Disputando o cargo de presidente da República pela quarta vez, o jornalista paulista Rui Costa Pimenta, do PCO, se apresenta como crítico do capitalismo e defensor da adoção de um programa revolucionário e socialista. No programa de governo, ele defende o aumento da taxação de bancos e multinacionais, a reestatização das empresas brasileiras privatizadas e o não pagamento dos juros da dívida pública.
Confira trechos da entrevista do candidato à Agência Brasil:
##RECOMENDA##Agência Brasil: As estimativas de inflação oficial pelo IPCA para o próximo ano estão em torno de 6,2%, próximo do teto da meta. Como pretende atuar para conter o aumento de preços?
Rui Costa Pimenta: Queria esclarecer primeiramente que nós não estamos fazendo a nossa campanha sobre a base da hipótese de que nós vamos ganhar, porque não é uma hipótese realista. Acho que a tentativa de controlar a inflação por meio da política cambial e por meio da política de juros é uma política que afeta profundamente o interesse da população. O país, do ponto de vista econômico geral, tem uma situação extremamente delicada. A poupança interna nacional vai toda para o pagamento de juros dos bancos e é consumida pelo sistema especulativo, sem quebrar esse ciclo. Não é possível colocar a economia em ordem a não ser com altíssimos custos para a população. Mesmo assim, não é colocar em ordem, mas é na realidade conseguir uma estabilização precária. Infelizmente, os principais candidatos têm esse compromisso também. Acredito que é esta receita tradicional que vai ser colocada em prática, quando na realidade nós precisaríamos de medidas bem mais drásticas para colocar a economia no eixo.
Agência Brasil: Apesar de todo o seu potencial energético, o Brasil continua com uma tarifa alta. O que fazer para evitar mais aumentos?
Rui Costa Pimenta: Isso é fácil: tem que cancelar as privatizações. Porque discutir a situação energética do Brasil sem discutir o pano de fundo das privatizações é uma coisa absurda. Energia elétrica é um bem essencial. As tarifas sobem porque elas têm que obedecer não apenas padrões de mercado, mas padrões do mercado internacional. Quando foram feitas as privatizações do governo FHC [Fernando Henrique Cardoso], muita gente advertiu que, com a paridade do dólar tudo bem, mas a medida que a moeda nacional se distancia do dólar isso iria se transformar em uma carga insuportável. Nós já estamos vendo este panorama aí. Isto significa que a privatização é inviável e que a energia elétrica deveria ser uma função do Estado.
Agência Brasil: Quais os planos do seu governo para resolver gargalos de infraestrutura?
Rui Costa Pimenta: Aqui nós voltamos ao problema da poupança nacional. Todo país industrializado ou relativamente industrializado, como é o caso do Brasil, produz não apenas aquilo que é de necessidade imediata, mas uma poupança que permite investir no desenvolvimento e na infraestrutura. O Estado nacional brasileiro historicamente tem uma taxa de poupança muito alta. A crise dos anos 70 inverteu essa situação e anulou essa poupança nacional, quer dizer: o governo precisaria recuperar a sua capacidade de investimento. Coisa que não acontece porque se aplica uma política, que é a chamada de política neoliberal, que é uma política de privatização e não de fortalecimento do Estado na economia. É um mito grotesco a ideia de que os capitalistas farão esse investimento. Vários setores foram privatizados, mas os capitalistas não investem em nada. Neste momento aqui, a taxa de investimento dos bancos privados, que são órgãos de investimento propriamente dito, é baixíssima, o que dirá a do capitalista industrial. É uma coisa inviável, é um círculo vicioso que só pode levar ao desastre mesmo.
Agência Brasil: O debate sobre a reforma política se arrasta há anos. Qual é a sua posição sobre a atual minirreforma e como o chefe do Executivo pode contribuir para que essa discussão efetivamente avance, respeitando a prerrogativa de independência entre os Poderes?
Rui Costa Pimenta: Nós temos um programa próprio que diz respeito à reforma política. Mas antes eu gostaria de dizer o seguinte: que nós somos contra uma reforma dedicada apenas à política. Porque ninguém vai protestar porque as eleições estão mal organizadas no país se o resto estivesse andando bem. Nós vimos aí que nas manifestações a atuação da polícia foi uma atuação bárbara. Isso aí também seria objetivo de uma discussão geral constitucional que diz respeito aos aparatos de segurança, quer dizer: há um conjunto de problemas. Nós, nesse sentido, somos favoráveis à convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, que não pode se basear no atual sistema político porque ela nasceria já viciada pelo atual sistema político, teria que haver uma mudança completa. Outra coisa também é o seguinte problema: com o atual sistema de meios de comunicação que existem no Brasil é impossível que um sistema político funcione. A eleição, se não é decidida pelo poder econômico de um grupo de capitalistas que controla a eleição, é decidida pelo poder dos meios de comunicação. Então isso aí é totalmente absurdo, a eleição simplesmente não existe. Então, essas questões são até mais importantes do que a mera reforma política.
No que diz respeito ao sistema político, nós temos um conjunto de proposta que fazem parte do nosso programa. Por exemplo, nós somos favoráveis ao sistema unicameral; nós somos contra o presidencialismo, embora a gente não favoreça um parlamentarismo que é apenas uma fachada para um outro tipo de presidencialismo; nós somos contra o voto facultativo, nós achamos que nas condições concretas do Brasil isso vai levar a uma exclusão da população do processo político. Nós somos a favor de acabar com a ingerência dos tribunais sobre a vida partidária e eleitoral. Os tribunais decidiram legislar sobre a vida política do país e isso é um absurdo. Nós somos favoráveis a total liberdade de organização, qualquer grupo de pessoas, razoável, porque agora estão querendo que um milhão de pessoas assinem papéis para você legalizar um partido. Isso é um absurdo. Nós somos contra a urna eletrônica, que nós achamos que é um sistema muito suspeito. Também somos contra a reeleição.
