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As alunas do ensino médio voltarão em breve às escolas do Afeganistão, afirmou nesta terça-feira (21) o porta-voz do Talibã, Zabihullah Mujahid, que também anunciou os nomes de vários ministros, confirmando que o novo governo será 100% masculino.

"Estamos finalizando as coisas e isto acontecerá assim que possível", disse o porta-voz. As meninas não foram autorizadas a retornar com os meninos às aulas do ensino médio no sábado passado, o que provocou críticas dentro e fora do país.

A comunidade internacional teme a repetição da situação registrada entre 1996 e 2001, durante o regime Talibã anterior, quando as mulheres foram impedidas de trabalhar e estudar, entre outras proibições.

As aulas no Afeganistão foram interrompidas em agosto, quando os combatentes talibãs assumiram o poder e foi concluída a retirada das tropas estrangeiras do país.

Desde então, as meninas do ensino fundamental e as universitárias retornaram às aulas, mas com restrições, começando pela separação dos alunos homens.

Também nesta terça-feira, Mujahid anunciou os nomes dos ministros que ainda faltavam para completar o governo. No dia 7 de setembro, o Talibã havia anunciado a maior parte do novo Executivo, formado por líderes históricos do movimento islamita radical.

O governo é composto apenas por homens e não existe um ministério dedicado às mulheres - o governo derrubado pelo Talibã tinha uma pasta ministerial dedicada à questão.

O porta-voz afirmou que este é um governo de transição que será reforçado no futuro.

Além disso, ele garantiu que o Talibã tem fundos para pagar os funcionários públicos, mas "precisa de tempo". Muitos trabalhadores reclamaram nas ruas do país nos últimos dias porque não recebem os pagamentos há pelo menos dois meses.

O grupo Estado Islâmico no Afeganistão (EI-K) reivindicou a autoria de ataques realizados neste sábado e domingo contra os talibãs na cidade de Jalalabad, segundo seu órgão de propaganda Amaq.

Em dois comunicados, o EI afirma ter sido o autor de "três atentados a bomba separados contra três veículos dos talibãs" ocorridos ontem em Jalalabad, e de outro "ataque a bomba" realizado neste domingo contra "um veículo dos talibãs" naquela mesma grande cidade do leste afegão.

Era um dos lugares mais temidos pelos talibãs, onde milhares deles ficaram presos por lutarem contra o governo afegão. Hoje, o centro penitenciário de Pul-e-Charkhi, ao leste de Cabul, é um local totalmente abandonado.

Os uniformes dos guardas estão pelo chão, abandonados em meio à debandada das antigas autoridades. Nas celas, vê-se roupas, sapatos e rádios, entre outros objetos. Os detentos muitas vezes fugiram com a roupa do corpo e o que conseguiram levar nas costas.

Cobertos de moscas, alimentos apodrecem aqui e ali. Há lixo no chão e nas escadas do presídio. Um odor fétido emerge do local, ao qual se mistura o cheiro das latrinas.

Os talibãs que controlam Pul-e-Charkhi afirmam que cada um dos 11 blocos da ala principal abrigava 1.500 reclusos, em uma prisão construída, originalmente, para receber cerca de 5.000.

Muitos fundamentalistas acabaram presos, rodeados por ladrões, criminosos, ou combatentes do grupo Estado Islâmico (EI).

O lema da bandeira do EI aparece pintado de preto na parede de uma cela. No vão de uma escada, as palavras "Estado Islâmico" estão gravadas em gesso.

O novo regime afegão garante que investigações estão sendo feitas para encontrar prisioneiros do EI. Os talibãs e o EI são rivais, e seus combatentes lutaram ferozmente no leste do país.

- "Horror" -

A construção do Pul-e-Charkhi, a maior prisão do Afeganistão, começou na década de 1970. Este centro penitenciário foi criticado por grupos de defesa dos direitos humanos pelas condições de vida subumanas impostas aos detentos.

Nos parcos dormitórios, aglomeravam-se entre 15 e 20 prisioneiros. Grandes lenços serviam como cortinas para garantir um mínimo de privacidade.

Algumas paredes são revestidas de papel com motivos tropicais e as três cores da antiga bandeira afegã - vermelho, verde e preto. Agora, a bandeira nacional é a talibã, branca e com uma inscrição em preto da profissão da fé muçulmana.

A sala de oração, onde dezenas de tapetes estão cuidadosamente dobrados, é, sem dúvida, o lugar mais organizado da prisão. Uma outra área do centro foi transformada em uma pequena madrassa (escola corânica).

Perto de uma das entradas, um escritório foi completamente incendiado. Tudo que restou foi a estrutura de aço do beliche de um agente penitenciário. A sala foi queimada para destruir documentos relacionados aos prisioneiros, explicam os talibãs presentes.

Uma parede está crivada de buracos de balas. Na véspera da retomada do poder por parte do Talibã em meados de agosto, ex-policiais do governo abriram fogo, matando vários de seus membros que estavam presos, relatam os islâmicos. A AFP não conseguiu verificar estas informações com fontes independentes.

Pul-e-Charkhi era um "lugar de horror", disse Mawlawi Abdulhaq Madani, um combatente talibã de 33 anos, feliz que seus colegas tenham podido deixar esta prisão.

Do lado de fora, cães e gatos perambulam pela estrada ao redor deste vasto complexo circular, delimitado por um muro de quatro metros de altura, coberto com arame farpado e torres de vigilância agora desnecessárias.

Os talibãs disseram neste domingo (5) que ganharam terreno no Vale do Panshir, último grande bastião da resistência armada ao novo governo do Afeganistão, onde, de acordo com Washington, uma guerra civil pode explodir.

Desde que as tropas americanas deixaram o país em 30 de agosto, as forças do movimento islâmico lançaram várias ofensivas contra este vale de difícil acesso, localizado a cerca de 80 km ao norte de Cabul.

O Vale do Panshir é um antigo reduto antitalibã, que ficou conhecido pelo lendário comandante Ahmed Shah Massud, no final dos anos 1990, assassinado pela rede Al-Qaeda em 2001. Hoje, abriga a Frente de Resistência Nacional (FNR, na sigla em inglês).

Liderada por Ahmad Massud, filho do comandante Massud, a FNR é composta por milícias locais e por ex-membros das forças de segurança afegãs que chegaram ao vale quando o restante do país sucumbiu aos talibãs.

De acordo com a ONG italiana Emergency, presente em Panshir, as forças talibãs chegaram na noite de sexta-feira (3) a Anabah, um povoado localizado dentro deste vale.

"Várias pessoas fugiram dos povoados da região nos últimos dias", relatou a ONG em um comunicado, acrescentando que atendeu "um número reduzido de feridos no centro cirúrgico de Anabah".

No Twitter, uma autoridade talibã anunciou, por sua vez, que várias partes do Panshir já estavam em poder do grupo, enquanto Ali Maisam Nazary, porta-voz da FNR, garantiu no Facebook que a resistência "nunca fracassaria".

- "Reconstrução da Al-Qaeda"

Estas declarações contrastam com as do ex-vice-presidente Amrullah Saleh, mais sombrio, segundo o qual Panshir passa por uma "crise humanitária em grande escala", com milhares de deslocados, após "um ataque talibã".

As comunicações com o Vale do Panshir são muito complicadas, e a AFP não pôde confirmar estas informações, ou o avanço real dos talibãs nesta área, com fontes independentes.

Diante deste quadro caótico, o chefe do Estado-Maior Conjunto dos Estados Unidos, general Mark Milley, declarou ontem (4), em entrevista à rede Fox News, que o Afeganistão entrará, "provavelmente", em uma guerra civil. Ele também alertou que estas condições podem permitir o ressurgimento de grupos terroristas no país.

"Minha estimativa militar (...) é que é provável que se deem as condições para uma guerra civil", afirmou o general.

"Acho que, no mínimo, há uma probabilidade muito forte de uma guerra civil", que pode levar a "uma reconstrução da Al-Qaeda, ou ao crescimento do EI (o grupo Estado Islâmico), ou de outros grupos terroristas", avaliou.

"É muito provável que vejamos um ressurgimento do terrorismo procedente dessa região em geral dentro de 12, 24, ou 36 meses", acrescentou.

