Um estudo divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em parceria com o World Policy Analysis Center constatou que 90 milhões de crianças com menos de um ano de idade nascem e vivem em países que não têm nenhum tipo de licença-paternidade. O número equivale a cerca de dois terços das crianças.
Comparando o Brasil com o restante do mundo, percebe-se que a situação não é uma das piores (visto que há uma previsão legal de licença), mas está distante do ideal: os cinco dias previstos pela Constituição Federal de 1988 corresponde a apenas 9% da média de tempo de licença registrado nos países desenvolvidos, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
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Licença-paternidade no mundo
Para ter uma ideia melhor da situação, os cinco dias que são oferecidos no Brasil contrastam com as licenças oferecidas em países como Coréia (52,6 semanas), Japão (52 semanas) e Suécia (14,3 semanas). Na contramão, países como com o México tem uma semana e Estados Unidos e Suíça não preveem nenhum dia de licença remunerada para os pais de recém-nascidos.
Além da ampliação do tempo, outros fatores a se considerar no momento de um debate a respeito da licença-paternidade são a remuneração e a possibilidade ou não de dividir o período de dias a que cada membro do casal tem direito, para que tudo seja feito da maneira a que a família se adapte melhor.
Apesar de ser completamente remunerada, a licença paternidade no Brasil não permite que o tempo a que o pai tem direito seja manejado pela família através de um planejamento que leve em conta as licenças de ambos os responsáveis pela criança.
Nesse sentido, a Suécia é apontada como um dos países com a legislação mais avançada de todo o mundo. Lá, desde 1974 existe a previsão legal de licença para os pais, sendo o primeiro do mundo a instituir esse tipo de política.
Atualmente, casais recebem por lei 480 dias de licença a partir do nascimento da criança que podem ser divididos entre mãe e pai, dos quais 90 são compulsórios para o homem, que recebe 80% do salário, pagos pelo Estado nos primeiros 390 dias de licença.
Segundo a professora, pesquisadora e doutora em Direito do Trabalho, Isabele Moraes D’angelo, apesar de Constituição prever apenas cinco dias, há outros dispositivos legais além da própria vontade da empresa (uma vez que são os empregadores, não o Instituto Nacional de Seguro Social, quem paga pela licença-paternidade), que permitem a ampliação desse prazo.
O Programa Empresa Cidadã, por exemplo, concede benefícios fiscais às empresas que devem, em troca, dar mais 15 dias aos funcionários, que devem fazer essa solicitação em até dois dias após o parto ou adoção e também precisam comprovar a participação em programas ou atividades de orientação sobre paternidade responsável.
Além disso, o Marco Regulatório da Primeira Infância não modifica as regras para a licença-paternidade no serviço público, sendo possível que os servidores que tenham filhos disponham de até 30 dias, dependendo do Estado em que trabalhem. Em Pernambuco, por exemplo, a licença para servidores públicos é de 20 dias.
No ano de 2016, uma mudança na legislação que trata do tema (Artigo 473 da CLT) também instituiu o direito de os funcionários faltarem ao trabalho sem prejuízo salarial por até dois dias para acompanhar consultas médicas e exames complementares durante o período de gravidez de sua esposa ou companheira e um dia por ano para acompanhar filho de até 6 anos em consulta médica (Lei nº 13.257).
O advogado especialista em Direito Trabalhista e sócio da empresa Brasil Salomão e Matthes Advocacia Osvaldo Kusano explica em um artigo que a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) poderá ser modificada também por meio de acordos coletivos de trabalho.
Para Isabelle, os requisitos para que a ampliação da licença seja concretizada são muitos, o que faz com que a possibilidade de ter 20 dias de licença não seja alcançável por todos os pais.
