Nesta quinta (30), estreia nos palcos uma nova banda recifense. Pensada por Cannibal (da Devotos) para ser, a princípio, apenas um disco, a Café Preto acabou ganhando vida própria e se transformando em uma banda completa, que toca ao vivo pela primeira vez após cinco anos de maturação. Em conversa com o LeiaJá, Cannibal e o DJ Bruno Pedrosa – cabeças do projeto – falam do longo processo de preparação do projeto, das influências sonoras, do encontro entre os dois que gerou a banda e da expectativa para o primeiro show da Café Preto, que acontece hoje (30), no UK Pub.
Cannibal, quando surgiu em você a vontade de fazer um trabalho tendo o reggae como fio condutor da sonoridade?
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Cannibal – Eu queria fazer uma parada minha, que eu não precisasse colocar na Devotos, e tenho muitas letras que nunca foram usadas. A maioria são letras que falam de coisas minhas, não é uma coisa social e tal, apesar de ter isso no meio também. Eu já escutava muito reggae e dub, e pensei que queria montar uma banda desses estilos para cantar, por que na Nanica Papaya eu toco baixo, mas quem canta é André (Dark). E quem escreve sabe que você cantando suas músicas é outra história... E nunca fui bitolado com nada, com ritmo nenhum, apesar de gostar de punk rock, sempre gostei de reggae, de samba. Eu costumo dizer que o Alto José do Pinho é uma rádio ligada em várias estações, você escuta de tudo. E eu nasci no Alto, é praticamente impossível o cara ser de lá e ter uma visão direcionada para apenas um estilo de música, porque tem de tudo ali: maracatu, afoxé, brega, hip-hop, reggae, hardcore, punk rock. E eu queria escrever outras coisas, musicar minhas letras que já estavam há muito tempo guardadas. Aí eu encontrei o Bruno Pedrosa na cidade e falei pra ele bem rápido que estava afim de umas bases para um projeto novo de dub e reggae, que tinha letras antigas minhas que queria musicar e ele falou que topava. Quando ele me deu as bases, deu vontade de escrever tudo de novo. Aí escrevi tudinho de novo, menos uma das letras, que é um poema do Poeta Ariosvaldo, de Peixinhos. E as letras antigas estão todas lá guardadas de novo (risos). Sempre no pensamento de falar mais de mim, de coisas mais sentimentais, mas tenho uma coisa muito forte em mim que é a parada social, então se vê muito disso na Café Preto também, isso é uma coisa que está no meu sangue, não vou conseguir fugir disso nunca. A intenção de fazer a Café Preto é tocar um estilo de música que eu sempre curti e que eu posso cantar. Eu estava afim de cantar reggae e dub e fui fazer. Mas a gente conseguiu ter uma identidade na Café Preto, de não ser uma coisa direcionada.
O reggae, tradicionalmente, não tem a figura do DJ ou programador. Já o dub é uma música processada, com efeitos. Bruno, como DJ e produtor, onde você foi buscar referências para construir a sonoridade das bases da Café Preto?
Bruno Pedrosa – Quando encontrei Cannibal no Recife e ele fez o convite, ele queria a princípio que fosse apenas nós dois. Era um pouco a ideia do soundsystem, das bases e voz. Mas eu não sou músico, sou DJ e produtor, então na minha cabeça tinha que ter várias participações de músicos ali, e foi o que aconteceu. A gente tem Areia e Fred 04, da Mundo Livre S/A, Berna Vieira, Marcelo Campello – que na época era da Mombojó –, Ras Bernardo, Zé Bronw, Públius. Vários músicos com os quais eu pude gravar, editar e usar da forma que quisesse. Em relação às bases, eu não sou de nenhum gueto musical, muita gente acha que, para fazer a Café Preto com Cannibal eu teria que ter dreadlocks, ser rastafári e ser da cultura reggae, e eu nunca fui, eu sou DJ e sou da música. Na hora em que fui pensar os loops para a Café Preto, fui ouvir música. Voltei a ouvir coisas como Massive Atack, jazz, muito hip-hop da velha guarda e, obviamente, muito reggae. E o dub é um gênero que pode ser definido como uma música feita em estúdio. É uma música feita por um engenheiro de som dentro de um estúdio. Não foi difícil fazer, olhando por esse ponto de vista, porque Cannibal não me pediu pra fazer um disco de reggae ortodoxo, ele pediu pra fazer música. Então pude samplear Secos e Molhados, Velvet Underground, coisas de jazz, de reggae, tem uma infinidade de coisas que, trabalhadas, viraram a música da Café Preto.