No plano político, o anúncio sobre a composição do novo Executivo talibã, inicialmente previsto para sexta-feira, continuava sendo esperado para este domingo.

Em diferentes oportunidades, a comunidade internacional advertiu que julgará o governo talibã por seus atos, e não por suas palavras. Desde que recuperou o poder em 15 de agosto, o movimento fundado pelo mulá Omar prometeu instalar um governo "inclusivo" e garantiu que respeitará os direitos das mulheres.

A desconfiança em relação ao cumprimento destas promessas é grande - tanto em casa, quanto no exterior. No sábado, pelo segundo dia consecutivo, dezenas de mulheres se manifestaram em Cabul para exigir que seus direitos sejam respeitados e que possam participar do futuro Executivo.

No âmbito humanitário, a situação continua sendo crítica, mas as ajudas começam a chegar.

Ontem, o Catar anunciou o envio de 15 toneladas de ajuda humanitária procedente do mundo todo para o Afeganistão e disse que os voos continuarão "nos próximos dias".

Quase três semanas se passaram desde que os talibãs assumiram o controle do país, e o vaivém diplomático já começou. O secretário de Estado americano, Antony Blinken, visitará o Catar de segunda a quarta-feira. O país tem estado no centro do diálogo com o novo governo afegão.

O chefe da Inteligência militar do Paquistão, Faiz Hameed, foi visto em Cabul no sábado. Especula-se que tenha se reunido com autoridades talibãs, com as quais Islamabad mantém relações estreitas.

Também no sábado, a mais de 5.000 quilômetros de distância de Cabul, a crise afegã chegou ao Festival de Cinema de Veneza, onde duas cineastas afegãs denunciaram que a chegada do Talibã ao poder mergulhará o mundo das artes em uma situação dramática.

"Em apenas duas semanas, as figuras mais brilhantes do país partiram", relatou Sahraa Karimi, 38, a primeira mulher a chefiar a Organização de Cinema do Afeganistão.

"Imagine, um país sem artistas!", lamentou ela diante de um grupo de jornalistas e cineastas, entre eles o diretor do festival, Alberto Barbera.

Os talibãs voltaram a adiar, neste sábado (4), a apresentação de seu Executivo, cuja composição poderia dar pistas sobre como serão os próximos anos no Afeganistão, em meio à resistência no vale Vale do Panshir.

Embora quase três semanas tenham-se passado desde que o Talibã recuperou o poder, duas fontes do movimento islâmico disseram à AFP que o esperado anúncio do novo governo será adiado pela segunda uma vez.

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Originalmente, o gabinete ministerial talibã seria divulgado na sexta-feira (3), o que foi adiado para hoje.

Uma explicação para este atraso pode ser a situação em Panshir, um dos últimos focos de oposição armada ao novo regime. Um antigo reduto antitalibã, este vale fica a cerca de 80 quilômetros ao norte da capital e é de difícil acesso.

Desde segunda-feira (30), quando as últimas tropas americanas deixaram o país, o vale é palco de combates entre os talibãs e a Frente Nacional de Resistência (FNR).

Enquanto isso, em Cabul, rajadas de arma de fogo ecoaram na sexta-feira à noite (3), para celebrar a vitória do movimento islâmico em Panshir, após rumores do sucesso talibã. O grupo não fez, porém, qualquer anúncio oficial a esse respeito. Um morador de Panshir, com quem a AFP falou por telefone, afirmou que esses anúncios eram falsos.

"Resistência continua"

Segundo os serviços de emergência da capital, duas pessoas morreram, e outras 20 foram feridas por esses disparos "de celebração". Este episódio levou o principal porta-voz do Talibã, Zabihullah Mujahid, a pedir aos seus apoiadores, no Twitter, que parem de "atirar para o alto" e, "em vez disso, [deem] graças a Deus".

Refugiado no Vale do Panshir, o ex-vice-presidente Amrullah Saleh divulgou uma mensagem de vídeo ontem à noite, alertando que uma "situação muito difícil" está acontecendo, mas que "a resistência continua e continuará".

De acordo com Ahmad Massud, que lidera a resistência no vale, os talibãs ofereceram à FNR dois cargos no futuro governo.

Mas, "como pedíamos um futuro melhor para o Afeganistão, nem sequer consideramos" a oferta, disse na quarta-feira (1/9) o filho do comandante Ahmed Shah Massud, assassinado em 2001 pela Al-Qaeda.

Para Massud, os talibãs "escolheram o caminho de guerra".

Desde sua volta ao poder, os talibãs tentam transmitir uma imagem de moderação. Nesse sentido, prometeram formar um governo "inclusivo" e, nas últimas semanas, multiplicaram seus contatos com personalidades afegãs que se opõem a eles. Entre elas, estão o ex-presidente Hamid Karzai e o ex-vice-presidente Abdullah Abdullah.

Na sexta-feira (3), vários países voltaram a afirmar que vão julgar o novo governo por suas ações, e não por suas palavras.

Governo 'realmente inclusivo'

O presidente russo, Vladimir Putin, disse esperar que os talibãs se comportem de maneira "civilizada", enquanto a China pediu-lhes que "rompam" definitivamente com grupos "terroristas".

O secretário de Estado americano, Antony Blinken, que visitará o Catar entre segunda e quarta-feira, manifestou, por sua vez, que espera que o governo seja "realmente inclusivo" com "não talibãs" representativos "das diferentes comunidades e dos diferentes interesses do Afeganistão".

Embora tenham prometido assegurar os direitos das mulheres, o Talibã já deu a entender que o gênero não estará representado em seu futuro gabinete. Várias ativistas foram às ruas em Herat (oeste), na quinta-feira, e na capital, na sexta, em protesto.

Para além das questões de segurança, a questão agora é como os talibãs conseguirão endireitar a economia do país, que se encontra em um estado lamentável após quatro décadas de conflito.

"O Afeganistão enfrenta uma catástrofe humanitária iminente", alertou a ONU na sexta-feira, que realizará uma reunião em 13 de setembro para aumentar a ajuda humanitária destinada ao país.

Um porta-voz do Talibã afirmou nesta quinta-feira (2) que a China prometeu manter aberta sua embaixada no Afeganistão e aumentar a ajuda ao país, devastado por décadas de conflito.

Abdul Salam Hanafi, membro do gabinete político do grupo islâmico em Doha, no Catar, "manteve conversas com Wu Jianghao, vice-ministro das Relações Exteriores da República Popular da China", anunciou o porta-voz do grupo, Suhail Shaheen, no Twitter.

“O vice-ministro chinês garantiu que manterá sua embaixada em Cabul e que nossas relações melhorarão. (...) A China continuará e aumentará sua ajuda humanitária, em particular para o tratamento da covid-19”, acrescentou.

O governo chinês não confirmou imediatamente o anúncio. A maioria dos países está abordando com cautela o estabelecimento de relações com os talibãs, que se preparam para deixar a insurgência e assumir o controle do país.

Já a China, que criticou repetidamente o que considerou uma retirada apressada e mal planejada dos Estados Unidos do Afeganistão, está disposta a estabelecer relações "amigáveis e cooperativas" com o novo regime.

Sua embaixada em Cabul permanece operacional, apesar de o governo ter começado a evacuar seus cidadãos meses atrás por razões de segurança.

No entanto, as autoridades chinesas ainda não reconheceram o novo regime talibã e estão atentas ao possível apoio do movimento aos separatistas da minoria uigur muçulmana na região de Xinjiang, onde fica o único trecho de fronteira entre os dois países.

A China entende que uma gestão estável e colaborativa em Cabul abriria caminho para a expansão de seu principal projeto de desenvolvimento de infraestrutura internacional, segundo analistas.

Para o movimento islâmico, o gigante asiático pode ser uma fonte crucial de apoio econômico e investimento.

Além disso, as empresas chinesas estão de olho nas grandes minas de cobre e lítio do Afeganistão, embora especialistas afirmem que é improvável que haja investimento imediato devido à frágil situação de segurança.

Os talibãs celebraram nesta terça-feira (31) a saída dos últimos soldados americanos do Afeganistão, uma imagem que encerrou 20 anos de uma guerra devastadora e abre um novo capítulo marcado pela incerteza.

