Se existe uma coisa que os estudantes que estão se preparando para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) querem é tirar uma boa nota na redação. E se essa nota chegar a 1000, a vontade passa a ser um sonho. Alcançar a pontuação máxima da prova é para poucos, mas é possível. E, segundo o professor de redação e Linguagens Diogo Xavier, o segredo está em cumprir todas as competências exigidas pelo exame.
Ainda de acordo com o docente, é preciso prática para conseguir adquirir uma boa escrita. Além disso, conhecer as competências cobradas pelo Enem é fundamental para desenvolvê-las de uma forma satisfatória e adequada na redação.
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Desenvolvendo as competências
Na competência 1, o Exame cobra domínio da norma culta da língua escrita. “Para a competência 1, é preciso evitar o uso de linguagem informal ou com marcas de oralidade, bem como minimizar os desvios e os problemas de construção sintática”, aconselha Xavier.
Já na competência 2, é preciso que os estudantes compreendam a proposta de redação. “É necessário compreender o tema e desenvolvê-lo, dentro das características estruturais da Dissertação. Além disso, é preciso usar repertório sociocultural respaldado em áreas do conhecimento, pertinente ao tema e articulado à discussão”, diz Diogo Xavier.
Na terceira competência, é cobrada a coerência textual. “Na competência 3, o estudante precisa garantir a autonomia do texto, de modo que todas as ideias apresentadas sejam desenvolvidas, explicadas, sem que, para compreender, o leitor tenha que lançar mão de conhecimento prévio”, explica o professor.
Já na competência 4, é preciso que o candidato desenvolva conhecimento dos mecanismos linguísticos. “Para ir bem na competência 4, é preciso conhecer bem os conectivos e as relações que eles estabelecem, assim como empregar recursos de retomada”, garante Xavier.
Por fim, na competência 5, os estudantes que fazem o Enem precisam apresentar uma proposta de intervenção para o problema abordado. “A competência 5 exige a apresentação de uma proposta de intervenção completa, relacionada ao problema discutido: agente, ação, meio, finalidade , com o detalhamento de um desses itens”, explica o docente Diogo Xavier.
Redações nota mil
Contrariando todas as expectativas, o tema da redação do Enem 2019 foi “Democratização do acesso ao cinema no Brasil”. O tema, de acordo com os docentes, na época, poderia englobar diversas vertentes e apenas por meio do texto de apoio é que os estudantes puderam desenvolver adequadamente o texto. Com isso, apenas 53 participantes alcançaram a nota máxima na prova no ano passado. Os espelhos dessas redações nota 1000 ainda não foram divulgados para a imprensa pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Já em 2018, o número de notas 1000 foi maior: 54. O tema da redação neste ano foi “Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet”. Confira, abaixo, três redações nota mil da edição 2019 do Enem e, em seguida, as observações do professor Diogo Xavier sobre os textos.
“Redação de CAROLINA MENDES PEREIRA
Em sua canção “Pela Internet”, o cantor brasileiro Gilberto Gil louva a quantidade de informações disponibilizadas pelas plataformas digitais para seus usuários. No entanto, com o avanço de algoritmos e mecanismos de controle de dados desenvolvidos por empresas de aplicativos e redes sociais, essa abundância vem sendo restringida e as notícias, e produtos culturais vêm sendo cada vez mais direcionados – uma conjuntura atual apta a moldar os hábitos e a informatividade dos usuários. Desse modo, tal manipulação do comportamento de usuários pela seleção prévia de dados é inconcebível e merece um olhar mais crítico de enfrentamento.