Possíveis mudanças na Lei
Uma consulta aos portais de órgãos como a Câmara dos Deputados e o Senado Federal aponta um cenário em que vários políticos sugerem projetos de alteração das regras de licença-paternidade, alguns muito semelhantes entre si e outros que apresentam propostas totalmente distintas com tempos de que variam entre 30 e 120 dias de licença. Vários dos projetos foram apensados, cancelados, arquivados ou estão tramitando, alguns há vários anos, sem nunca chegar a ir ao plenário para votação.
No que diz respeito à ampliação de licença por casos especiais como, por exemplo, o falecimento da mãe no parto ou durante o período de licença maternidade e adoção por casais homoafetivos, a doutora em Direito do Trabalho Isabelle Moraes D’angelo explica que mesmo não havendo uma lei específica já existe um entendimento na justiça de que os pais devem ter direito a um regime especial de licença.
Assim, na opinião de Isabelle, ainda é a falta de vontade política para levar adiante um projeto de lei que ponha na Constituição um período de licença que seja equiparado ao que é concedido às mães, ou que pelo menos amplie a participação do pai no começo do convívio com os filhos como um direito de todos os brasileiros.
Pais felizes são funcionários engajados
A concessão de uma licença-paternidade maior do que os cinco dias a que todos têm direito por força de lei, por escolha institucional, é uma prerrogativa que as empresas têm. No Brasil já encontramos alguns exemplos de companhias permitindo que, ao se tornarem pais, os homens que ali trabalham gozem de um benefício maior e com a remuneração integral.
A empresa de cosméticos Natura, por exemplo, oferece 40 dias de afastamento do trabalho em função do nascimento ou adoção de filhos aos seus funcionários, sem nenhum desconto financeiro.
De acordo com o diretor de remuneração e benefícios da empresa, Marcos Milazzo, a medida, que foi implementada no ano de 2016, tem por objetivo gerar um ambiente de trabalho que preze pelo bem-estar como meio de aumentar o engajamento dos funcionários.
O engajamento é uma medição do modo como os funcionários se relacionam com a empresa. Segundo Marcos, as experiências positivas dos trabalhadores com a empresa e levando isso para outras pessoas. Conceder um tempo maior com a família no momento da chegada de um filho, segundo ele, é positivo para o funcionário e para a empresa porque se trata de um momento importante da vida em família que, quando melhor vivenciado, melhora a relação do funcionário com a empresa e eleva o engajamento.
“Temos estudos que mostram que quando há uma experiência positiva de trabalho, há uma tendência a mais tranquilidade do funcionário, que se torna mais produtivo, mais eficiente, além de promover a empresa, o que ajuda a atrair novos talentos para trabalhar conosco”, explica.
Um exemplo disso é o coordenador de sustentabilidade da Natura, João Teixeira, que tem um filho de três meses e tirou 40 dias de licença para ficar com ele e com a esposa quando o bebê nasceu.
João destaca a importância de estar presente no dia a dia do filho no início de sua vida, dando também todo o suporte necessário à esposa, fortalecer o vínculo de pai e filho que acaba sendo limitado por causa do horário do trabalho.
“Eu estava acostumado a cuidar do bebê, então eu senti um pouco esse retorno, de ver menos o bebê. Quando eu chego e ele está acordado e me dá um sorrisão, isso faz diferença. Fico muito contente de ter vivenciado esse começo da vida dele, conhecer a personalidade dele, entender ele, acho que isso me auxiliou no trato com meu filho e isso me deixa mais tranquilo para trabalhar”, explica João.
Ele também explica que acha o tempo determinado pela lei muito curto para que a família se adapte à nova rotina e que os pais entendam o que significa cuidar de um bebê e a carga de trabalho que as mães têm com a criança quando não estão devidamente amparadas.
“Acho que os pais que não têm essa vivência subestimam a carga da mulher por não entender o quanto é trabalhoso, além da criação do vínculo com o filho fica limitado. Ter mais tempo com o bebê acordado, ficando mais tempo em casa para conhecê-lo melhor faz diferença”, conta.