A retirada americana foi considerada um êxito "histórico" pelo grupo Talibã, que assumiu o controle de Cabul em 15 de agosto e derrubou o governo afegão após uma ofensiva relâmpago em todo o país.

As tropas dos Estados Unidos invadiram o Afeganistão em 2001, na liderança de uma coalizão internacional, para derrubar os talibãs, que se recusavam a entregar o líder da Al-Qaeda, Osama Bin Laden, após os atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos.

"Felicitações ao Afeganistão (...) Esta vitória pertence a todos nós", declarou Zabihullah Mujahid, porta-voz dos islamitas, no aeroporto de Cabul, que foi controlado até segunda-feira pelas forças americanas.

"Esta é uma grande lição para outros invasores e para nossas futuras gerações .Também é uma lição para o mundo", disse Mujahid.

"É um dia histórico, um momento histórico e estamos muito orgulhosos", completou.

Na manhã desta terça-feira, os talibãs retiraram quase todos os postos de controle no caminho para o aeroporto - apenas um foi mantido. Nas estradas, os combatentes não escondiam a alegria e cumprimentavam os motoristas.

As imagens dos líderes talibãs caminhando vitoriosos pelos hangares do aeroporto, escoltados por milicianos armados que exibiam a bandeira branca do movimento, enquanto posavam para câmeras, ao lado dos helicópteros destruídos pelos americanos antes da retirada do país, resumem de maneira perfeita o novo capítulo que começa no país.

Desde que assumiram o poder, os talibãs se esforçam para apresentar uma imagem conciliadora e aberta. Eles prometeram não aplicar represálias contra as pessoas que trabalharam para o governo anterior.

"Queremos boas relações com os Estados Unidos e o mundo", garantiu Zabihullah Mujahid nesta terça-feira.

Os talibãs também informaram que pretendiam anunciar nos próximos dias a formação de um novo governo após a conclusão da retirada militar americana.

- Gosto amargo -

Após duas semanas de retiradas precipitadas e em alguns momentos caóticas, o último avião de transporte militar C-17 decolou do aeroporto na segunda-feira pouco antes da meia-noite em Cabul (16H29 de Brasília), anunciou em Washington o general Kenneth McKenzie, que dirige o Comando Central dos Estados Unidos.

A retirada americana foi concluída 24 horas antes da data-limite estabelecida pelo presidente Joe Biden, para quem este dia tem um gosto amargo.

O presidente, que justificou a decisão de retirar as tropas ao alegar que não queria uma guerra ainda mais prolongada, falará nesta terça-feira a seus compatriotas em um discurso difícil, no momento em que muitos americanos perguntam para que serviram as duas décadas de presença no Afeganistão.

Embora o objetivo de neutralizar Bin Laden tenha sido concretizado em 2 de maio de 2011, quando as forças especiais americanas mataram no Paquistão o líder da Al-Qaeda, as tropas dos Estados Unidos permaneceram no Afeganistão, sobretudo para formar um exército afegão que rapidamente desapareceu diante do avanço dos talibãs.

No total, Estados Unidos registraram 2.500 mortes e uma conta de 2,3 trilhões de dólares em 20 anos de guerra, de acordo com um estudo da Brown University.

Além disso, o país deixa o Afeganistão com uma imagem abalada por sua incapacidade de prever a rapidez da vitória dos talibãs e pela maneira como a retirada foi organizada.

- Quase 123.000 deixaram o país -

Desde 14 de agosto e durante 18 dias, aviões dos Estados Unidos e de países aliados retiraram quase 123.000 pessoas do Afeganistão, segundo o Pentágono.

Entre as pessoas que fugiram estavam cidadãos de países ocidentais, mas também milhares de afegãos que trabalharam para países e organizações estrangeiras ou que por sua profissão ou maneira de viver seriam alvos dos talibãs.

Na segunda-feira, os militares americanos admitiram que não conseguiram retirar todas as pessoas que desejavam, um fracasso que foi criticado pela oposição republicana.

Biden "abandonou americanos à mercê dos terroristas", disse o líder dos republicanos na Câmara de Representantes, Kevin McCarthy.

A grande operação de retirada a partir do aeroporto de Cabul foi manchada de sangue em 26 de agosto com o atentado suicida reivindicado pelo grupo extremista Estado Islâmico de Khorasan (EI-K), que deixou mais de 100 mortos, incluindo 13 soldados americanos.

Grande inimigo do Talibã, o EI-K pode prosseguir como uma ameaça e executar novos ataques no país.

O Pentágono afirmou que evitou no domingo um atentado com carro-bomba do EI-K contra o aeroporto ao destruir, com um drone, um veículo que estaria lotado de explosivos.

Este ataque aéreo pode representar o epílogo da longa lista de tragédias com mortes de civis que marcou as duas décadas de intervenção americana e provocou a perda de apoio local.

Membros de uma família de Cabul afirmaram à AFP que um erro fatal foi cometido e 10 civis morreram no ataque.

"Meu irmão e as quatro filhas morreram. Eu perdi minha filha pequena, sobrinhos e sobrinhas", disse, inconsolável, Aimal Ahmadi.

- Medo de um recuo -

O governo dos Estados Unidos seguirá "ajudando" todos os compatriotas que desejam sair do Afeganistão, afirmou na segunda-feira o secretário de Estado, Antony Blinken, e "trabalharão" com os talibãs caso cumpram seus compromissos.

"Os talibãs querem legitimidade e apoio internacional. Nossa mensagem é que a legitimidade e o apoio precisam ser merecidos", completou.

Entre 100 e 200 americanos ainda estariam no Afeganistão, segundo Blinken, que anunciou a transferência para Doha das atividades diplomáticas e consulares de Cabul.

O movimento islamista herda um país devastado, apesar dos bilhões de dólares investidos pelos Estados Unidos, e com uma pobreza extrema, a seca e a ameaça jihadista.

Além disso, os novos governantes também terão que enfrentar os receios de grande parte da população, que teme um novo regime fundamentalista como o imposto entre 1996 e 2001, tristemente célebre pelo tratamento reservado às mulheres, a proibição das liberdade básicas e a brutalidade de seu sistema judicial.

"Depois de fazer a jihad durante os últimos 20 anos, agora temos o direito de dirigir o próximo governo. Mas continuamos comprometidos com a formação de um governo representativo", insistiu Mujahid.

Os ataques do Estado Islâmico (EI) no Afeganistão devem acabar com a saída das tropas americanas do país ou o novo governo atuará para reprimir este grupo, afirmou à AFP um porta-voz do Talibã.

O grupo extremista Estado Islâmico-Khorasan (EI-K), que há vários anos executa atentados fatais no Afeganistão e Paquistão, reivindicou o ataque de quinta-feira passada nos arredores do aeroporto de Cabul, onde estavam milhares de candidatos ao exílio após a tomada de poder em 15 de agosto pelos talibãs.

O ataque, que provocou mais de 100 mortes (incluindo 13 militares americanos), aconteceu menos de uma saída antes da data-limite para a saída das tropas americanas, estabelecida pelo presidente Joe Biden para 31 de agosto, após duas décadas de presença no país.

O EI-K também reivindicou o ataque desta segunda-feira (30) com foguetes contra o aeroporto de Cabul.

"Esperamos que os afegãos sob influência do EI (...) abandonem suas operações assim que observarem a entrada em vigor de um governo islâmico após a saída das potências estrangeiras", declarou o principal porta-voz dos talibãs, Zabihullah Mujahid, em uma entrevista concedida à AFP no fim de semana.

"Se criarem uma situação de guerra e continuarem com suas operações, o governo islâmico... vai cuidar deles", advertiu Mujahid.

Os talibãs prometeram a paz com sua chegada ao poder, depois que foram expulsos do governo há duas décadas.

As forças dos Estados Unidos executaram vários ataques aéreos no fim de semana contra alvos do EI-K. No domingo anunciaram que destruíram um carro-bomba nas proximidades do aeroporto de Cabul.

As operações irritam os talibãs. "Eles não têm permissão para executar este tipo de operação (...) Nossa independência deve ser respeitada", afirmou Mujahid.

O EI-K é o braço local do EI e há vários anos protagoniza ataques mortais tanto no Afeganistão como no Paquistão, matando civis em mesquitas, escolas e hospitais.

