Pouco mais de um mês separa a posse e as expectativas sobre o mandato de Cristiano Zanin como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), dos votos polêmicos que o ex-advogado do presidente Lula (PT) nos inquéritos da Operação Lava Jato proferiu na Corte. Neste período, o "homem de Lula" conseguiu desagradar a esquerda que torcia que ele ocupasse uma das cadeiras do STF e, por outro lado, que fazer com que políticos da extrema-direita celebrassem algumas das decisões dele. Até aliados de primeira hora do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) chegaram a comemorar pareceres e votos do novo ministro. E em tão pouco tempo de atuação já tem a pecha de ministro imprevisível.
Empossado, Zanin votou importantes matérias no Supremo. Em seu primeiro voto, no dia 10 de agosto, sobre o juiz de garantias, ele votou pela implementação do mecanismo.
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"Estou convicto de que a existência do juiz de garantias poderá, efetivamente, mudar o rumo da Justiça brasileira, pois, ao garantir à população brasileira maior probabilidade de julgamentos imparciais e independentes, permite-se que o sistema penal seja potencialmente mais justo. A imparcialidade do juiz é o princípio supremo do processo penal".
Ao apreciar no plenário virtual um recurso da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) sobre injúria racial contra comunidade LGBTQIA+, Zanin seguiu o entendimento oposto ao dos nove ministros do STF que acataram a solicitação. Com as críticas circulando pelas redes sociais, feitas por políticos, artistas e associações LGBTQIA+.
Em uma apreciação que tinha os olhos da esquerda voltados para a defesa do ministro, a descriminalização da maconha, ele irritou mais uma a esquerda ao votar contra a matéria. "A mera descriminalização do porte de drogas para consumo, na minha visão, apresenta problemas jurídicos e ainda pode agravar a situação que enfrentamos nessa problemática do combate às drogas. A descriminalização, ainda que parcial das drogas, poderá contribuir ainda mais para o agravamento desse problema de saúde", justificou no dia 24 de agosto. Ele foi o único dos seis ministros que já votaram a se opor a descriminalização.
A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) disparou contra Zanin: “Lamentável o voto de Zanin. Descriminalizar a posse de drogas é essencial para combater o encarceramento em massa e a suposta ‘guerra às drogas’, que afeta sobretudo pobres e negros. A próxima indicação de Lula ao STF deve representar as lutas democráticas e progressistas”. Quem também criticou o voto foi a deputada federal Érika Hilton (PSOL-SP), que apelou “mais do que nunca” uma ministra negra no STF.
Logo em seguida, em uma ação do plenário virtual, na qual os indígenas denunciavam a violência policial no Mato Grosso do Sul, foi rejeitava. O despacho provocou um novo desgaste do magistrado com os apoiadores do presidente Lula e fazendo com que sua atuação começasse a ser vista como imprevisível. A partir deste momento o PT não mais silenciou. Em uma resolução a sigla alfineta, sem citar o nome do magistrado, as decisões dele que contrariam as bandeiras da legenda. Já os políticos da direita enalteceram a decisão do ex-advogado de Lula.
Afagos de aliados de Bolsonaro
Um aliado de primeira hora de Bolsonaro, o senador Magno Malta (PL-ES) não poupou elogios em um vídeo. “Parabéns Eu votei contra, sabatinei e tenho autoridade para falar o que vou falar agora. O Zanin chegou lá e deu dois votos muito importantes: primeiro, eles perderam o PL da homofobia, que nunca foi crime essa história da homofobia e tentaram incluir de todas as maneiras o racismo, o que nada tem de homofobia. Ele votou contra e agora votou contra a legalização da maconha. Está apanhando nas redes sócias. Ah, é! O cara mostrou que é católico, que acredita nos valores, que acredita na vida e parece que desassociou seu voto ao fato de ter sido advogado do Lula e agora eles estão espancando o cara. Parabéns, deu um voto acertado pela vida, pelos valores, pelos princípios. Não seguiu o que pensa o partido do presidente e seus puxadinhos. Parabéns! ”, elogiou Magno Malta. “Nós não vamos crucificar você, não. De jeito nenhum”, complementou”.
Nas redes sociais, outra aliada de Bolsonaro, também comemorou uma decisão de Zanin. A deputada federal, Carla Zambelli (PL-SP), compartilhou uma manchete do site Uol sobre o arquivamento do processo de Bolsonaro por omissão de compra da vacina da Covid-19 no período crítico da pandemia. Ela escreveu na imagem que elaborou para o post que a “verdade venceu” e legendou dizendo: “Deus é justo!”. A publicação recebeu milhares de comentários com comemorações a respeito do arquivamento. “Deus no comando”, escreveu um. “A verdade prevalece”, disse outro. “Deus é fiel”, comentou um terceiro.
A expectativa do voto sobre o Marco Temporal Já no dia 31 de agosto, uma importante matéria do Supremo e uma prioridade para o governo Lula voltou ao plenário da Corte: o Marco Temporal – que restringe os direitos constitucionais dos indígenas. A expectativa em relação ao voto de Zanin, desta vez, terminou em celebração pela ala da esquerda e empolgou os indígenas que estavam no plenário do STF acompanhando a sessão. Isto porque, o ministro seguiu o voto do relator Edson Fachin e foi contra a tese, o que é favorável aos povos indígenas.
“A originalidade do direito dos indígenas às terras que ocupam foi reafirmada com o advento da Constituição de 1988, o que revela a procedência desse direito sobre qualquer outro, assim como a ausência de marco temporal a partir de implantação do novo regime constitucional”, argumentou.
Avaliação dos votos e de apreciações de processos
Para avaliar a atuação do ministro sob a ótica da ciência política, o LeiaJá entrevistou o doutor em ciência política e professor da UFPE, Arthur Leandro. O estudioso considera que a decisão de Zanin por arquivar o processo contra o ex-presidente Bolsonaro “foi "garantista", em favor do acusado. Não é surpreendente, dado que ele é um ministro que tem origem na advocacia, e não no ministério público”, asseverou.
Em relação ao voto sobre o marco temporal Leandro chama atenção que apesar de desagradar a direita, o voto é “compatível com liberalismo clássico”. “No caso do marco temporal, Zanin disse que a Constituição reconhece que os direitos indígenas à terra são “mais antigos” do que "quaisquer outros”. Era um voto possível, que contraria a direita brasileira que está "fechada com Bolsonaro", mas que é perfeitamente compatível com o liberalismo clássico, que advoga a ideia de "direitos naturais e inalienáveis", advertiu.
Questionado pela reportagem do LeiaJá se o magistrado tem um perfil que pode ser considerado conservador a partir dessas decisões iniciais, Leandro argumenta: “O conceito de "conservador" é controvertido, tem uma precisão técnica que a debate público não tem alcançado, no Brasil. Eu acredito que seria mais correto dizer que ele deu um voto "parcimonioso", ao evitar uma decisão que mudaria o tratamento das instituições políticas e judiciais ao tema, no Brasil; na verdade, ele devolve a bola para o poder legislativo.
Em linhas gerais, o cientista político sintetiza que o indicado de Lula “posa para a foto como um ministro independente, decidindo em alguns casos contra a base progressista do governo, e contra - em outros - contra a base progressista do governo, e - em outros - contra o interesse dos ruralistas, mineradores e do agronegócio. O saldo final, parece-me, é positivo: para ele, para o STF, e para o governo. Mesmo os bolsonaristas, quiçá, destensionarão a pressão contra ele. A ver”.