Em um dos lados da pista do Cais de Santa Rita, no bairro de São José, as luzes coloridas piscam nas varandas e o som de conversas familiares ecoam pelos apartamentos das duas torres gêmeas construídas pela Moura Dubeux, na área central do Recife. Na mesma calçada, escorados no muro do residencial, famílias aguardam ansiosamente por pedaços de comida, doações de roupas e utensílios. É noite de véspera de Natal, mas para o grupo em situação de rua parece ser só mais um longo dia enfrentando as adversidades de não ter uma moradia digna.
Com lençóis, papelões, mochilas velhas para guardar as doações, roupas do corpo e muitas vasilhas, os 'moradores' da calçada do Cais de Santa Rita evidenciam o centro do Recife de contrastes, da miséria ao luxo. As torres gigantes representam o sucesso das empreiteiras e construtoras em uma área pouco habitável da capital pernambucana. Mas, a poucos metros daquele local, a problemática do fenômeno da especulação imobiliária é evidenciada: a habitação é para poucos.
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Pessoas que foram abandonadas, crianças sem perspectiva de futuro, gente sem apoio governamental, dependentes químicos, doentes e até quem sofreu desilusões com a vida e desistiu de tudo. A rua é um palco cheio de personagens, mas não basta estar ali para ser visto e notado.
A moradora da invasão da Linha do Trem Edivânia Santos de Lima, 38, vive há mais de dez anos entre temporadas nas ruas do centro e em seu barraco. Mãe de três filhos, dois presos e uma que vive distante, ela decidiu passar a véspera de Natal como em outros anos: na rua. “Em dezembro, a gente decide morar nas calçadas para poder pegar roupas, comidas e brinquedos para as crianças. A gente sente falta de muita coisa, de uma casa com uma ceia e os nossos filhos em uma mesa. Mas, somos desempregados e temos que nos virar com as doações”, conta a moradora em situação de rua.
Edivânia é carroceira e trabalha carregando papelão pela cidade para conseguir se manter financeiramente. Ela lamenta que ninguém da sua família vai ter uma ceia de natal das que passam nos filmes. “A gente se sente abandonado pelo prefeito, que promete tanto e não faz nada. Eles querem crescer acima dos pobres. Olhando essas torres, a gente se sente pequeno. Pra eles, somos todos bandidos, mas eles têm que entender que nem todos estão incluídos”, explica.
Do outro lado da calçada, a poucos metros do local onde Edivânia mora, um grupo com mais de trinta pessoas ocupa parte da calçada de um armazém nas proximidades do Cais de Santa Rita.
Qualquer carro que se aproxima, a expectativa já é grande e eles cercam o veículo. As crianças, principalmente. Todos acham que são novas doações chegando. Comida, material de higiene, roupas e brinquedos. Qualquer donativo é bem-vindo e aceito pelos moradores. Na véspera de Natal, a esperança deles aumenta justamente porque muitas instituições e grupos se unem para ajudar pessoas em situação de risco.
Eles contam que receberam comidas prontas em quentinhas, algumas roupas e as crianças receberam alguns brinquedos mais simples. Muitos querem bicicletas, patins e bolas de futebol. Um deles, no entanto, pediu um milhão de cestas básicas. Disse que seria suficiente para alimentar todo mundo nesta véspera de Natal.
Ângela Maria de Araújo, 20, tem quatro filhos e residia na comunidade do Coque. Se mudou para a rua há alguns meses em busca de melhores condições. Na rua. Sem querer ser fotografada com medo de retaliações de órgãos públicos que já tentaram retirar o grupo daquela localidade, ela é sucinta ao dizer que o Natal está bom. “Estamos todos com saúde e com vida. Isso é o importante pra mim”, diz.
Outras colegas de moradia se juntam a Ângela e reclamam que as pessoas não podem exigir a saída deles dali. Estão na rua e é pública. “A gente não mexe com ninguém, se estamos aqui em pleno Natal é porque não temos para onde ir”, diz uma moradora que preferiu não se identificar. Para Ângela, o Natal dos sonhos ainda está distante, já que a única certeza que tem é sua permanência nas calçadas do centro do Recife. “Eu queria uma casa própria e condições para me manter. Uma ceia bem bonita. Mas o Brasil é de poucos com muito e muitos com pouco”, lamenta.
Já é quase 22h da véspera de Natal e o grupo começa a cantar uma canção religiosa. As crianças brincam, correm e pedem brinquedos. Curiosos, querem saber que horas chega a feira. Conversas, sussurros, disputa por comida. Apesar de tudo isso, o Natal de quem não tem uma moradia é silencioso e taxativo.
Everaldo Bezerra, 30, vive com os dois filhos e a esposa em uma lona posta de forma improvisada na calçada. Desempregado, sem receber auxílio, reclama da falta de humanidade da Prefeitura do Recife. “Muitas vezes eles vêm e levam tudo nosso. Dizem para sairmos daqui, batem na gente, mas a gente não têm para onde ir”, fala.
“Já tive ceia em casa e morava de aluguel. Fiquei desempregado e perdi tudo”, lamenta. Com esperança de ter uma véspera natalina recheada de doações, Everaldo segue com os olhos atentos nos carros que passam e aguarda pelo jantar de Natal. “Queria comer uma janta boa, com peru e tudo, mas já recebemos sopa e algumas comidas, estamos alimentados”.
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