Um pedaço da história imperial do Brasil desprezado pelo poder público. Tombado como patrimônio de Pernambuco em 1984, o Cemitério dos Ingleses - a primeira necrópole do Recife, datada de 1814 - padece com a falta de investimentos. Localizado no coração do Recife, entre as avenidas Norte e Cruz Cabugá, no bairro de Santo Amaro, o espaço sobrevive às custas de doações dos associados, suficientes apenas para reparos básicos.
Administrador do local há 22 anos, Esmeraldo Marinho explica que o terreno pertence ao Consulado Britânico, porém o órgão não se responsabiliza com a manutenção. "O Consulado abandonou. Já fiz repetidas reuniões, eles indicam empresas que poderiam ajudar (financeiramente), mas nada sai do papel. Nos mantemos aos trancos e barrancos". A reportagem entrou em contato com o Consulado Britânico e, até a publicação da matéria, não recebeu nenhum posicionamento sobre a situação.
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Ferrugem, rachaduras, túmulos cobertos pelo mato. O valor arrecadado pelas doações dos membros da Sociedade Administradora do Cemitério dos Ingleses não cobre todas as despesas necessárias para manter o local como se deve. "Dos 200 membros, cerca de 80 pagam a mensalidade de R$ 120. Só nos túmulos de parede, gastei R$ 15 mil ano passado, porque o gesso da parte de cima estava afundando. A gente faz o que pode, né?", lamenta Esmeraldo Marinho.
Casos de invasões e furtos de objetos se tornaram comuns no cemitério. "Quando eu era menino, tinham vasos em cima dos túmulos que valiam uma fortuna. Roubaram todos. Os vândalos subiam aí direto, quebravam tudo, já levaram escada, carro de mão, até a fiação elétrica", testemunhou Luiz Augusto Vieiro, que morou em frente ao cemitério por vários anos e hoje tem um comércio no local. Na tentativa de coibir práticas criminosas, três câmeras de segurança e cercas elétricas foram instaladas ao longo do terreno.
Um projeto para restaurar o local foi inscrito no Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura) e segue no processo de aprovação. Para o consultor aposentado Richard Conolly, descendente de irlandeses cujos familiares estão enterrados no Cemitério dos Ingleses, o projeto deve buscar retomar a identidade do espaço. "Gradativamente, a estrutura do cemitério foi alterada. A capela, a parte da frente que antes não tinha muro (só grades). É necessário colocar em ordem, sair do estado de abandono". Apesar de sempre parecer fechado, o Cemitério dos Ingleses é aberto ao público e continua a fazer sepultamentos.
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História
Originalmente denominado de British Cemetery, o cemitério foi doado no século XIX por Dom João VI ao Cônsul Inglês, após o decreto da Abertura dos Portos às Nações Amigas. Um dos artigos do tratado versava justamente sobre a designação de lugares para o sepultamento de cidadãos britânicos que morressem em outros países. No Brasil, a Igreja Católica desautorizava o enterro dos não-católicos em seus templos e os súditos britânicos eram sepultados nas praias e nas campinas. Além do Recife, foram construídos cemitérios ingleses em Natal, Salvador e Rio de Janeiro.
Mas não só cidadãos da Grã-Bretanha estão enterrados no Cemitério dos Ingleses do Recife. A lápide do General Abreu e Lima é a mais famosa do local: por ser maçom, o militar não pôde ser enterrado no Cemitério de Santo Amaro e foi sepultado no dos Ingleses, em 1869. Apesar de pertencer ao Consulado Britânico, pessoas de quaisquer nacionalidades podem ser enterradas no local. Atualmente, um jazigo no Cemitério dos Ingleses custa cerca de R$ 2 mil. Neste ano de 2016, oito sepultamentos foram realizados no local.