Os enredos são desconcertantes. Nos Estados Unidos, uma adolescente de 14 anos – virgem, frisa a mensagem – teria engravidado após ser vacinada contra a gripe. Numa outra versão do relato, as meninas são mexicanas e têm entre 11 e 17 anos. Nesse caso, a culpa pela gravidez é atribuída à vacina contra o HPV.
Com variações, narrativas falsas como essas – sem nenhuma comprovação científica – se disseminam pelas redes, dando sustentação ao discurso do movimento antivacina. No entanto, um estudo que investigou as postagens sobre vacina com maior engajamento nas redes sociais mostra a predominância de vozes favoráveis aos imunizantes. Os resultados apontam que há majoritariamente uma disposição pró-vacina (87,6%) e um forte interesse em temas ligados à saúde, ao desenvolvimento científico e às políticas de saúde. As fake news representaram 13,5% dos links com maior engajamento, o que, segundo os pesquisadores, é um dado preocupante relativo à desinformação sobre as vacinas.
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“As fake news em saúde são, atualmente, um problema extremamente grave, pois prestam um desserviço à população”, avalia a pesquisadora Luisa Massarani, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), uma das autoras do estudo. “É necessário estar atento a esse tipo de conteúdo, uma vez que as redes sociais podem ser usadas para reverberar as vozes de movimentos antivacina”, adverte.
Publicados em agosto na revista Cadernos de Saúde Pública, os resultados foram obtidos a partir da análise dos links mais compartilhados, curtidos e comentados no Facebook, Twitter Pinterest e Reddit no intervalo de um ano a partir de maio de 2018. Das cem páginas identificadas por meio de uma ferramenta de monitoramento digital (BuzzSumo), 11 estavam fora do ar no momento da análise, o que reduziu a amostra válida para 89 links.
Ainda que os dados indiquem uma menor prevalência das notícias falsas nos posts de maior engajamento ao longo do período analisado, Massarani alerta que elas podem estar presentes de uma maneira mais ampla nas redes sociais e, por isso, merecem atenção. Além disso, observa a pesquisadora, o problema das fakes news parece ter se intensificado com a pandemia da Covid-19, conforme mostram outros estudos em andamento.
“O movimento antivacina pode estar atuando prioritariamente em grupos fechados no Facebook e no WhatsApp, e não em espaços públicos do Twitter e do Facebook. Nesse sentido, é necessário direcionar novas pesquisas que levem em consideração esses outros espaços midiáticos”, pondera Massarani, que conduziu o estudo ao lado de Tatiane Leal e Igor Waltz. Os três pesquisadores fazem parte do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT).
Mesmo entre os links com viés favorável às vacinas, o estudo constatou a presença de notícias falsas. Enquanto que as fake news antivacina foram sustentadas pelo argumento da “gravidez vacinal”, as notícias falsas pró-vacinação traziam questões relacionadas a sociedade, ciência e saúde pública, como é o caso do artigo Cuba produz vacina contra o câncer - Mais de 4 mil pessoas já foram curadas por ela!, publicada no blog Papo Reto?. Apesar de o título falar na “cura” da doença, o corpo do texto indicava que, na verdade, o medicamento havia possibilitado a melhora de sintomas e o prolongamento do tempo de vida dos pacientes.
Fact checking: preocupação com veracidade gera engajamento
Outra evidência da circulação de notícias falsas nas redes sociais, aponta a pesquisa, é a consequente presença de conteúdos de fact checking, que desmentem informações equivocadas. A análise identificou sete matérias com esse perfil, publicadas por órgãos de imprensa, sites especializados em checagem de fatos, além de uma página institucional e outra de comentário político. De acordo com os autores do estudo, essa constatação mostra que a preocupação com a veracidade e a correção das informações também é um fator de engajamento nas redes sociais.
“Compreender como esses temas circulam e quais geram maior engajamento por parte dos diferentes públicos pode contribuir na implementação de iniciativas de divulgação científica que sejam mais atraentes e eficazes para os distintos setores da sociedade”, observa Luisa Massarani, atual coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde da COC/Fiocruz e do INCT-CPCT .
Anualmente, as vacinas são responsáveis por evitar de 2 a 3 milhões de mortes, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, segundo o Ministério da Saúde (MS), todas as vacinas destinadas a crianças menores de dois anos de idade têm apresentado queda na cobertura desde 2011. Dados de 2018 indicam que a cobertura vacinal contra a poliomielite, por exemplo, foi reduzida para 86,3%. O país, que já foi considerado livre do sarampo, perdeu o certificado de erradicação da doença em 2019. Uma das causas é a queda da cobertura vacinal em 20%, aponta o MS.
Institutos de pesquisa: índices de interação baixo ou nulo
De acordo com o estudo, 42,7% (38) dos links sobre vacinas que despertaram mais interesse dos usuários estavam relacionados a temas de saúde e ciência. Nessa categoria, a abordagem destacou, principalmente, pesquisas para novos imunizantes, novos usos para aqueles já conhecidos e a segurança dessas preparações. Outro campo com presença significativa foi o das políticas de saúde, com 28,1% (25 links), incluindo debates sobre promoção e ampliação da cobertura vacinal e as preocupações em torno das metas de vacinação.
Apesar do engajamento significativo dos usuários a temas relacionados à pesquisa científica em saúde, poucas interações foram atribuídas aos institutos de ciência e saúde, apontou o estudo. Em relação aos órgãos governamentais ligados às áreas de ciência e tecnologia, o resultado foi ainda pior: páginas de ministérios, agências reguladoras, secretarias municipais e estaduais e entidades de fomento à pesquisa não foram identificados entre os links mais curtidos, comentados e compartilhados.
“Vacinas e o desenvolvimento de novos imunizantes despertam interesse dos usuários das redes sociais, mas as instituições acadêmico-científicas têm uma participação limitada em pautar estas conversações de maior engajamento”, afirma Massarani.
Veículos jornalísticos geram maiores interações sobre vacinas nas redes
O predomínio de conteúdo produzido por veículos jornalísticos foi outra constatação do estudo. Os links analisados indicaram a presença de um total 63 veículos na web, dos quais 45 foram classificados como “profissionais”, isto é, aqueles que possuem uma política editorial clara e identificável, dentre outras características. Desses, mais da metade eram órgãos de imprensa. Apenas três links coletados apontavam para sites de instituições acadêmico-científicas: um da área médica e dois educacionais.
Massarani avalia que a presença de institutos de pesquisa no debate sobre vacinas nas redes pode ser ampliada, embora seja necessário investir recursos financeiros e humanos para iniciativas de qualidade que permitam alto engajamento. “Os órgãos de ciência e saúde e instituições governamentais devem investir em iniciativas neste âmbito para ampliar a interação com o público, já que possuem um papel relevante nesse diálogo entre ciência e sociedade”, destaca.
Da Fiocruz