidade, negras, quilombolas, indígenas e mulheres das águas. Já fui candidata uma vez na eleição passada e não ganhei. Agora vamos trabalhar com as mulheres para ver se conseguimos nos agregar àquelas que ocupam as câmaras de vereadores e assembleias, porque as nossas cadeiras estão vazias. Na minha cidade, só há uma mulher na câmara, muito pouco para buscar apoio para as muitas que lutam na base”.
Ana Paula da Silva (Psol), pré-candidata a vereadora de Jupi (PE)
“Acho que temos que disputar o poder e, para nós, essa disputa começa localmente. É um grande desafio, devido à questão financeira e as articulações que precisamos construir, porque hoje na minha cidade são nove vereadores, não há nenhuma mulher nos representando”.
Antonia di Maria Guilherme dos Santos (Psol), pré-candidata a prefeita de União (PI)
“Meu município tem quase 160 anos e até agora foi administrado apenas por homens. Apenas uma mulher ousou ser candidata, nos anos 1980, mas teve uma votação pequena. Eu fui candidata a vereadora duas vezes, tive uma boa votação e estou tendo um certo apoio para me candidatar. A questão da compra de voto talvez seja o maior desafio, pois a cidade sempre é governada por apenas dois grupos políticos que se revezam no poder, trocando votos por remédio, passagem e até por laqueadura de mulheres. Temos que entrar com a cara e a coragem, inserindo a juventude, as mulheres e a comunidade de uma forma geral. Política não tem preço, tem consequência, a gente está em um momento em que temos que levantar a voz e mudar essa sociedade”.
Lucilia Moura Santos (PT), pré-candidata a vereadora de Quixabeira (BA)
“Já sou vereadora e sofro muita violência psicológica na câmara, por ser mulher, negra, neta de escrava e quilombola. Escuto que sou louca e pobre. É o maior desafio disputar espaço entre sete homens, somos apenas duas mulheres na vereança e queremos discutir políticas que nunca são aprovadas, como a Secretaria da Mulher e o Conselho da Mulher. Para muitos vereadores, se é ‘coisa de mulher’ não pode ser votado. Minha comunidade tem 1,5 mil pessoas e sofre muito preconceito. A cidade tem 10 mil. Esse evento é riquíssimo e nele podemos trocar experiências. É muito importante quando a gente se une, somos mais fortes e precisamos das mulheres que acreditam em nosso perfil para nos elegermos”.
Maria Leônia (PT), pré-candidata a vereadora de Massaranduba (PB)
“Estou presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, componho a direção do Movimento de Mulheres Trabalhadoras da Paraíba (MMT-PB) e do Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste (MMTR). A gente vive um contexto bem complexo, bem difícil, tanto que as pessoas estão descrentes na própria política, então muita gente do movimento social não acredita, nem querem ocupar esse espaço. O legislativo do meu município é bastante difícil, composto por pessoas descomprometidas com os agricultores e com as mulheres agricultoras. O atual prefeito fechou e derrubou dez escolas no campo, o que afetou diretamente as mulheres, porque essas crianças e esses jovens vão estudar na cidade e elas precisam acompanhá-los. Vamos lutar para reabrir as escolas e criar uma Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres.
Rayane Almeida (PT), pré-candidata a vereadora na cidade de Olinda (PE)
Sou cria do movimento estudantil e, aos 18 anos, me filiei ao PT, atuando na setorial de Mulheres e Racismo. Saindo do Movimento Estudantil, lanço meu corpo para esta candidatura, como já trabalhei em outras no passado, mas acredito que a juventude tem que assumir essa responsabilidade histórica. A câmara municipal de Olinda tem 17 vereadores, todos reeleitos. A câmara que nunca vai funcionar enquanto tiver as mesmas pessoas nos mesmos lugares. Aqui na cidade, as mulheres negras são abandonadas, a gente tem um dos hospitais que mais praticam violência obstétrica, sofrida pelas mulheres periféricas. Não existe uma política de construção de profissionalização e saúde pública para mulheres”.
Fotos: Júlio Gomes/LeiaJá Imagens