Em primeiro lugar, é válido reconhecer como esse panorama supracitado é capaz de limitar a própria cidadania do indivíduo. Acerca disso, é pertinente trazer o discurso do filósofo Jürgen Habermas, no qual ele conceitua a ação comunicativa: esta consiste na capacidade de uma pessoa em defender seus interesses e demonstrar o que acha melhor para a comunidade, demandando ampla informatividade prévia. Assim, sabendo que a cidadania consiste na luta pelo bem-estar social, caso os sujeitos não possuam um pleno conhecimento da realidade na qual estão inseridos e de como seu próximo pode desfrutar do bem comum – já que suas fontes de informação estão direcionadas –, eles serão incapazes de assumir plena defesa pelo coletivo. Logo, a manipulação do comportamento não pode ser aceita em nome do combate, também, ao individualismo e do zelo pelo bem grupal.
Em segundo lugar, vale salientar como o controle de dados pela internet vai de encontro à concepção do indivíduo pós-moderno. Isso porque, de acordo com o filósofo pós-estruturalista Stuart-Hall, o sujeito inserido na pós-modernidade é dotado de múltiplas identidades. Sendo assim, as preferências e ideias das pessoas estão em constante interação, o que pode ser limitado pela prévia seleção de informações, comerciais, produtos, entre outros. Por fim, seria negligente não notar como a tentativa de tais algoritmos de criar universos culturais adequados a um gosto de seu usuário criam uma falsa sensação de livre arbítrio e tolhe os múltiplos interesses e identidades que um sujeito poderia assumir.
Portanto, são necessárias medidas capazes de mitigar essa problemática. Para tanto, as instituições escolares são responsáveis pela educação digital e emancipação de seus alunos, com o intuito de deixá-los cientes dos mecanismos utilizados pelas novas tecnologias de comunicação e informação e torná-los mais críticos. Isso pode ser feito pela abordagem da temática, desde o ensino fundamental – uma vez que as gerações estão, cada vez mais cedo, imersas na realidade das novas tecnologias – , de maneira lúdica e adaptada à faixa etária, contando com a capacitação prévia dos professores acerca dos novos meios comunicativos. Por meio, também, de palestras com profissionais das áreas da informática que expliquem como os alunos poderão ampliar seu meio de informações e demonstrem como lidar com tais seletividades, haverá um caminho traçado para uma sociedade emancipada.”
Foto: Paulo Uchôa/LeiaJáImagens/Arquivo
Redação de MATTHEUS MARTINS WENGENROTH CARDOSO
O advento da internet possibilitou um avanço das formas de comunicação e permitiu um maior acesso à informação. No entanto, a venda de dados particulares de usuários se mostra um grande problema. Apesar dos esforços para coibir essa prática, o combate à manipulação de usuários por meio de controle de dados representa um enorme desafio. Pode-se dizer, então, que a negligência por parte do governo e a forte mentalidade individualista dos empresários são os principais responsáveis pelo quadro.
Em primeiro lugar, deve-se ressaltar a ausência de medidas governamentais para combater a venda de dados pessoais e a manipulação do comportamento nas redes. Segundo o pensador Thomas Hobbes, o Estado é responsável por garantir o bem-estar da população, entretanto, isso não ocorre no Brasil. Devido à falta de atuação das autoridades, grandes empresas sentem-se livres para invadir a privacidade dos usuários e vender informações pessoais para empresários que desejam direcionar suas propagandas. Dessa forma, a opinião dos consumidores é influenciada, e o direito à liberdade de escolha é ameaçado.
Outrossim, a busca pelo ganho pessoal acima de tudo também pode ser apontado como responsável pelo problema. De acordo com o pensamento marxista, priorizar o bem pessoal em detrimento do coletivo gera inúmeras dificuldades para a sociedade. Ao vender dados particulares e manipular o comportamento de usuários, empresas invadem a privacidade dos indivíduos e ferem importantes direitos da população em nome de interesse individuais. Desse modo, a união da sociedade é essencial para garantir o bem-estar coletivo e combater o controle de dados e a manipulação do comportamento no meio digital.
