Oito dias após incluir o aborto legal na tabela do Sistema Único de Saúde (SUS), o governo Dilma Rousseff revogou nesta quinta-feira (29), a medida. O recuo do ministro da Saúde, Arthur Chioro, ocorre logo após o início de uma campanha contrária à medida, promovida por segmentos conservadores e religiosos, canalizada por deputados de base evangélica, que vêm pressionando o governo federal em um tema espinhoso para ano eleitoral. O aborto legal é aquele onde o médico pode realizar a operação em mulheres que engravidaram após serem vítimas de estupro, além de casos onde há risco de morte da mãe e também quando o feto é anencéfalo.
Antes da portaria editada pelo Ministério da Saúde semana passada, o pagamento do aborto legal era incluído no cálculo de repasses feitos para hospitais habilitados. Com a mudança, os estabelecimentos receberiam por procedimento, algo que na avaliação da Pasta poderia garantir o pagamento dos demais profissionais de saúde envolvidos, como psicólogos e assistentes sociais.
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A revogação da portaria foi assinada pelo secretário de Atenção à Saúde, Fausto Pereira dos Santos, e não apresentou justificativa. Ao Estado, a assessoria de imprensa do Ministério da Saúde informou que a medida foi revogada por "questões técnicas". O ministério informou que a regulamentação do aborto legal no SUS não foi discutida com as comissões tripartites, que contam com integrantes das secretarias de saúde de Estados e municípios. O governo também informou que vai alterar o valor definido inicialmente de pagamento aos hospitais pelo procedimento, de R$ 443,40. Mas não há data para nova portaria com os critérios a serem adotados.
As questões técnicas usadas agora pela pasta como justificativa, no entanto, não estavam presentes um dia depois da edição da portaria. Numa entrevista concedida ao Estado, o ministro Chioro mostrou estar satisfeito com a alteração na lógica de pagamento do aborto legal. Na ocasião, ele disse que a mudança garantiria um financiamento adequado para procedimento e não alteraria o que já é repassado para os hospitais credenciados.
Com a revogação, o pagamento do aborto legal voltará a ser incluído no cálculo de repasses feitos para hospitais habilitados, dentro do sistema de contratualização - onde o hospital recebe um valor fixo por mês pelos procedimentos realizados, independentemente do número de operações. Na defesa que fez da mudança antes de seu recuo, Chioro disse que ela poderia dar maior controle estatístico e garantir o pagamento de demais profissionais de saúde envolvidos, como psicólogos e assistentes sociais. Embora a alteração fosse apenas na forma do pagamento, a medida foi criticada por setores ligados a movimentos religiosos. O Partido Social Cristão (PSC) anunciou que ingressaria na Justiça contra a medida, por considerá-la uma "brecha para oficialização da interrupção da vida."
O deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de base eleitoral evangélica e líder do partido na Câmara, informou em seu site que procurou o ministro para que este autorizasse a revogação da portaria 415. "O ministro me procurou na quarta para comunicar que estudou a portaria editada por uma secretaria do ministério e entendeu que havia falhas. Logo, resolveu revogá-la para melhor estudá-la", disse Cunha. Essa não é a primeira vez que setores religiosos têm seus pedidos atendidos pelo governo. Os cuidados começaram ainda quando Dilma Rousseff concorria à Presidência: na época, ela assumiu um compromisso de não realizar nenhuma alteração nas regras do aborto. Para evitar conflitos, campanhas de aids foram retiradas do ar, gibis destinados a crianças foram censurados e o kit para distribuição nas escolas de combate à homofobia foi recolhido.