“Toda mãe preta tem que ter a emoção que a minha teve de festejar as conquistas dos seus filhos e não a sua morte”. Foi com essas palavras que o pedagogo Jocelino da Conceição da Silva Júnior, 29 anos, legendou as fotos compartilhadas em sua conta no Facebook sobre a felicidade de sua mãe Isabel do Nascimento, 52 anos, ao comunicar que havia sido aprovado e nomeado em dois concursos públicos do magistério do município de Vitória, capital do estado de Espírito Santo.
“A festa estava pronta, mamãe não se aguentou foi nos vizinhos, e gritava para quem passava que 'meu filho passou em dois cursos da Prefeitura'. Durante toda a comemoração não largou as folhas, entre uma golada de cerveja Glacial e um pedacinho de carne”, narrou Jocelino sobre a reação de sua mãe. A publicação conta mais de 10 mil curtidas e compartilhamentos, além de diversos comentários.
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Isabel, a mãe do Jocelino, que mora no bairro Jacaraípe, na Região Metropolitana de Vitória, batia no peito dizendo “que o trabalho de toda vida valeu a pena”.
O festejo é natural na família, principalmente para dona Isabel que é semi-alfabetizada, devido às dificuldades de acesso à educação na infância. “Eu fiquei muito feliz em saber que meu filho que foi nascido e criado no Morro da Piedade, em Vitória, tenha chegado onde ele chegou. Agora o objetivo dele é só crescer, só ir pra frente”, enfatizou Isabel.
Na visão do Jocelino, “ela representa uma parte das mulheres do Brasil que possuem pouca escolaridade e que sempre trabalharam, mas não entendiam muito bem sobre direitos”, pontuou.
Morador do Morro da Piedade, em Vitória, localizado no estado do Espírito Santo, comunidade marcada pela violência, Jocelino usa da educação como caminho para construção de uma sociedade mais justa, em especial para os jovens negros da capital capixaba.
Para ele, em um território com quase 400 hatitantes, ter 11 mortes de jovens negros entre 16 e 25 anos, nos últimos dois anos, é um número alarmante. “Atualmente, esta é a comunidade que sofreu mais com a violência institucional em função da falta de atitude do poder público de intervir nessas vulnerabilidades [como a falta de acesso à educação, saúde e oportunidade de empregabilidade]”, afirmou o pedagogo, que também atuou como Conselheiro Tutelar.
Diante dessa realidade, o jovem pedagogo de sorriso largo trilhou uma trajetória que vai na contramão das estatísticas, que registrou um aumento de 11,5% nas mortes de jovens negros nos últimos dez anos, de acordo com o Mapa da Violência 2020, divugado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Em entrevista concedida à reportagem do LeiaJá, Isabel disse que o filho sempre foi muito dedicado aos estudos. Com entusiasmo, Isabel contou que costuma colecionar e comemorar cada conquista do Jocelino e dos outros dois filhos: Jéssica, 32 anos, e Lázaro, 27 anos.
“Eu guardo bem guardado para conservar, pois essas coisas eu gosto de guardar… Tenho o álbum dele da formatura e tenho agora mais esses dois [documentos] que ele trouxe para mim”, exclamou a mãe do pedagogo orgulhosa.
De origem humilde, com mãe diarista e pai gari, seu Jocelino da Conceição da Silva, a trajetória e as conquistas do pedagogo nunca foram fáceis. Na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), na qual se formou em pedagogia, Jocelino superou obstáculos estruturais para se manter na graduação, que afastam os jovens negros das salas de aulas. “Sempre colocaram como se o negro não quiser estudar ou não gostasse”, enfatizou o profissional.
Durante a conversa, o pedagogo relembrou do primeiro dia de aula na Universidade, que para ele também foi o “primeiro dia para que desistisse”. Nesse dia, sem dinheiro para passagem de ônibus, Jocelino foi a pé para a Universidade, passava quase três horas para chegar ao destino. Ele voltou de carona para casa.
“Depois disso eu comecei a trabalhar e consegui ter passagem para ir a Universidade”, explicou. Jocelino trabalhava durante o dia e a noite estudava, e foi assim até concluir sua formação. Contrato após contratos, Jocelino foi nutrindo o desejo de ser servidor público.
Para alcançar o objetivo, o pedagogo participou em um grupo de estudos aos sábados para o certame. “Era uma rede colaborativa de estudo”, disse Jocelino, que trabalhava como professor contratado em uma unidade de ensino pública.
Em 2019, realizou os concursos que deram a ele a oportunidade de assumir cargos com estabilidade financeira e plano de carreira. No entanto, para Jocelino a aprovação e nomeação nos concursos públicos significa muito mais que isso.
Com orgulho, o pedagogo diz que ficou muito feliz ao ver que foi aprovado, e descreveu que pretende “devolver para educação pública todo aquele investimento que eu recebi enquanto estudante”.
“O que mais me deixa orgulhoso foi poder ser professor do município onde estudei a minha vida inteira e onde moro… Onde professores se dedicaram para que minha educação fosse uma educação que contribuísse com a minha vida”, afirmou Jocelino.
Agora, o pedagogo já se prepara para uma nova jornada, a de se tornar mestre. “Sempre acreditei na educação e, por isso, meu mestrado fala sobre processos educativos e fala sobre Piedade”, declarou o pedagogo.