Infere-se, portanto, que assegurar a privacidade e a liberdade de escolha na internet é um grande desafio no Brasil. Sendo assim, o Governo Federal, como instância máxima de administração executiva, deve atuar em favor da população, através da criação de leis que proíbam a venda de dados dos usuários, a fim de que empresas que utilizam essa prática sejam punidas e a privacidade dos usuários seja assegurada. Além disso, a sociedade, como conjunto de indivíduos que compartilham valores culturais e sociais, deve atuar em conjunto e combater a manipulação e o controle de informações, por meio de boicotes e campanhas de mobilização, para que os empresários sintam-se pressionados pela população e sejam obrigados a abandonar a prática.”
“Redação de LUISA SOUSA LIMA LEITE
A Revolução Técnico-científico-informacional, iniciada na segunda metade do século XX, inaugurou inúmeros avanços no setor de informática e telecomunicações. Embora esse movimento de modernização tecnológica tenha sido fundamental para democratizar o acesso a ferramentas digitais e a participação nas redes sociais, tal processo foi acompanhado pela invasão da privacidade de usuários, em virtude do controle de dados efetuado por empresas de tecnologia. Tendo em vista que o uso de informações privadas de internautas pode induzi-los a adotar comportamentos intolerantes ou a aderir a posições políticas, é imprescindível buscar alternativas que inibam essa manipulação comportamental no Brasil.
A princípio, é necessário avaliar como o uso de dados pessoais por servidores de tecnologia contribui para fomentar condutas intolerantes nas redes sociais. Em consonância com a filósofa Hannah Arendt, pode-se considerar a diversidade como inerente à condição humana, de modo que os indivíduos deveriam estar habituados à convivência com o diferente. Todavia, a filtragem de informações efetivada pelas redes digitais inibe o contato do usuário com conteúdos que divergem dos seus pontos de vista, uma vez que os algoritmos utilizados favorecem publicações compatíveis com o perfil do internauta. Observam-se, por consequência, restrições ao debate e à confrontação de opiniões, que, por sua vez, favorecem a segmentação da comunidade virtual. Esse cenário dificulta o exercício da convivência com a diferença, conforme defendido por Arendt, o que reforça condutas intransigentes como a discriminação.
Em seguida, é relevante examinar como o controle sobre o conteúdo que é veiculado em sites favorece a adesão dos internautas a certo viés ideológico. Tendo em vista que os servidores de redes sociais como “Facebook“ e “Twitter” traçam o perfil de usuários com base nas páginas por eles visitadas, torna-se possível a identificação das tendências de posicionamento político do indivíduo. Em posse dessa informação, as empresas de tecnologia podem privilegiar a veiculação de notícias, inclusive daquelas de procedência não confirmada, com o fito de reforçar as posições políticas do usuário, ou, ainda, de modificá-las para que se adequem aos interesses da companhia. Constata-se, assim, a possibilidade de manipulação ideológica na rede.
Portanto, fica evidente a necessidade de combater o uso de informações pessoais por empresas de tecnologia. Para tanto, é dever do Poder Legislativo aplicar medidas de caráter punitivo às companhias que utilizarem dados privados para a filtragem de conteúdos em suas redes. Isso seria efetivado por meio da criação de uma legislação específica e da formação de uma comissão parlamentar, que avaliará as situações do uso indevido de informações pessoais. Essa proposta tem por finalidade evitar a manipulação comportamental de usuários e, caso aprovada, certamente contribuirá para otimizar a experiência dos brasileiros na internet.”
Segundo Diogo Xavier, o que as redações têm em comum são justamente os pontos de cumprimento às competências. “Duas delas trazem repertório já na introdução para contextualizar o tema e a problemática. No geral, as três fazem referência a pensadores, usando de maneira produtiva, de modo a defender um ponto de vista. Não é obrigatório o uso das citações, mas constituem formas eficientes de argumentar. Além disso, todas as ideias apresentadas são desenvolvidas, explicadas. Em relação à coesão, os desenvolvimentos e a conclusão se iniciam com conectivos, aspecto importante”, sintetiza o docente.