- "Problemas técnicos" -

Os membros do EI-K são partidários de uma linha radical sunita similar a do Talibã, mas divergem no plano teológico e estratégico. Os dois grupos disputam o protagonismo da jihad.

Como símbolo da forte inimizade entre ambos, O EI classificou os talibãs como apóstatas em vários comunicados e não felicitou o movimento pela tomada de Cabul em 15 de agosto.

À medida que avançavam militarmente nas últimas semanas, os talibãs abriram as prisões e libertaram, sem qualquer controle, tanto os seus combatentes como a os militantes do EI, uma decisão que cada vez mais é considerada um grande erro estratégico.

Os talibãs, que se esforçam para mostrar uma imagem de abertura e moderação, prometeram criar um governo "representativo", mas apenas quando as tropas estrangeiras deixarem o país.

As negociações sobre a formação do novo Executivo prosseguem em Cabul.

"É importante anunciar o governo, mas isto exige paciência. Estamos fazendo consultas para formar de maneira responsável um governo", explicou Zabihullah Mujahid, que citou "alguns problemas técnicos", sem revelar detalhe.

No momento, o país está parado. Bancos, serviços governamentais e outras instituições públicas estão, em sua maioria, fechados. Vários funcionários públicos afirmaram à AFP que o Talibã impede seu retorno ao trabalho.

"Os estudantes de religião" prometeram melhorar a economia afegã, mas, sem acesso à ajuda internacional e aos recursos mantidos no exterior, o futuro de um dos países mais pobres do mundo se anuncia complexo.

Os talibãs se comprometeram a permitir que cidadãos americanos e afegãos em risco deixem o Afeganistão após 31 de agosto, anunciou nesta quarta-feira (25) o secretário de Estado americano, Antony Blinken.

Em coletiva de imprensa em Washington, DC, o chefe da diplomacia do governo do democrata Joe Biden afirmou que "os talibãs assumiram compromissos públicos e privados para proporcionar e permitir uma passagem segura aos americanos, aos cidadãos de países terceiros e aos afegãos em risco a partir de 31 de agosto".

Blinken declarou aos jornalistas que pelo menos 4.500 cidadãos americanos dos 6.000 que queriam deixar o país já foram retirados.

Assim, segundo estimativas, restariam cerca de 1.500 americanos a ser evacuados do Afeganistão. Com 500 deles existe um "contato direto" próximo, afirmou.

"Estamos em contato ativo com eles várias vezes por dia através de múltiplos canais de comunicação (...) para determinar se ainda querem partir", disse Blinken aos jornalistas.

Nesta terça, o presidente Joe Biden disse que a ponte aérea de retirada, liderada pelos Estados Unidos a partir do superlotado aeroporto de Cabul, capital afegã, deve terminar em breve devido à ameaça crescente do braço afegão do grupo Estado Islâmico.

Pouco antes, Biden havia dito aos líderes do G7 que os Estados Unidos estavam "em vias" de concluir sua retirada militar do Afeganistão até 31 de agosto, uma condição irredutível exigida pelos talibãs em meio a complicações geradas no principal terminal aéreo, cuja segurança é garantida por 6.000 militares americanos.

Até agora, quase 60.000 pessoas, entre estrangeiros e afegãos, foram evacuadas do país a partir do aeroporto de Cabul desde 14 de agosto, a maioria delas em voos militares americanos, segundo números de Washington. Mas uma multidão continua reunida do lado de fora das instalações, esperando a oportunidade de sair do país.

O líder de um movimento de resistência aos talibãs prometeu nunca se render, mas está aberto a negociar com os novos governantes do Afeganistão - conforme entrevista publicada na revista Paris Match nesta quarta-feira (25).

Ahmad Masud, filho do lendário comandante rebelde afegão Ahmad Shah Masud, retirou-se para seu vale natal de Panjshir, ao norte de Cabul, junto com o ex-vice-presidente Amrullah Saleh.

"Prefiro morrer a me render", disse Masud ao filósofo francês Bernard-Henri Lévy, em sua primeira entrevista desde que os talibãs tomaram Cabul.

"Sou o filho de Ahmad Sha Masud. A rendição não é uma palavra que faça parte do meu vocabulário", frisou.

Masud afirmou que "milhares" de homens estão se somando à Frente de Resistência Nacional (FRN), no Vale do Panjshir. Esta região nunca foi capturada pelas forças invasoras soviéticas em 1979, nem pelos talibãs durante seu primeiro período no poder, entre 1996 e 2001.

Na subida das montanhas estão caminhões de tropas soviéticas enferrujados, tanques de guerra e outros equipamentos soviéticos, uma lembrança das derrotas da URSS para os tadjiques panshiris durante a Guerra do Afeganistão (1979-1989).

Ele renovou seu pedido de apoio aos líderes mundiais, incluindo o presidente francês, Emmanuel Macron, e expressou sua amargura com o fato de terem-lhes negado armas pouco antes da queda de Cabul, no início deste mês.

"Não posso esquecer o erro histórico cometido por aqueles a quem pedi armas há apenas oito dias, em Cabul", declarou Masud, segundo uma transcrição da entrevista publicada em francês.

"Eles se negaram. E essas armas - artilharia, helicópteros, tanques fabricados nos Estados Unidos - estão hoje nas mãos dos talibãs", frisou.

Masud acrescentou que está aberto a falar com os talibãs e expôs as linhas gerais de um possível acordo.

"Podemos conversar. Em todas as guerras, há conversas. E meu pai sempre falou com seus inimigos", completou.

"Vamos imaginar que os talibãs aceitem respeitar os direitos das mulheres, das minorias, a democracia, os princípios de uma sociedade aberta", afirmou.

"Por que não tentar explicar a eles que esses princípios beneficiariam todos os afegãos, incluindo eles?", questionou.

O pai de Masud, que tinha vínculos estreitos com Paris e com o Ocidente, foi apelidado de "Leão de Panjshir" por seu papel na luta contra a ocupação soviética do Afeganistão, na década de 1980, e contra o regime talibã, na década de 1990.

Foi assassinado pela Al-Qaeda dois dias antes dos atentados de 11 de setembro de 2001.

As tropas americanas intensificaram nesta terça-feira ((24) as retiradas do Afeganistão, depois que os talibãs advertiram que permitiriam a continuidade deste tipo de operação por apenas mais uma semana, prazo considerado insuficiente por vários países ocidentais.

Nesta terça-feira, durante uma reunião de cúpula virtual do G7 dedicada ao Afeganistão, o Reino Unido, que preside atualmente o grupo, e outros aliados insistirão com os Estados Unidos sobre a necessidade de prorrogar a data-limite de 31 de agosto para conseguir retirar todas as pessoas que precisam deixar o país.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, deseja manter a data prevista, mas é pressionado pelas imagens de milhares de afegãos desesperados que aguardam no aeroporto de Cabul por um voo humanitário que permita a fuga do regime talibã.

Antes da reunião, o ministro britânico da Defesa, Ben Wallace, considerou "pouco provável" que Washington aceite a prorrogação. "Mas com certeza vale a pena tentar e vamos fazer isto", declarou ao canal Sky News.

Nas palavras do ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Maas, o prazo de 31 de agosto "não é suficiente para retirar todos os que desejam sair".

"A situação é francamente dramática e cada dia que passa é pior, porque as pessoas têm consciência de que os prazos estão acabando", afirmou a ministra espanhola da Defesa, Margarita Robles.

Um alto funcionário da diplomacia da França declarou que, se o governo dos Estados Unidos retirar todas as suas tropas no prazo previsto, os soldados franceses terão de encerrar as operações de retirada na quinta-feira.

- "Consequências" -

Pondo fim a duas décadas de guerra com uma ofensiva relâmpago que os levou a assumir o controle de Cabul em 15 de agosto, assim como da maior parte do país, os talibãs afirmaram que o prazo de 31 de agosto, data prevista para a retirada total das tropas estrangeiras, é uma "linha vermelha".

"Se Estados Unidos ou Reino Unido buscam mais tempo para continuar as retiradas, a resposta é não (...) Haveria consequências", alertou o porta-voz do grupo insurgente, Suhail Shaheen, para quem a presença além do prazo acordado seria o equivalente a "estender a ocupação".