Como foi o processo de encontrar os músicos para formar a banda?
Cannibal – A princípio eu não pensei nem em fazer show, pensei só em fazer a música. Queria pegar minhas letras guardadas, musicar e pronto. Quando a coisa ficou pronta é que a gente começou a conversar sobre isso. A galera perguntava quando ia ter show e eu fui me instigando. Nos três primeiros ensaios, em que estávamos apenas eu, Bruno e (o tecladista) Pierre Leite, não senti firmeza de cantar ali. Tinha que ser banda, senti falta de uma coisa mais orgânica. No primeiro ensaio com banda já senti a firmeza da história.
Bruno – Cannibal não queria fazer shows, mas na hora que ele me convidou, pensei que isso não podia ficar só numa gravação, em um disco. Eu sou muito pilhado, na minha cabeça esse disco tinha que sair em 2007 no máximo, mas teve todo esse processo. Na hora de montar a banda, as indicações de Marcus Antonio (guitarra) e Eric Gabinio (baixo), da banda Jerivá, vieram de Pierre. Mércio Marley, o baterista, foi indicação dos meninos da Jerivá. E cada um literalmente chegou com sua contribuição e só virou Café Preto por causa de todo mundo.
Cannibal – O que é legal você conseguir numa banda é a identidade, ter músicos que não têm preconceito com o que estão fazendo.
Houve um longo período de preparação deste projeto, que começou em 2007 e só chega aos palcos agora em 2012. A que se deveu essa demora, não havia mesmo pressa?
Cannibal – A gente teve paciência para ver se era aquilo mesmo que a gente queria. E tem a vontade de querer mostrar não só a sonoridade, mas uma coisa diferente. A gente não queria tocar de qualquer jeito, com a roupa do dia a dia. Convidamos Eduardo Ferreira para o figurino, Cris Garrido também deu uma força. Agora quem está nos ajudando para as roupas de show é Carol Azevedo. Eu queria uma roupa diferente, até mesmo inspirado na galera do ska, do dub, que era muito “style”. E tem um tempo mesmo para deixar tudo pronto, e agora ficou, está na medida. Eu vim do hardcore, do punk rock, e estou fazendo uma coisa totalmente diferente do que eu sempre fiz. As pessoas podem até estranhar, mas a gente está curtindo pra caramba, querendo ou não acaba sendo uma curtição chegar com a chinfra de uma roupa estilo anos 1940, 1950.
Bruno – E, nesse processo todo, a gente conheceu Victor Rice, que entre outras coisas é integrante do coletivo Easy All-stars, que fez grandes discos em homenagem a grandes nomes da música, como o The Dub Side of the Moon, em homenagem ao The Dark Side of the Moon, do Pink Floyd, fez uma versão de músicas do Radiohead, que é o Radiodread, o Sargent Peppers, dos Beatles, e agora fez o Thriller, do Michael Jackson. Se o disco tivesse saído em 2007 do jeito que eu achava que devia, não teríamos hoje o desenho de capa, que foi feito ano passado por Jorge Du Peixe, o design de H.D. Mabuse e Haidée Lima, nem Victor Rice mixando o disco, porque foram coisas que foram surgindo ao longo dos anos. É um amadurecimento ver que as coisas só são na hora que tem que ser. Eu ficava enchendo o saco mesmo de Cannibal, porque achava que o disco não podia ficar perdido, esquecido, e ligava pra ele, que me dizia: “Tem calma, na hora que tiver que rolar, vai rolar”.
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