A universitária paraense Karina Ailyn Rayol Barbosa, 20 anos, que está desaparecida há quase um mês, entrou em contato com familiares por um telefone registrado em Linhares, no Espírito Santo. Segundo os pais da jovem convertida ao islamismo, ela falou rapidamente e disse que não poderia informar o local onde estava.
De acordo com informações da Polícia Federal, que investiga o caso em parceria com a Interpol, Karina Barbosa desembarcou na Turquia, após passagem pelo Marrocos. O inquérito corre em segredo. Suspeita-se que a estudante de jornalismo da Universidade Federal do Pará (UFPA) tenha ligação com extremistas.
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Os pais da estudante acreditam que a filha foi aliciada por uma rede internacional. A irmã de Karina repassou à Polícia Federal informações sobre movimentações financeiras internacionais registradas no e-mail da jovem desaparecida.
Segundo o doutorando em Relações Internacionais e professor da Universidade da Amazônia (Unama) Mário Tito Almeida, o possível contato de Karina Barbosa com grupos islâmicos provavelmente ocorreu com auxílio da internet, plataforma onde grupos terroristas como o Estado Islâmico atuam de forma intensiva. Confira mais na entrevista a seguir:
Leia Já: Como é formada essa corrente de grupos como o Estado Islâmico, que acaba chegando até países como o Brasil?
Mario Tito Almeida: O Estado Islâmico é, na verdade, mais do que uma corrente. O EI é uma organização que se diz voltada para a definição de fronteiras pelos interesses de religiosidades ligadas ao islã, mas que não necessariamente são do islã. Eles têm uma leitura bastante extremista do alcorão, e que defendem que a partir do alcorão eles devem criar estados que sejam teocráticos, voltados em cima daquilo que eles chamam de sharia, que é a leia baseada no alcorão. O EI se constitui, para os ocidentais, num grupo terrorista. O mundo considera um grupo comunista. Apesar de eles se autodenominarem Estado, na verdade eles não são estado no sentido que nós entendemos nas relações internacionais, com um povo, território, uma soberania, etc., mas eles se denominam Estado porque se referenciam nessa lei religiosa para daí formar o território daqueles que acreditam. Eles querem implantar a lei religiosa nesse primeiro momento. A grande diferença do EI para os outros grupos terroristas do mundo, como a Al Qaeda, Boko Haram, outros grupos que já existiram, como a Brigadas Vermelhas da Itália, ou o IRA, etc. A grande diferença é que eles manipulam muito bem as redes sociais. Eles se destacam no cenário internacional hoje porque utilizam nas redes sociais o seu modo de pensar, sua ideologia. Esse é o fator para os quais chegam aos jovens que têm um certo entendimento, certa compreensão desses ideais. No Brasil, isso chegou pouco. Nesse caso, por exemplo, da menina do Brasil, é uma exceção, se comparado a grande quantidade de pessoas na Europa que está assumindo esse ideário.
LJ: Existe alguma lei que proíba esse tipo de contato pela rede social?
MTA: Não, na verdade aí está um problema interessante: não existe uma governança global sobre a internet. Ela continua sendo um território livre. Apesar de haver algumas regras, você sabe que um vídeo postado no Youtube, até você tirar, demora muito, o vídeo já está viralizado. Barrar esse tipo de discussão, disseminação de ideias é muito difícil hoje na internet com meios tão avançados. Então, eles acabam chegando lá na ponta do processo. Como eles chegam com um ideário muitas vezes voltado para a conversão do islã, ou pelo menos essa vertente do islã que eles pregam, então eles conseguem arrebanhar muitos jovens. Na Europa, eles conseguem arrebanhar a segunda geração dos imigrantes que foram para a Europa. Muitas pessoas pensam que os imigrantes que vieram da Síria hoje são os terroristas na Europa. Não é isso. É a segunda geração, são os filhos dos primeiros imigrantes que não encontraram uma boa guarida nos países europeus, portanto estão na periferia desse processo e, quando encontra alguém que gera orgulho de serem islâmicos, muçulmanos, eles acabam comprando essa ideia. Então isso é muito forte na Europa e no Brasil está chegando. Chegou, por exemplo, eu conheço muita gente que, não é que aceita esse ideário, mas pelo menos é simpático a ele.
LJ: A Interpol pode trazer Karina Barbosa de volta ao Pará?
MTA: A Interpol, se detectar algum tipo de violência a algum direito, por exemplo, se ela foi de alguma forma convencida de maneira ilegal, se foi levada do país por alguma violência, tipo sequestro. Mas se ela foi por livre e espontânea vontade, não se pode impedir que a pessoa circule. Um dos direitos humanos é a liberdade de ir e vir. Agora, o problema está, e aí vem a grande questão, se efetivamente ela foi para lá com alguma forma de coerção, aí se trata de uma violência e a Interpol pode intervir.
LJ: Existe alguma possibilidade de existência de um núcleo do EI no Brasil?
MTA: Eu acho muito difícil. Como doutorando em Relações Internacionais, digo para você que que é muito difícil ter um núcleo, uma espécie de célula, aliás, quando se deu o episódio do 11 de setembro de 2001, se procurou na tríplice fronteira, Brasil, Argentina e Paraguai a ideia de que teriam algumas células, mas nada ficou comprovado. O que se tem, na verdade, é um discurso que alguns aceitam como tal e querem empenhar a própria vida por aquele ideário. Não se tem notícia de células. Existem pessoas que podem estar concordando, mas são pessoas soltas, não é um grupo efetivo de pessoas.
LJ: É comum que simpatizantes desta ideologia se juntem ao EI?
MTA: Na Europa, eu diria que sim. Tem sido muito constante. Inclusive naquela situação de serem ponta de lança no processo. Às vezes o cara não sai de lá do Oriente Médio ou do Iraque, Irã, Afeganistão, Paquistão para ir para a Europa. Ele já está lá. Ele é convencido e, voluntariamente, se coloca. O fenômeno terrorismo pelo meio cibernético é muito novo. Nós ainda estamos tentando entender dado àquilo que falei que a internet é um território muito livre e as ideias disseminam, existem sim possibilidades de se estar criando toda essa mentalidade. Porém, eu diria para vocês que o mesmo meio de disseminação desses ideários também deveria ser o mesmo meio de condenação dessas ideias. Então existe uma guerra de ideias por meio da internet.
Entrevista concedida às repórteres Mirelly Pires e Julyanne Forte.