O som das buzinas é constante, pessoas apressadas e esbarram umas nas outras, trânsito congestionado nas vias que ligam a Avenida Conde da Boa Vista à Guararapes, no centro do Recife. Os ponteiros do relógio se aproximam das 12h e o cenário já é de horário de pico. De um lado, o caótico. Do outro, dentro da Estação Guararapes, um senhor sentado em seu pequeno banco feito de madeira é só calmaria. De repente, o barulho das ruas vai perdendo espaço para o ruído vindo da troca das estações de rádio, no som de Luiz Francisco Santana.
Aos 91 anos, o aposentado tem como companheiros inseparáveis o seu banquinho e o aparelho de rádio que leva consigo para todos os lugares. Ao seu redor, a modernidade da tecnologia das estações do BRT e o mar de fones de ouvidos com os usuários do transporte público da capital pernambucana causa contraste. Vaidoso e fã de chapéus por causa do pouco cabelo, Luiz Francisco faz questão de se vestir com calças na altura das canelas pra mostrar que seus pés nunca estão inchados e são saudáveis.
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No colo, ele segura seu rádio e não há uma estação específica para ouvir todos os dias. Ouve sempre o que lhe chama atenção e faz esquecer de todo o caos ao seu redor. No aguardo de seu ônibus para retornar para casa, o aposentado é alvo de olhares curiosos. A cena causa estranheza, principalmente aos mais novos que passam pelo corredor da estação. Luiz diz que se acostumou com os sorrisos e os cumprimentos, às vezes. Desde os 18 anos, ainda na época dos bondes, ele já utilizava o banco de madeira e o rádio para aguardar a chegada do transporte.
Na juventude, Luiz conta trabalhou em muitos setores e principalmente na área de limpeza de empresas grandes. Após se aposentar, decidiu lavar carros para ganhar uma renda extra. Trabalhava na Avenida Marquês de Olinda, em frente ao Banco do Brasil.
“Passei minha vida toda trabalhando braçalmente e, com o dinheiro, construí minha casa, tijolo por tijolo”, lembra. Aposentado há quase duas décadas, ele decidiu que não iria ficar em casa o dia todo porque isso era “se entregar”. Por isso, todos os dias, o idoso utiliza o transporte público para passear e continuar vivendo a cidade.
“Agora que não preciso pagar passagem, saio todos os dias cedinho de casa, às 5h, e vou até o centro. Quando o meu banquinho já está desgastado, vou ao Mercado de São José e compro um novo. Também tenho dois rádios, no caso de algum quebrar”, diz. Não é só na espera do coletivo que Luiz senta em seu banquinho. Dentro dos ônibus, ele também prefere ceder o lugar a outro passageiro e segue viagem no banco de madeira.
Apaixonado por andar no transporte coletivo, ele conta que na época dos trens e veículos mais antigos conseguiu viajar por todo o Sertão pernambucano, desde Serra Talhada a Sertânia e Salgueiro.
Atualmente, ele não se diz satisfeito com os ônibus do Recife e diz que deixa muito a desejar, principalmente pela falta de comodidade e assentos. Mas, apesar disso, segue utilizando o meio de transporte para visitar seus locais favoritos. “Eu trabalhei, me aposentei e agora tenho que aproveitar o resto da minha vida até quando Deus permitir. Enquanto eu tiver saúde e vida, estou satisfeito”.
"Queria levar o meu banquinho e o meu rádio para conhecer o Japão"
Mesmo com a garantia de lugares reservados para idosos nos coletivos, Luiz diz que não deixa de mão o seu banco de madeira, até porque nas estações não há onde sentar para esperar pelo ônibus. No meio da conversa, o senhor pede licença e puxa cuidadosamente a antena de seu rádio. Ele procura uma estação e para a surpresa, sintoniza em uma que tocava uma música mais jovem e internacional. “Gosto das minhas músicas, não importa o ritmo. Gosto de ouvir uma boa melodia. Quando chega o Carnaval, ouço frevo, no São João, gosto de um forró”, conta.
Pura representação da nostalgia de uma época em que se prezava mais pela calma na rotina entre as idas para o trabalho e no retorno para casa, Luiz também é o contraste do moderno e avexado. Gozar o resto da vida é sua meta. Mas o aposentado também ainda tem sonhos que gostaria de realizar com seu banquinho. “Eu fui saber se eu tinha que pagar passagem daqui pro Japão e descobri que não. Mas tenho que marcar com antecipação. Eu não vou porque tem que ter dinheiro pra pagar o hotel e para ter alguém me esperando do outro lado. Mas se eu pudesse conheceria. Eles sempre vêm pra cá, também temos o direito de ir pra lá”.
Orgulhoso de ser um andarilho e um conhecedor exímio de sua cidade, o aposentado diz que utilizar o transporte público é a melhor forma de saber o que acontece no município. Ele também conta que antigamente era mais tranquilo passear e que hoje tem certo receio porque causa da violência. “O Recife já teve um tempo melhor, eu nasci e me criei em um tempo que não tinha essa roubalheira toda. Eu boto a mão para o céu porque ninguém mexeu comigo. Assim, quero ter meu restinho de vida livre”.
Orgulhoso da sua saúde, Luiz Francisco é taxativo ao dizer que nunca colocou uma gota de álcool na boca. “Minhas pernas são limpas, não tenho feridas e nem vícios. Há quatro anos, perdi minha esposa, mas continuo vivendo e pretendo aproveitar os dias que ainda tiver. Adoro olhar a cidade sentado em meu banco ao som de uma boa música. Vivo cada dia como único”.
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