Quase 50.000 pessoas foram retiradas do país a partir do aeroporto de Cabul desde 14 de agosto, a maioria delas em voos militares americanos, segundo os números de Washington. Apenas na segunda-feira (23) saíram de Cabul 16.000 pessoas em voos de vários países, informou o Pentágono.

Uma multidão permanece reunida do lado de fora do aeroporto à espera da oportunidade de deixar o país. Muitas pessoas temem que os talibãs voltem a instaurar o mesmo regime fundamentalista e brutal que imperou quando permaneceram no poder, entre 1996 e 2001.

Além disso, os cidadãos que trabalharam para governos ou empresas estrangeiras nos últimos anos, artistas ou pessoas que defenderam a abertura do país e os direitos das mulheres ou minorias sabem que são alvos dos extremistas.

Na segunda-feira, um guarda afegão morreu, e três ficaram feridos em tiroteios no aeroporto. Várias pessoas faleceram em circunstâncias obscuras durante as operações de retirada.

- "São os mesmos" -

"Os talibãs são os mesmos há 20 anos", declarou Nilofar Bayat, ativista dos direitos da mulher e ex-capitã da equipe afegã de basquete em cadeira de rodas que fugiu para a Espanha.

Nesta terça-feira, a alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, advertiu que a forma como o Talibã pretende tratar as mulheres, especialmente no que diz respeito ao seu direito à educação, representará uma "linha vermelha".

Bachelet, que no início de agosto havia mencionado "relatórios que mostravam violações que poderiam constituir crimes de guerra" no Afeganistão, destacou nesta terça-feira (24) que recebeu "informações confiáveis sobre graves violações do direito humanitário internacional e ataques contra os direitos humanos em várias zonas sob controle talibã".

O movimento, que trabalha na formação de um novo governo, afirma que mudou em comparação com o regime que administrou o país há 20 anos, inclusive declarando anistia para as forças militares e os funcionários do governo que estiveram à frente do país até o início do mês.

Um relatório da ONU divulgado na semana passada afirma, no entanto, que os islamitas seguem de "porta em porta" para procurar pessoas que trabalharam com o antigo governo, ou com as tropas internacionais.

Os fundamentalistas conseguiram impor uma calma relativa na capital, onde patrulham as ruas, mas o medo continua presente. Muitos cidadãos, sobretudo mulheres, não se arriscam a sair de casa.

Um núcleo de resistência aos talibãs persiste no vale de Panshir, ao nordeste de Cabul, chamado Frente Nacional de Resistência (FNR). O movimento é liderado por Ahmad Masud, filho do célebre comandante Masud, assassinado em 2001, e por Amrullah Saleh, vice-presidente do governo derrubado.

Na segunda-feira, os talibãs afirmaram que cercaram a região de Panshir, mas que preferiam negociar antes de combater.

O porta-voz da FNR, Ali Maisam Nazary, disse à AFP que se prepara "para um conflito de longa duração" com os talibãs, caso não seja alcançado um acordo para um "sistema de governo descentralizado".

Os talibãs responsabilizaram, neste domingo (22), os Estados Unidos pelo caos no aeroporto de Cabul, onde milhares de afegãos tentam desesperadamente pegar um avião e fugir do país, arriscando suas vidas.

Para "garantir evacuações seguras e evitar uma crise humanitária", os líderes do G7 realizarão uma reunião virtual na terça-feira, anunciou o primeiro-ministro britânico Boris Johnson, que atualmente preside o grupo.

Desde que entraram em Cabul no domingo passado, os talibãs deixaram o aeroporto nas mãos dos Estados Unidos, que agora acusam de "fracassarem em impor ordem no aeroporto".

"Reina a paz e a ordem em todo o país, mas há caos somente no aeroporto de Cabul", disse Amir Khan Mutaqi, um dirigente talibã, acrescentando que "isso deve acabar o mais rápido possível".

Embora esse movimento islâmico se esforce para prometer uma versão mais moderada de seu regime brutal de 1996 a 2001, milhares de afegãos aterrorizados continuam tentando fugir pelo aeroporto.

Em meio ao caos, sete pessoas morreram no sábado, disse o Ministério da Defesa britânico, sem especificar se foi um único incidente ou vários.

A rede britânica Sky News divulgou no sábado imagens de pelo menos três corpos cobertos com um plástico branco fora do aeroporto e seu repórter Stuart Ramsay disse que as pessoas estavam sendo esmagadas e outras "desidratadas e aterrorizadas".

Anteriormente, viralizaram imagens de um bebê sendo entregue a um soldado sobre o muro aeroporto e cenas de terror de pessoas penduradas em aviões durante a decolagem.

Enquanto isso, várias famílias esperam amontoadas entre os fios que separam os talibãs das tropas americanas, já que as rotas para o aeroporto continuam congestionadas.

Um jornalista que foi evacuado neste domingo junto com um grupo da imprensa e funcionários da universidade explicou à AFP como uma multidão desesperada cercou seu ônibus quando ele entrou naquela área.

“Eles nos mostraram seus passaportes e gritaram para nós: 'Nos leve com você, por favor!'”, explicou o jornalista. "Um combtente talibã em um caminhão disparou para o ar para dispersá-los", acrescentou.

- Um parto durante a retirada -

Os Estados Unidos, que têm milhares de soldados protegendo o aeroporto, estabeleceram 31 de agosto como prazo para concluir as evacuações.

Mas há cerca de 15.000 americanos e 50.000 a 60.000 afegãos que precisam ser retirados, de acordo com o governo Biden.

“Eles querem evacuar 60 mil pessoas até o final do mês. É matematicamente impossível”, advertiu à AFP o chefe de política externa da União Européia (UE), Josep Borrell.

A tarefa tornou-se ainda mais difícil desde que a embaixada dos Estados Unidos em Cabul pediu aos seus cidadãos que não fossem ao aeroporto, citando ameaças à segurança não especificadas.

O Pentágono disse no sábado que 17 mil pessoas foram realocadas desde o início das operações em 14 de agosto, incluindo 2.500 americanos.

Entre eles estava uma mulher afegã grávida que deu à luz em um avião quando estava prestes a pousar em uma base militar na Alemanha. Mãe e filho estão em bom estado, disse a Força Aérea dos Estados Unidos.

- Governo talibã -

Os talibãs permitiram que os Estados Unidos monitorassem as evacuações enquanto se concentram em como administrar o país quando as forças estrangeiras se retirarem.

O co-fundador do regime talibã, mulá Abdul Ghani Baradar, chegou a Cabul no sábado e o movimento diz que quer formar um "governo inclusivo".

Um alto funcionário talibã disse à AFP que Baradar se reunirá com líderes jihadistas, religiosos e políticos nos próximos dias.

A reunião em Cabul incluiu líderes da rede Haqqani, que os Estados Unidos descrevem como uma organização terrorista.

O regime talibã entrou em Cabul na semana passada, encerrando duas décadas de guerra e chocando o mundo quando as forças do governo afegão se renderam em massa.

Desde então, alguns pequenos sinais de resistência surgiram, com ex-soldados do governo se reunindo no Vale Panshir, uma região montanhosa ao norte de Cabul.

Um porta-voz desse movimento de resistência disse que eles estão preparados para "um conflito de longo prazo", mas preferem tentar a negociação com os talibãs.

A Otan pediu nesta sexta-feira (20) aos talibãs que permitam a evacuação dos afegãos que desejam abandonar o país e prometeu que os aliados manterão uma "estreita cooperação" durante a operação.

Os ministros das Relações Exteriores da Aliança Atlântica realizaram uma reunão de emergência para analisar a situação no Afeganistão e os planos de evacuação.

"Pedimos a quem estiver na posição de autoridade no Afeganistão para respeitar e facilitar a marcha ordenada e segura, também através do aeroporto internacional Hamid Karzai de Cabul", disseram os 30 ministros da Otan em seu comunicado conjunto.

"Enquanto a operação de retirada continuar, manteremos nossa estreita coordenação operacional com os meios aliados" no aeroporto, acrescentaram.

Estados Unidos e seus aliados da Otan estão evacuando seus cidadãos, trabalhadores afegãos e suas famílias de Cabul desde o fim de semana, quando o Talibã assumiu a capital e retomou o poder.

