Pela primeira vez desde 2020, a inflação oficial do País voltou a fechar dentro do chamado intervalo de tolerância da meta que tem de ser atingida anualmente pelo Banco Central. Pelos dados divulgados pelo IBGE nesta quinta-feira, 11, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) registrou variação de 4,62% no ano passado - para uma meta de 3,25%, com teto de 4,75%. O índice havia estourado o limite superior da meta nos dois anos anteriores: em 2022 (5,79%) e 2021 (10,06%).
Se por um lado a desaceleração da alta de preços é uma boa notícia para o consumidor, por outro vai reduzir o espaço para gastos do governo neste ano, conforme previsto na nova regra fiscal (mais informações na pág. B3). Produtos não alimentícios como gasolina e planos de saúde foram os responsáveis pela maior parte do IPCA no ano passado.
##RECOMENDA##Houve uma aceleração da inflação no fim do ano passado, saindo de 0,28%, em novembro, para 0,56% em dezembro. Neste caso, alimentos e passagens aéreas foram os itens que mais pesaram. O resultado de dezembro superou as estimativas mais pessimistas de analistas ouvidos pelo Projeções Broadcast, que previam uma variação entre 0,38% e 0,55%. O resultado, porém, foi o mais brando para meses de dezembro desde 2018.
"A inflação em dezembro foi impulsionada pela variação acima do esperado em alimentação dentro e fora do domicílio", avaliou o diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, em relatório. Ele afirmou que a dinâmica da inflação de serviços merece atenção para a condução da política monetária, em um cenário com mercado de trabalho ainda aquecido e uma política fiscal expansionista.
Produtos não alimentícios puxam variação da inflação em 2023
A alta média de 5,62% nos preços de produtos não alimentícios respondeu por 95% da inflação oficial do País em 2023, de acordo com os dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Entre os 10 itens com maior impacto para o resultado geral do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apenas dois foram alimentos: arroz (24,54%) e refeição fora de casa (alta de 4,34%). Os demais foram não alimentícios: passagem aérea (47,24%), emplacamento e licença (21,22%), gasolina (12,09%), plano de saúde (11,52%), ensino fundamental (10,63%), taxa de água e esgoto (10,08%), energia elétrica residencial (9,52%) e condomínio (6,74%).
Os transportes, em geral, pesaram mais no orçamento doméstico. A alta na gasolina fez o item exercer a maior pressão no ano, responsável por 0,56 ponto porcentual do IPCA. "A gasolina teve reoneração de tributos federais e teve também mudança na cobrança de ICMS ao longo de 2023", explicou André Almeida, gerente do Sistema Nacional de Índices de Preços do IBGE.
A alta de 21,22% no emplacamento e licença, segundo maior impacto no IPCA, respondeu por 0,53 ponto porcentual. "A alta nos preços dos automóveis em 2022 se refletiu na cobrança do IPVA em 2023. Então, foi um fator que contribuiu para o IPCA do ano", disse Almeida.
Outra alta relevante foi o das passagens aéreas, que contribuíram com 0,32 ponto porcentual no acumulado do ano, quinta maior pressão sobre a inflação.
No caso dos planos de saúde, Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) fixou em junho reajustes de até 9,63% para novos planos individuais. Houve alta também de 5,83% dos produtos farmacêuticos, após a autorização de reajuste de até 5,6% nos preços dos medicamentos.
A alta na energia elétrica residencial no ano ocorreu a despeito de ter vigorado, ao longo de todo o ano de 2023, a bandeira tarifária verde, em que não há cobrança adicional nas faturas. Ainda em habitação, ficou mais cara em 2023 a taxa de água e esgoto. "De maneira geral, a gente pode dizer que a inflação de 2023 foi puxada pelos (preços) monitorados (pelo governo)", disse Almeida. A inflação de bens e serviços monitorados pelo governo encerrou o ano passado com alta de 9,12%, quase o dobro do resultado global do IPCA no período.
Mercado
O banco Santander Brasil avalia que o resultado do IPCA do ano passado mostra um quadro ainda "benigno", sinalizando "que o processo de desinflação foi definitivamente bem-sucedido, embora ainda não tenha sido concluído".
Para o chefe de pesquisa macroeconômica da gestora Kínitro Capital, João Savignon, a surpresa com a aceleração da inflação em dezembro (que chegou a 0,56%) não deve alterar o plano de voo do Banco Central para a condução da política monetária - com a manutenção do ritmo de corte da taxa básica de juros, a Selic, em 0,50 ponto porcentual pelo menos nas duas próximas reuniões do Copom.
"Em linhas gerais, a surpresa (de dezembro) resultou de uma inflação mais elevada de alimentos (clima adverso afetando preços de alimentos in natura) e de serviços, por conta de passagem aérea e serviços intensivos em mão de obra", disse ele, em nota, citando ainda a influência em dezembro do efeito de devolução dos descontos do período de Black Friday.
Alimentação
No mês de dezembro, as famílias gastaram 1,11% mais com alimentação e bebidas. "Historicamente, os preços dos alimentos têm alta nessa época de fim de ano e início de ano, principalmente em razão do clima", disse Almeida.
Houve elevações em dezembro da batata-inglesa (19,09%), feijão-carioca (13,79%), arroz (5,81%) e frutas (3,37%). Já o leite longa-vida ficou mais barato pelo sétimo mês consecutivo, com queda de 1,26% em dezembro.
Apesar dos aumentos de preços na reta final do ano passado, a safra agrícola recorde ajudou a deter a inflação de alimentos em 2023. O custo das famílias com alimentação e bebidas subiu 1,03% no ano, menor resultado desde 2017 - uma contribuição de 0,23 ponto porcentual para a taxa de 4,62% registrada pelo IPCA em 2023. Alguns itens, porém, tiveram aumentos expressivos no ano passado. O morango teve alta de 75,56%; o pepino, 54,43%; e a abobrinha, 44,91%.
"Foi uma combinação de fatores. Em 2023, a gente teve safras muito boas, principalmente a safra de grãos. E os preços das commodities agrícolas tiveram redução no mercado internacional. Isso contribui para uma redução nos preços de diversos alimentos, como carnes e frango", disse o gerente do Sistema Nacional de Índices de Preços do IBGE.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.