Agência Brasil: O Brasil é apontado como um dos países com a maior carga tributária do mundo. No Congresso, tramita uma proposta de reforma tributária que pouco tem avançado. Quais os planos do seu governo para equacionar essa questão e minimizar o desgaste político que isso pode gerar?
Rui Costa Pimenta: O problema não é tanto a grande quantidade de impostos, o problema é quem paga. Quem paga no Brasil é o povo. O imposto sobre a pessoa mais pobre é automático: é o desconto do Imposto de Renda na fonte, é o imposto sobre o consumo que é um imposto antipopular, contrário ao interesse popular. Isso aí é preciso modificar. Tem que pagar imposto quem ganha dinheiro, os poderosos, esse é que é o sentido da coisa. Agora, a taxa tributária não é em si um problema. É outro mito que foi criado pelos economistas neoliberais, que não são economistas, são na verdade uma espécie de sacerdotes de um culto ideológico.
Agência Brasil: O Plano Nacional de Educação (PNE) é considerado uma grande conquista para o setor. Como pretende, em quatro anos, avançar nas pautas indicadas na lei? Como pretende resolver a questão do financiamento?
Rui Costa Pimenta: A questão é justamente o financiamento. O problema da educação é um problema de dinheiro, de investimento. Aqui nós voltamos na questão-chave que não é apenas uma repetição do negócio, mas que está na base de todos esses problemas. Sem que o Brasil, o Estado nacional brasileiro libere o orçamento do verdadeiro vampirismo econômico que ele sofre dos bancos, não é possível resolver esses problemas estruturais. A tentativa de resolver os problemas estruturais com medidas paliativas, sem mexer na questão central, na engrenagem central, ela está fadada ao fracasso.
Agência Brasil: A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um prazo de cinco anos para que todas as terras indígenas fossem identificadas e demarcadas. Passados 21 anos do fim desse prazo, pouco mais de 44% foram homologados. Como o senhor pretende resolver a questão da demarcação de terras indígenas?
Rui Costa Pimenta: Eu simplesmente não entendo porque essas terras não são demarcadas. Seria colocar pessoas para estabelecer a parte técnica da demarcação e pronto. O problema é que há interesses econômicos que atuam contra essa demarcação. A gravidade do problema é que o indígena no Brasil é uma parcela da população muito desamparada, muito débil socialmente, sem recursos. Na medida em que o Estado não age, ele coloca em risco a vida de centenas e milhares de pessoas. Que é o que está acontecendo hoje. Não é só o problema dos conflitos, é o problema da morte por doenças, o problema da inanição. A vida do indígena é muito precária e sem uma ação enérgica do Estado, essa situação só pode se agravar continuamente e vem se agravando.
Agência Brasil: É possível tornar o passe livre uma realidade? Como? Como o governo federal pode atuar para garantir melhorias na mobilidade urbana nos grandes centros?
Rui Costa Pimenta: É possível, até porque em muitos lugares, o transporte privado é sustentado pelo Poder Público. Segundo, uma coisa que muita gente não sabe é que já houve experiências em vários lugares de transporte inteiramente gratuito. A cidade de Bolonha, na Itália, que é uma metrópole, que foi administrada durante muitos anos pelo Partido Comunista, estabeleceu o sistema de transporte totalmente gratuito. Isto daí é totalmente viável, o problema é a luta de interesses econômicos. O transporte público é uma maneira de ganhar dinheiro, influenciar o Estado em nível municipal; é controlado por verdadeiras máfias econômicas, daí a intensidade da violência nesses setores é muito grande por causa disso. Muita gente provavelmente não imagina o quanto custa no bolso de um trabalhador pobre, que ganha um salário modesto, pagar o transporte. Mesmo que ele receba o vale-transporte da empresa, os filhos dele para poderem sair de casa. Isso impõe uma limitação extraordinária em todos os sentidos da população, impõe uma limitação ao progresso social da população mais pobre, impõe uma limitação cultural, principalmente da juventude e tudo o mais.
Agência Brasil: Como garantir a manutenção de um sistema de saúde público, universal e gratuito e enfrentar esses gargalos? Como suprir a falta de médicos nas regiões mais isoladas?
Rui Costa Pimenta: Precisaria acabar com a medicina privada. Uma coisa que muita gente não entende sobre medicina privada e medicina pública é que os sistemas privados parasitam o sistema público. O que acontece: as áreas lucrativas acabam ficando na mão do sistema privado. O sistema privado acaba criando um ônus e degradando o sistema público. Não há uma solução real sem a eliminação dessa competição artificial. Se a gente for ver no final das contas, no frigir dos ovos, é o Estado quem sustenta tudo. Muitos hospitais particulares atendem pelo SUS. Se você cortar essa população eu não sei se a maioria desses hospitais sobreviveria. É preciso acabar com essa dualidade. Precisaria haver um sistema de saúde integrado e nacional. Até porque é uma tendência natural de todo mundo, eu diria até que inevitável, que, diante da fraqueza do sistema público, as pessoas que têm mais recursos procurem o sistema privado. Assim, recursos que poderiam ser canalizados pelo Estado são desviados para a iniciativa privada e isso empobrece todo o sistema, porque o sistema privado é uma máquina de fazer dinheiro e o sistema público fica naquela escassez, naquela pobreza total.