Embora milhares já tenham conseguido sair, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, disse no início da reunião que tanto estrangeiros quanto afegãos sofrem dificuldades para chegarem ao aeroporto de Cabul.

A aliança ocidental interrompeu sua missão no Afeganistão em maio, quando os Estados Unidos decidiram retirar suas tropas, mas mantém cerca de 800 trabalhadores civis que ajudam a administrar o aeroporto.

Vários países lançaram missões para levarem seus cidadãos e aliados locais para lugares seguros, mas Stoltenberg alertou que os países da Otan devem trabalhar juntos e os talibãs devem cooperar.

"Centenas de trabalhadores da Otan e de contratados desempenharam um papel vital", disse, agradecendo às tropas dos Estados Unidos, Reino Unido e Turquia por protegerem seus trabalhadores no aeroporto de Cabul.

"Eles mantiveram o aeroporto de Cabul funcionando, incluindo o controle do tráfego aéreo, serviços essenciais do aeroporto e as comunicações", afirmou.

"No entanto, o principal desafio é garantir que as pessoas consigam chegar e entrar no aeroporto", reiterou Stoltenberg aos ministros.

"Esperamos que os talibãs permitam a passagem segura para todos os estrangeiros e afegãos que queiram deixar o país. Esta é a tarefa mais urgente", acrescentou.

Talibãs mataram a tiros o parente de um jornalista que trabalhava para a Deutsche Welle (DW) no Afeganistão e que era procurado pelos insurgentes, informou nesta sexta-feira (20) o canal público alemão em seu site.

Outro familiar do jornalista, que não teve a identidade revelada e que está na Alemanha, ficou ferido. Vários integrantes da família conseguiram fugir enquanto os talibãs seguiam de porta em porta.

"O assassinato de um parente de um de nossos editores pelos talibãs ontem (quinta-feira) é incrivelmente trágico e ilustra o grave perigo em que se encontram todos os nossos funcionários e suas famílias no Afeganistão", afirmou Peter Limbourg, diretor geral da DW, em um comunicado.

"Está claro que os talibãs estão executando operações organizadas de busca de jornalistas, tanto em Cabul como nas províncias. O tempo está acabando", completou.

A DW informou que os talibãs compareceram às residências de pelo menos três jornalistas da emissora.

O canal e outros meios de comunicação da Alemanha pediram ao governo de Berlim que atuem rapidamente para ajudar seus funcionários afegãos.

Depois de tomar o poder no Afeganistão em entrar em Cabul no domingo, os talibãs iniciaram uma campanha de Relações Públicas e prometeram respeitar a liberdade de imprensa, além de perdoar todos os opositores.

Porém, um documento confidencial da ONU, ao qual a AFP teve acesso, afirma que estão intensificando a busca de pessoas que trabalharam com as tropas dos Estados Unidos e da Otan.

Os afegãos não esqueceram o regime islâmico ultraconservador imposto pelos talibãs quando governaram de 1996 a 2001, com castigos brutais, como o apedrejamento até a morte.

Quando os talibãs governaram o Afeganistão entre 1996 e 2001, as redes sociais ainda não existiam como atualmente. Com seu retorno ao poder, os gigantes americanos Facebook e Twitter enfrentam um debate entre proibir as contas ligadas a "organizações terroristas" e o interesse geral da informação.

Enquanto sua entrada em Cabul provocava pânico internacional, os talibãs usaram o Twitter para divulgar uma mensagem de calma.

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O porta-voz internacional do grupo, Suhail Shaheen, que tem 350.000 seguidores no Twitter, afirmou, por exemplo, que as informações de que os talibãs obrigam jovens a casar com seus combatentes eram "propaganda envenenada".

A possibilidade de uso do Twitter pelos talibãs irrita muitos, especialmente os seguidores do ex-presidente americano Donald Trump, suspenso desta rede social em janeiro por suposto risco de incitar a violência.

"Espero com impaciência uma resposta sobre por quê se permite a dois porta-vozes dos talibãs algo que é proibido a um ex-presidente americano", afirmou o representante republicano Doug Lamborn em uma carta enviada ao CEO do Twitter, Jack Dorsey.

O debate está entre os que, como Lamborn, estão indignados com o fato de o Twitter proporcionar uma plataforma aos talibãs para que se apresentem e busquem legitimidade e aqueles que alegam que privar o grupo de um meio de comunicação é contrário ao interesse da informação, sobretudo quando os afegãos desejam saber o que esperar dos novos governantes.

No WhatsApp, a conta do porta-voz dos talibãs, Zabihullh Mujahid, parece estar bloqueada, o que um porta-voz dos talibãs se recusou a confirmar à AFP.

- "Organizações terroristas" -

O Facebook, proprietário do WhatsApp, confirmou que considera o Talibã uma "organização terrorista" e, portanto, bloqueia suas contas na plataforma, assim como o Instagram, que também pertence ao grupo.

"Os talibãs estão sancionados como organização terrorista segundo a lei americana e proibimos que usem nossos serviços de acordo com nossa política sobre 'organizações perigosas'. Isto significa que suprimimos as contas administradas por ou em nome dos talibãs e proibimos seus elogios, apoios e representações", afirmou à AFP um porta-voz do Facebook.

Isto provocou uma resposta de Mujahid quando foi questionado se os talibãs protegeriam a liberdade de expressão: "Esta pergunta deveria ser feita ao Facebook".

YouTube, que pertence ao Google, anunciou que suprimiria os conteúdos pró-Talibã. O Twitter não fez nenhum comentário.

Shaheen e outros três porta-vozes dos talibãs, que em conjunto têm quase um milhão de seguidores no Twitter, continuam escrevendo nesta rede social, o que parece indicar que não estão incluídos no grupo de "organizações violentas", que já serviu para suprimir conteúdo publicado por organizações islamitas como Hamas e Hezbollah.

Além disso, o status dos talibãs é um tanto ambíguo. Considerados como "organização terrorista" pelo Tesouro americano, eles não são uma "organização terrorista estrangeira" para o Departamento de Estado.

Para Raman Chima, diretor na Ásia do grupo de defesa da internet Access Now, as redes sociais deveria avaliar as possíveis mensagens que incitam a violência, ao invés de seguir as classificações dos governos.

Ainda não é possível saber se os talibãs poderão usar as contas oficiais dos ministérios do governo afegão, que têm milhares de seguidores e contam com o selo de verificação.

Os talibãs têm consciência do poder das redes sociais, uma arma que não tinham a sua disposição durante seu governo anterior, recorda Kabir Taneja, analista de antiterrorismo, que trabalha na Índia.

"Aprenderam muito sobre o poder da comunicação com outras (organizações) como o grupo Estado Islâmico", afirmou.

Especialmente ativos no Twitter durante sua ofensiva vitoriosa, os talibãs poderiam limitar o acesso dos afegãos à internet, adverte o analista, depois que vídeos de protestos contra os insurgentes em Jalalabad viralizaram esta semana.

"Este tipo de evento pode levar os talibãs a controlar de maneira firme o uso da internet no futuro", explicou.

Os talibãs mantêm postos de controle nesta quinta-feira (19) ao redor do aeroporto de Cabul e impedem a saída de afegãos que desejam abandonar o país, acusou o governo dos Estados Unidos, que pediu uma passagem livre.

Dezenas de milhares de pessoas tentam fugir do Afeganistão desde que o movimento islamita radical assumiu no domingo (15) o poder no país, após uma ofensiva militar relâmpago que permitiu a tomada da capital em 10 dias após duas décadas de guerra.

Os afegãos, que recordam o regime talibã precedente, que governo o país entre 1996 e 2001, marcado por violações dos direitos humanos, não confiam nas promessas de moderação apresentadas nos últimos dias pelo grupo.

Os insurgentes, no entanto, constituem aos poucos suas autoridades políticas, após a chegada do exílio do cofundador do movimento talibã, mulá Abdul Ghani Baradar, que ao lado de outros dirigentes do grupo se reuniu com o ex-presidente afegão Hamid Karzai.

- Afegãos bloqueados -

O governo dos Estados Unidos expressou preocupação na quarta-feira com as informações de assédio e postos de controle para cidadãos afegãos, apesar das promessas dos talibãs de não adotar represálias.

