Serguei Cherkasov, o espião russo preso após tentar entrar na Holanda com identidade brasileira falsa, usava esconderijos para deixar dispositivos eletrônicos e mensagens que poderiam ser recuperados por outros integrantes de sua organização. Um dos pontos para ocultação de equipamentos era uma ruína localizada dentro de uma mata às margens da Rodovia Raposo Tavares, em Cotia, região metropolitana de São Paulo.
O espião vivia em São Paulo, usava o nome falso de Victor Muller Ferreira e se passava por brasileiro. Ele usou essa identidade para ir estudar na Universidade Johns Hopkins, nos EUA, onde tentou conseguir estágios em agências governamentais e internacionais. Ao obter um estágio no Tribunal Internacional, em Haia, foi descoberto por autoridades americanas e holandesas e deportado para o Brasil.
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Mapa
O esconderijo foi descoberto porque no celular de Cherkasov havia rascunhos de mensagens acompanhadas de um mapa com fotos do local exato onde objetos poderiam ser encontrados, em uma falha na junção de duas paredes da construção abandonada.
Com a descoberta do esconderijo de Cotia, policiais federais foram ao local e encontraram "equipamentos eletrônicos" no local indicado. O material foi entregue ao FBI. A dispensa de equipamentos de comunicação em locais remotos onde contatos podem recuperá-los é uma prática relativamente comum no mundo da espionagem, segundo relatórios de contrainteligência.
Às vésperas do embarque para a Holanda, Cherkasov esteve no esconderijo de Cotia. Ele fez uma viagem com carro de aplicativo até o local às 17h55 do dia 19 de março de 2022, menos de duas semanas antes de tentar deixar o Brasil.
O espião foi preso no aeroporto de Guarulhos no dia 3 de abril de 2022 após ser barrado na Holanda e deportado. Ele se preparava para um estágio no Tribunal de Haia, onde teria interesse em acessar informações sobre investigações relacionadas a crimes de guerra praticados pela Rússia no conflito com a Ucrânia.
O russo viveu como estudante brasileiro nos EUA e na Irlanda. Como mostrou o Estadão, um inquérito aberto na Polícia Federal de São Paulo mapeia "atos de espionagem" de Cherkasov também no Brasil. Há suspeitas de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
O espião foi condenado a 15 anos de prisão pela Justiça Federal de São Paulo pelo uso de documentação falsa. Desde dezembro ele está em um presídio federal de Brasília.
O governo da Rússia pediu a extradição de Cherkasov, alegando que se trata de um membro de uma organização de traficantes de heroína que fugiu para não cumprir a pena. Os crimes dele teriam sido cometidos entre 2011 e 2013. Os registros da imigração brasileira, porém, apontam que a primeira viagem dele ao Brasil ocorreu em 2010. Em 2011, entrou no País pela segunda vez.
O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), concordou com o pedido de extradição, mas frisou que só poderá ser atendido depois que a investigação da PF em São Paulo chegar ao fim.
Em uma audiência virtual no fim do ano passado, Cherkasov admitiu a identidade falsa e manifestou interesse em ser deportado o mais rápido possível. "Gostaria de permanecer em silêncio. Eu só gostaria de reiterar que quero ser extraditado para a Rússia. Concordo com as acusações que a Rússia fez e pretendo responder aos fatos dos meus crimes (...) o mais rápido possível", disse.
O passaporte original diz que Cherkasov nasceu em 11 de setembro de 1985. Os documentos falsos que obteve no Brasil têm 4 de abril de 1989 como data de nascimento. Como nome da mãe, ele usou a identidade de uma mulher que morreu em março de 2010 e não teve filhos.
Para as falsificações, o espião contou com a ajuda de uma mulher ligada a um cartório. Em agradecimento aos serviços chegou a presenteá-la com um colar Swarovski que custou cerca de US$ 400. Em uma mensagem recuperada por investigadores, Cherkasov disse que ela poderia ajudar com documentos falsos de outros espiões russos.
Além de eventuais ações de espionagem no Brasil, a polícia brasileira apura a existência de uma rede de apoio e de outros espiões russos em funcionamento no território nacional.
Outros espiões
Nos últimos meses, outros dois casos de espiões russos com identidades brasileiras falsas vieram à tona. Em outubro, o serviço de inteligência da Noruega deteve Mikhail Valeryevich Mikushin. Ele se apresentava como o pesquisador José Assis Giammaria, na Universidade de Tromso. E Gerhard Daniel Campos Wittich era o nome falso de um outro russo que morou no Rio por cinco anos e se dizia brasileiro com ascendência austríaca. Ele foi descoberto pela inteligência da Grécia, pois a mulher dele, também espiã, estaria atuando em Atenas.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.