Seis meses depois dos atentados de Paris, os familiares das vítimas foram recebidos pela primeira vez nesta terça-feira pelos promotores encarregados da investigação - um primeiro encontro "emotivo", "útil e instrutivo", embora ainda restem muitos pontos obscuros.
Esta reunião, inédita por sua magnitude, com mais de mil partes civis, é a primeira de uma série que serão realizadas ao longo de três dias em Paris. O encontro, organizado a portas fechadas na Escola Militar de Paris, esteve centrada nos ataques contra bares e restaurantes parisienses e no Stade de France. Na quarta e na quinta-feira, estão previstas outras reuniões com as vítimas da casa de shows Bataclan.
O juiz Christophe Teissier - acompanhado de outros cinco magistrados, encarregados da investigação, e três representantes do Ministério Público de Paris - fez uma exposição de mais de duas horas sobre a cronologia detalhada daquela noite de 13 de novembro, usando os registros da polícia e um registro encontrado no Bataclan, e falou da colaboração internacional e das perspectivas da investigação.
Os juízes informaram ter pedido aos colegas belgas o envio para a França de cinco pessoas acusadas na Bélgica, a base da retaguarda da célula extremista, e que viajaram para a Turquia, onde um suspeito-chave está detido atualmente. "O ambiente foi muito reflexivo", disse à AFP o advogado Philippe Stepniewski. "Não houve irritação, mas as pessoas demonstraram emoção e incompreensão".
Para Jean-François Mondeguer, pai de uma jovem que morreu no restaurante La Belle Equipe, este encontro "não era uma etapa do luto", mas "da busca pela verdade". "Tem havido muitos detalhes sobre o encadeamento dos fatos", resumiu, por sua vez, Claude-Emmanuel Triomphe, ferido em frente ao café La Bonne Bière. "Alguns vieram porque estão irritados, eu não sinto ódio, mas sinto pena destes pobres tipos", acrescentou.
Muitos esperavam obter informações sobre Salah Abdeslam, o único membro do comando que continua vivo, e que esfriou os ânimos na sexta-feira (20), em seu primeiro interrogatório pela justiça francesa, ao amparar-se em seu direito a permanecer em silêncio. "Podemos deixar que apodreça na prisão", afirmou Elisabeth Boissinot, que perdeu a filha nos ataques aos restaurantes.
Os juízes deram algumas informações sobre seu comportamento. "O nome das 130 vítimas foi enumerado pelo juiz" durante a audiência de sua acusação, em 27 de abril, na qual Abdeslam não esboçou "nenhuma reação", afirmou a advogada Samia Maktouf.
'Queremos saber por que'
Para a secretária de Estado encarregada de Ajuda às Vítimas, Juliette Méadel, "estes três dias fazem parte do processo de reconstrução, pois colocamos palavras no que aconteceu". Também estiveram presentes psiquiatras e médicos de emergência para apoiar as famílias.
Mas para as vítimas, ainda há muitas questões a responder. As partes civis perguntaram, sobretudo, aos magistrados sobre a segurança da sala de espetáculos Bataclan, que já tinha recebido ameaças. "Queremos saber porque os serviços de inteligência não fizeram seu trabalho!", afirmou, com irritação, o pai de uma vítima, assassinada na casa de shows, que não quis se identificar.
Dezessete famílias anunciaram sua intenção de reclamar contra o Estado belga, que consideram ter culpa pelas falhas na vigilância dos irmãos Abdeslam. A data de um possível processo não foi mencionada. "O que não surpreende, sabendo da complexidade deste procedimento", explicou o advogado Olivier Morice. "Será preciso ter muita paciência", destacou Georges Salines, presidente da associação "13 de novembro: fraternidade e verdade", que perdeu sua filha no Bataclan.
"A investigação deve ser a mais completa possível para remontar a cadeia de responsabilidades e evitar que o máximo de pessoas possa fazer algum mal", afirmou.
A justiça organiza reuniões como estas no contexto de investigações de catástrofes de grande magnitude, como o acidente aéreo com o avião da Air France que fazia o trajeto Rio-Paris, em 2009; o acidente ferroviário de Brétigny-sur-Orge (sul de Paris) em 2013, atentados como o de Karachi em 2002 ou os de janeiro de 2015 em Paris contra a revista satírica Charlie Hebdo e o supermercado kosher (de produtos permitidos de acordo com as leis alimentares judaicas), Hyper Cacher.