"Ao que parece estão impedindo a chegada ao aeroporto dos afegãos que desejam sair do país", afirmou a subsecretária de Estado, Wendy Sherman.

"Esperamos que permitam que todos os cidadãos americanos, todos os cidadãos de outros países e todos os afegãos que desejam partir o façam de forma segura e e sem assédio", disse.

O porta-voz dos talibãs, Zabihullah Mujahid, prometeu durante a semana que o novo regime será "positivamente diferente" do que governou entre 1996 e 2001, quando imperou uma interpretação rigorosa da sharia (lei islâmica), com apedrejamentos e a negação dos direitos das mulheres.

Apesar das promessas, a vitória dos talibãs gerou uma onda de pânico: uma multidão correu para o aeroporto de Cabul, a única porta de saída do Afeganistão.

"Estou tentando desesperadamente partir", declarou à AFP um afegão que já trabalhou para uma ONG alemã.

"Na terça-feira eu fui ao aeroporto com meus filhos e minha família, os talibãs e os americanos atiravam contra as pessoas, mas a multidão continuava avançando porque todos sabem que uma situação pior que a morte os aguarda do lado de fora do aeroporto", disse.

- Caos e críticas -

O governo dos Estados Unidos enviou 6.000 militares para garantir a segurança do aeroporto de Cabul e retirar os 30.000 americanos e civis afegãos que trabalharam para Washington e temem por suas vidas. Até o momento, pouco mais de 5.000 pessoas deixaram o país.

Reino Unido, França e Espanha, entre outros países, também organizam operações de retirada.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, muito criticado em seu país e no exterior pela gestão da retirada das tropas de seu país, admitiu na quarta-feira "dificuldades" e disse que uma certa forma de "caos" era inevitável.

"A ideia de que, de alguma forma, havia uma forma de ter saído sem que isso resultasse em um caos não vejo como seria possível", declarou o presidente durante entrevista à rede ABC.

Na frente internacional, os talibãs parecem ter conseguido uma recepção menos hostil que há duas décadas, quando apenas três países (Paquistão, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita) reconheceram seu regime.

Até o momento, nenhum país reconheceu oficialmente um governo talibã, mas China, Turquia, Rússia e Irã já enviaram sinais de abertura aos talibãs. Os países ocidentais, no entanto, são muito mais reticentes e afirmam que desejam julgar por "ações" e não palavras.

Na política interna, os insurgentes divulgaram imagens do ex-presidente Karzai com Anas Haqqani, irmão mais novo de Sirajuddin Haqqani, líder da rede Haqqani, classificada como terrorista por Washington, e que tem o status de número dois dos talibãs.

Os contatos foram bem recebidos por aquele que era o presidente do país até a tomada de poder pelos talibãs, Ashraf Ghani, que fugiu no domingo para os Emirados Árabes Unidos. "Desejo sucesso ao processo" declarou Ghani em um vídeo, no qual também disse que está em negociações para "voltar ao Afeganistão".

Mas o governo dos Estados Unidos considera que Ghani, que sucedeu Hamid Karzai em 2014, "não é mais uma pessoa que conta no Afeganistão".

Após duas décadas de guerra contra os talibãs, as potências ocidentais enfrentam a encruzilhada de estabelecer ou não relações com o grupo fundamentalista islâmico que governa o Afeganistão agora.

Os insurgentes parecem receber uma acolhida internacional mais calorosa do que durante seu primeiro regime brutal (1996-2001). Rússia, China e Turquia saudaram suas primeiras declarações públicas.

Se os americanos negociam com os talibãs um "calendário" de evacuações, a Casa Branca insiste em que vai esperar para julgar seus atos, particularmente sobre os direitos humanos, antes de decidir a natureza de suas futuras relações diplomáticas.

"Caberá aos talibãs demonstrar ao resto do mundo quem são", disse nesta terça-feira (17) Jake Sullivan, conselheiro de segurança nacional do presidente Joe Biden.

"O balanço não é bom, mas é prematuro" dizer o que vai acontecer.

Os Estados Unidos, no entanto, se disseram prontos a manter sua presença diplomática no aeroporto de Cabul após a data limite para a retirada de suas tropas prevista para 31 de agosto, com a condição de que a situação seja "segura", informou o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price.

No entanto, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borell, admitiu nesta terça que "os talibãs venceram a guerra. Devemos falar com eles".

O Canadá anunciou que não tem a intenção de reconhecer um governo talibã, enquanto o ministro de assuntos exteriores da Grã-Bretanha, Dominic Raab, disse que "normalmente" Londres não vai trabalhar com os insurgentes.

- Coordenar a decisão? -

Mas, com as negociações ainda em curso no Catar para se chegar a um governo que seja o mais representativo possível da sociedade afegã, "queremos avaliar se há uma possibilidade de moderar o tipo de regime" que vai governar o Afeganistão, acrescentou.

"Agora detêm o poder e devemos levar esta realidade em conta", afirmou Raab à Sky News, sem deixar de admitir que as possibilidades de ver instalado um governo inclusivo são pequenas.

As potências ocidentais têm muito menos capacidade de influência agora que os talibãs estão no poder do que quando estavam no campo de batalha.

Os Estados Unidos exercem, no entanto, uma influência sem igual nos credores internacionais e podem impor sanções drásticas ou condicionar as ajudas necessárias para reconstruir um país devastado por 20 anos de guerra.

Lisa Curtis, ex-conselheira da Casa Branca para a Ásia Central e do Sul na Presidência de Donald Trump, avalia que Washington deveria usar um possível reconhecimento diplomático dos talibãs para pressioná-los e exigir deles uma conduta melhor.

"Já que devemos fazer nossa ajuda chegar lá, vamos ter que nos relacionar com eles em certo nível", acrescentou. "Mas o reconhecimento diplomático não deveria ser entregue sem nada em troca", afirmou.

- Difícil perdoar -

Só três países - Paquistão, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita - reconheceram o regime talibã precedente, que impôs uma versão ultrarrigorosa da lei islâmica.

Desta vez, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, tentou impedir que o Paquistão, um histórico apoiador dos talibãs, reconhecesse o novo governo, assegurando que este reconhecimento deveria ser acordado "sobre uma base internacional, não unilateral".

Mas em termos de laços diplomáticos, os Estados Unidos não perdoam facilmente.

Washington esperou duas décadas após a queda de Saigon para estabelecer relações com o Vietnã comunista e 54 anos antes de reabrir uma embaixada em Cuba.

Ao contrário, nunca restabeleceu as relações com o Irã após a revolução islâmica de 1979.

Ao realizar um acordo de retirada com os talibãs em 2020, o então presidente Trump parecia apontar para a possibilidade de se entender com os insurgentes por considerá-lo útil para enfrentar o grupo Estado Islâmico.

Os talibãs prometeram não buscar vingança contra os opositores e respeitar os direitos das mulheres em um governo "diferente" do que estabeleceram há duas décadas no Afeganistão, mas milhares de pessoas prosseguem com as tentativas de fuga do país.

As promessas foram feitas na terça-feira (17) à noite, pouco depois do retorno ao Afeganistão do cofundador e vice-líder do grupo, o mulá Abdul Ghani Baradar, o que coroou o impactante retorno ao poder dos insurgentes, que foram depostos em 2001 por uma invasão comandada pelos Estados Unidos.

Com grandes temores no mundo pelo histórico brutal na área de direitos humanos dos talibãs, dezenas de milhares de afegãos tentam fugir do país.

"Todos aqueles na oposição são perdoados de A a Z", disse em uma entrevista coletiva em Cabul o porta-voz dos talibãs, Zabihullah Mujahid. "Não vamos buscar vingança", completou.

Mujahid disse que o novo regime será "positivamente diferente" daquele que lideraram entre 1996 e 2001, recordado pelas mortes por apedrejamento e por impedir que as meninas frequentassem a escola ou que as mulheres trabalhassem em contato com homens.

"Em termos de ideologia e crenças não há diferenças (...) mas se nós calcularmos com base em experiência, maturidade e conhecimento, sem dúvida há muitas diferenças", declarou Mujahid.

Ele acrescentou que o grupo está "comprometido a permitir que as mulheres trabalhem de acordo com os princípios do islã", sem revelar detalhes.

