Cuidado excessivo, controle sobre as roupas, finanças e locais que a companheira frequenta, cenas de ciúmes, exaltação do humor, falar em tom ríspido, bater a porta com força, quebrar objetos, socar a parede, fazer piada sobre a aparência, são alguns dos primeiros sinais de uma relação abusiva. Os indicativos são dados pelo agressor, mas frequentemente são confundidos como proteção, cuidado, amor e carinho. No entanto, a constância de tais atitudes vão se tornando tanto mais frequentes quanto mais graves, a medida que o agressor consegue deixar a vítima insegura, silenciada, isolada e infeliz a ponto de se culpar pelos abusos dos quais não tem culpa.
A carga de culpabilizações é tão intensa que a "montanha-russa" de acontecimentos adoecedores do relacionamento a envolve em uma teia de agressões que podem ser: psicológica, moral ou patrimonial, sexual ou física. Na maioria dos casos, as violências se somam e aumentam assim a dor sofrida pela vítima durante o ciclo abusivo.
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Ana Hickmann não está só
O homem que inicialmente se mostrava "protetor" e "cuidadoso" com tudo que está relacionado à companheira dá lugar ao que quebra objetos dela, que dá tapa, socos e chutes. Foi assim com a apresentadora Ana Hickmann, que foi agredida fisicamente em casa em uma discussão com o marido, Alexandre Correa, na presença do filho do casal e ocorre com 14 mulheres a cada minuto no Brasil, segundo o levantamento a 4ª Edição do "Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil", realizado pelo DataFolha/FBSP e divulgado em março deste ano.
De acordo com a pesquisa, 35 mulheres foram agredidas física ou verbalmente por minuto no Brasil em 2022. Ao contrário da apresentadora, 65,6% são negras, 30,3% tem entre 16 a 34 anos e mais de 50% moram em cidades do interior.
A psicóloga Dulce Ferrão do Instituto Maria da Penha, que atende vítimas de violência doméstica e familiar, ressalta como as agressões e o modo como o agressor age deixam a mulher confusa. "Quando ela pergunta o que está havendo, a resposta geralmente é: "nada". Deixando-a assim, insegura e crendo que tem culpa pelo comportamento hostil de seu companheiro; num segundo momento ele já tende a aumentar o nível de agressão que antes era psicológica, moral ou patrimonial, podendo também ser sexual ou física, quando a mulher refere não estar suportando essa relação e tenta dela sair, o indivíduo joga sobre ela, mais uma vez, uma carga de culpabilizações".
A assistente social da Equipe "As Penhas", Nadiedja Matias também reforça os comportamentos enumerados por Dulce. "Com um tempo ele vai aprisionando a mulher psicologicamente e essa atitude abusiva e tóxica a deixa confusa de forma tal que ela naturaliza e o protege de seus atos abusivos com uma simples resposta: 'ele tem cuidado em mim e tem medo de me perder'. Ela sem perceber é xingada, espancada, humilhada e prisioneira de seus próprios sentimentos, achando errado suas atitudes, mas sempre com esperança de um dia ele mudar e ver a mulher que sou".
Atendendo diariamente as vítimas, Nadieja já conhece bem o modo como os agressores se comportam e detalha como eles agem com suas parceiras. "Tudo ele proíbe. Tem mulheres que nem suas peças íntimas compram, seu shampoo, creme de cabelo, maquiagem. 'Não precisa usar você é linda assim', eles dizem. As roupas delas, eles sempre escolhem. Sair só nem pensar. 'Você pode ser enganada ou mesmo algum homem ver você só e achar que é uma mulher vadia, uma qualquer'. Ir ao médico, principalmente ginecologista não pode". Esses são alguns dos exemplos que a assistente social destaca das violências disfarçadas de cuidados que os agressores praticam cotidianamente.
"Existem várias sinais e absurdos que o homem abusivo e tóxico tem e que a mulher não percebe que é errado. Às vezes, ela é agredida moralmente, fisicamente, psicologicamente, sexualmente ou mesmo economicamente e não percebe que isso é violência", alerta. "Para a mulher quem está no relacionamento é mais difícil de perceber do que quem está fora. Por isso é super importante que as amigas e familiares que estão próximos, com muita cautela e sem julgar, sem magoar, falem com ela sobre o assunto, mostrando exemplos e a fortalecendo com palavras de otimismo e valorização. Os abusos são muitos, mas repetidos, notórios e iguais em todos relacionamentos. No início ele vai querer conquistar, depois a mulher se torna alvo fácil de manipular devido a sua entrega e sentimentos", assinala.
"Lua de mel" passageira
A psicóloga Dulce também faz um importante alerta de que o ciclo abusivo não só consiste em fases de agressões, pois o homem promove o que ela chama de "lua de mel" após os conflitos. "Entre os textos recorrentementes usados pelo agressor está: 'você é a mulher da minha vida, com quem escolhi viver até o fim, mas você está me destruindo, já nem me reconheço mais' e segue-se o corolário de acusações sem esquecer de fechar o discurso com: 'vamos tentar novamente, eu prometo que dessa vez será diferente, preciso de você, da sua ajuda. O que faz com que a mulher o aceite e vivam a fase conhecida por "Lua de Mel" aí serão feitas promessas juras de amor, mimos, passeios. Importante ressaltar que essa fase dura pouco tempo e o ciclo volta a girar e girar com maior potencial adoecedor", frisa.
Feminícidio
O adoecimento da mulher que vive uma relação abusiva vai a colocando em situação de vulnerabilidade, conforme o tempo vai passando. Porém, quebrar o ciclo pode salvar vidas. A afirmativa pode ser endossada pelo levantamento realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e divulgado na última segunda-feira (13), que mostra um número recorde de feminicídios cometidos entre janeiro e junho deste ano. O número de mulheres mortas chegou a 722 mulheres, mostrando um aumento de 2,6% a mais no mesmo período do que de 2022, quando foram contabilizados 704 casos. Este é o maior número de feminicídios já registrados da série histórica para um primeiro semestre. O levantamento começou a ser feito a partir de 2019.
"Mesmo sabendo de outros relacionamentos abusivos e tóxicos que ele teve, sempre existe um sentimento de certeza que comigo não vai ser assim. Homens abusivos e tóxicos, mostram em seus comportamentos sinais que cada mulher deve estar atenta, e se não conseguir se livrar, não ter medo de procurar ajuda", aconselha a assistente social. Dulce também sinaliza para o mesmo caminho, afirmando que "o fato de não quebrar tal ciclo pode culminar em feminicídio".
Algumas questões que a mulher pode observar no início da relação é sobre os comportamentos, mesmo que sutis, mas abusivos e se este homem já cometeu outros abusos em relações sociais ou relacionamentos afetivos anteriores. Para se proteger, a mulher pode contar com canais de atendimento institucionais e também pelo contato do Coletivo "As Penhas" no Instagram (aspenhasoficial).
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Disque Denúncia do MPPE: 0800 2819455 O serviço do Ministério Público de Pernambuco funciona de segunda a sexta- feira, das 12h às 18h.
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