Suhail Shaheen, porta-voz do movimento em Doha, disse ao canal britânico Sky News que as mulheres não serão obrigadas a usar a burca (véu integral) - como aconteceu entre 1996 e 2001 -, mas não explicou que vestimenta seria aceitável.

- "Preocupações humanitárias" -

Apesar das promessas, afegãos e estrangeiros prosseguiram com as saídas do Afeganistão, com voos de retirada organizados pelos Estados Unidos e outros países, como França e Reino Unido, a partir do aeroporto de Cabul.

Militares americanos já retiraram 3.200 pessoas do Afeganistão, incluindo 1.100 na terça-feira, informou um funcionário da Casa Branca.

Cenas de desespero no aeroporto mostraram ao mundo imagens de afegãos aterrorizados com os talibãs e decepcionados com os Estados Unidos, país que foi incapaz de protegê-los.

Vídeos mostraram centenas de pessoas correndo ao lado de um avião da Força Aérea americana pela pista, com algumas pessoas penduradas na lateral e nas rodas da aeronave.

O Conselho de Direitos Humanos da ONU anunciou que organizará uma sessão especial sobre o Afeganistão para discutir "as sérias preocupações humanitárias" sob um governo dos talibãs.

O governo do presidente americano, Joe Biden, deu uma resposta evasiva sobre as promessas de tolerância dos talibãs.

"Se os talibãs dizem que vão respeitar os direitos de seus cidadãos, vamos observar se cumprem a promessa", declarou o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price.

Rússia e China expressaram rapidamente disposição de trabalhar com os talibãs.

Moscou afirmou que as garantias iniciais apresentadas pelos insurgentes são um "sinal positivo" e que eles se comportam de "maneira civilizada".

- Retorno triunfal -

O mulá Abdul Ghani Baradar retornou ao Afeganistão na terça-feira à noite. Ele optou por desembarcar na segunda maior cidade do país, Kandahar, o local de nascimento e capital espiritual dos talibãs durante sua primeira passagem pelo poder.

O número dois dos talibãs chegou procedente do Catar, onde passou meses em conversações com os negociadores de paz do governo anterior do Afeganistão e com representantes americanos.

Imagens de meios de comunicação pró-talibã mostram uma multidão ao redor do mulá Baradar no aeroporto.

Mas para aqueles que temem represálias, o sentimento foi diferente.

"Às vezes paro diante da janela e penso como cheguei aqui e como tenho sorte de não estar no Afeganistão", declarou à AFP Mohamad Ehsan Saadat, pesquisador afegão dos direitos humanos que abandonou o país com a família e está no Canadá.

Em Cabul, alguns estabelecimentos comerciais reabriram as portas e o trânsito voltou às ruas, mas as escolas permanecem fechadas e persiste a tensão.

"O temor está presente", disse um comerciante, que pediu para não ser identificado, enquanto abria sua loja.

O Facebook anunciou nesta terça-feira (17) que estava bloqueando contas do WhatsApp relacionadas aos talibãs, depois que o grupo radical islâmico assumiu o controle do Afeganistão.

"Os talibãs foram sancionados como organização terrorista pela lei estadunidense e nós os banimos de nossos serviços de acordo com nossas políticas de Organizações Perigosas", disse um porta-voz do Facebook à AFP.

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O Facebook encerrou uma conta no WhatsApp que os talibãs abriram para receber reclamações sobre violência e saques, de acordo com o Financial Times.

Um porta-voz do WhatsApp especificou em um e-mail à AFP que a empresa deve cumprir as sanções dos EUA.

"Isso inclui a proibição de contas que parecem ser canais oficiais dos talibãs. Estamos buscando mais informações das autoridades americanas, dada a evolução da situação no Afeganistão", disse a empresa.

O anúncio ocorre no momento em que as plataformas de redes sociais enfrentam pressão para bloquear contas usadas pelo regime talibã, em meio à ofensiva que os levou a assumir o país devastado pelo conflito.

O Facebook disse que montou "uma equipe de especialistas dedicados ao Afeganistão, que são falantes nativos dos idiomas dari e pashtun e têm conhecimento do contexto local" para ajudar a aplicar suas políticas.

"Nossas equipes monitoram de perto a evolução da situação. O Facebook não decide sobre o reconhecimento de um governo em nenhum país, mas respeita a autoridade da comunidade internacional para tomar essas decisões", disse a empresa.

Um porta-voz do Talibã criticou o Facebook por bloquear a "liberdade de expressão" no país.

Em uma coletiva de imprensa transmitida online, o oficial respondeu a uma pergunta sobre liberdade de expressão dizendo: "Eu deveria fazer a mesma pergunta a pessoas que afirmam ser promotoras da liberdade de expressão, mas não permitem que todas as informações sejam publicadas (...) Você deve perguntar à empresa Facebook".

Os talibãs assumiram o controle de quase todo Afeganistão, mas no vale de Panshir, ao nordeste de Cabul, um homem, o ex-vice-presidente Amrullah Saleh, promete seguir com a resistência.

Inimigo dos islamitas radicais que agora estão no comando do país, Saleh seguiu para a última região afegã que ainda não está sob controle dos talibãs: o vale de Panshir.

"Não vou decepcionar as milhões de pessoas que me ouviram. Nunca estarei sob o mesmo teto que os talibãs. NUNCA", escreveu em inglês no domingo em sua conta no Twitter antes de passar para a clandestinidade.

No dia seguinte apareceram nas redes sociais imagens do ex-vice-presidente com Ahmad Masud, filho do comandante Ahmed Shah Masud, assassinado em 2001 pela Al-Qaeda, juntos no vale de Panshir.

Masud anunciou na segunda-feira em um artigo publicado por uma revista francesa que será oposição aos talibãs e assumirá a luta pela liberdade liderada por seu pai, herói da resistência contra a União Soviética.

Os dois homens parecem estar definindo a primeira peça de uma rebelião contra o novo regime. Homens armados começaram a seguir para o vale de Panshir, uma zona de difícil acesso e que nunca passou ao controle dos talibãs: nem durante a guerra civil da década de 1990, nem durante a ocupação soviética, uma década antes.

- "Resistiremos" -

"Não permitiremos que os talibãs entrem em Panshir e resistiremos com todas as nossas forças", declarou à AFP um morador que preferiu permanecer no anonimato.

Para Saleh, natural de Panshir, esta seria a última de uma longa lista de batalhas. Este afegão lutou ao lado do comandante Masud na década de 1990. Depois integrou seu governo, que foi derrubado pelos talibãs em 1996, quando os insurgentes entraram em Cabul. Ele disse que os talibãs torturaram sua irmã para tentar retirá-lo de seu esconderijo.

"Minha opinião dos talibãs nunca mudou", afirmou no ano passado em um artigo publicado pela revista Time.

Depois dos atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, ele se tornou uma importante fonte de informação para a CIA.

Isto o levou, após a queda dos talibãs, a comandar, entre 2004 e 2010, a Direção de Segurança Nacional (NDS), a agência de inteligência afegã.

- Continuar a luta -

No cargo, ele criou uma ampla rede de espiões e infiltrados entre os talibãs, no Afeganistão e também no Paquistão, onde estão grande parte dos líderes insurgentes.

Desta maneira, segundo ele, reuniu provas de que os insurgentes continuavam sendo beneficiados pelo apoio do exército paquistanês, informação desmentida pelas Forças Armadas do país vizinho.

Sua ascensão à vice-presidência, no entanto, foi marcada por vários contratempos. Em 2010 foi demitido do cargo de diretor da NDS, após um humilhante ataque contra uma conferência de paz em Cabul.

Saleh se afastou da política por alguns anos, mas continuou atacando os talibãs e o Paquistão nas redes sociais.

Em 2018, ele foi ministro do Interior por alguns meses, depois de uma aliança com o presidente Ashraf Ghani, que no domingo fugiu do Afeganistão para o exterior. Assumiu a vice-presidência em 2019.

Saleh escapou de vários ataques talibãs, o mais recente em setembro de 2020, quando um carro-bomba explodiu na passagem de seu comboio e matou pelo menos 10 pessoas.

Horas depois do ataque, ele apareceu em um vídeo, com a mão esquerda enfaixada, e prometeu devolver cada golpe. "Continuaremos nossa luta", afirmou.

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