Eles te pegaram no colo, o criaram e fizeram de você um cidadão digno. Foram anos de dedicação exclusiva e, em vários momentos, você se tornou totalmente dependente deles. Agora, são eles que precisam de ajuda. Muitas famílias acabam tendo que conviver com idosos, sejam parentes ou pessoas muito próximas. Porém, em uma determinada fase da vida, a idade avançada, no contexto da longevidade, acaba fazendo do indivíduo um ser dependente e limitado. Nem sempre os familiares podem conviver com essa situação e o destino para muitos velhinhos são os asilos, abrigos ou como muitos chamam atualmente, residências para idosos.
Na maioria dos casos, é uma tarefa muito difícil decidir colocar um idoso num abrigo. As questões sentimentais pesam, além das dúvidas sobre se o indivíduo em questão será bem tratado ou não. Todavia, o que acaba pesando de fato são as obrigações e circunstâncias pessoais e do cotidiano – trabalho, filhos e afazeres - , levando os filhos a deixarem os pais ou parentes nas residências de acolhimento.
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“O médico constatou que meu pai tem Alzheimer e ele não reúne condições de ficar sozinho. Ele até conversa, mas, por conta da doença, esquece as coisas. Junto com os meus outros dois irmãos chegamos à decisão de colocar meu pai no abrigo. Foi uma decisão muito difícil. É uma pessoa que a gente ama, um ente querido. Mas, realmente ele precisa e nós não temos condições de tratarmos ele em casa. Inclusive por orientações médicas”, diz o profissional da área de gastronomia, Sérgio Oliveira, que está prestes a colocar o pai de 88 anos de idade em uma residência de velhinhos.
O Abrigo Cristo Redentor, localizado em Jaboatão dos Guararapes, Região Metropolitana do Recife, é um dos locais de acolhimento mais tradicionais do Estado. Inaugurada em 1942, a instituição filantrópica tem atualmente 154 idosos, entre homens e mulheres, oriundos tanto de internamentos quanto de ações da Prefeitura da cidade, que recolhe velhinhos moradores de rua. De acordo com a gerente da residência, Cristiane Melo, existem algumas condições para o acolhimento dos idosos. “A gente não recebe idosos acamados ou que tenham doenças infectocontagiosas. Também exigimos, como manda o Estatuto do Idoso, que as famílias ou responsáveis façam sempre visitas. Eles devem ser maiores de 60 anos e ainda passam por exames psicosociais e médicos”, explica a gerente. Ainda segundo Cristiane, o Abrigo recebe doações e contribuições dos próprios internos. Os gastos mensais para a manutenção do espaço chegam a passar de R$ 100 mil. O desconto nas rendas dos velhinhos é de 70%, independente do valor que eles ganham.
Nas dependências do Abrigo, o silêncio é bem característico. Os velhinhos, seja pela idade avançada ou condições físicas, evitam agitação e atividades que exigem esforço. Isso fica bem evidente na ala dos idosos que não andam. Em uma mesa, várias senhoras passam boa parte da manhã trocando olhares. A rotina muda na hora do almoço ou quando os voluntários chegam para conversar. No mesmo espaço, idosas de melhor saúde realizam atividades de terapia ocupacional, como dona Luzinete Maria da Silva (foto à direita), 69 anos. Ela mostra com orgulho suas pinturas e bonecas que para ela representam os filhos que não teve. Há seis anos no Abrigo, dona Luzinete foi internada pela sobrinha. “Fiquei muito feliz quando vim pra cá. Foi melhor assim. Aqui eu converso, pinto, faço passeio... Quero terminar meus dias aqui”, diz, aos risos.
Dona Luzinete ainda recebe visitas de familiares. O que não acontece com uma das moradoras mais velhas do Cristo Redentor, a senhora Maria José dos Santos (foto abaixo), conhecida como Cabrobó. A idosa de 107 anos foi internada por familiares em 1998. Apesar de não receber visitas de parentes, a ausência da família não representa tristeza. “Não me lembro de mais ninguém. Estou muito velha. Mas, posso dizer que sou muito feliz aqui. A idade representa tristeza para alguns. Já eu sou muito feliz por chegar a mais de 100 anos”, afirma dona Cabrobó.
As histórias do Abrigo têm uma mescla de drama, tristeza e alegria. Há também fatos de superação. Um deles é o da dona Maria das Dores Virgolino Ferreira, 97 anos, conhecida como Dorinha. Desafiando a medicina, segundo a organização do Abrigo, ela tem uma vida saudável e sempre consegue resultados satisfatórios nos exames médicos. A vitalidade dela começou na infância. Tinha tudo para morrer, quando foi abandonada ainda bebê pela mãe em uma cesta num rio que passa próximo ao terreno onde o Abrigo foi construído. Resgatada por um vaqueiro e depois de morar com uma família rica da região, por força e curiosidade do destino, Dorinha vive hoje no mesmo terreno onde nasceu. Veja o depoimento da ex-empregada doméstica.
De acordo com o psicólogo responsável pelo Abrigo Cristo Redentor, Carlos Cabral (foto abaixo), que há quase 35 anos trabalha no local, atualmente praticamente é “zero” o número de idosos abandonados. Ele justifica que após a criação do Estatuto do Idoso e das políticas públicas que impedem o desprezo dos mais velhos, sobre pena de punição, as pessoas começaram a temer abandonar seus entes. Cabral também salienta que a ideologia atual dos abrigos é a de oferecer para os internados um ambiente residencial, proporcionando ao idoso um local onde há pessoas da mesma faixa etária dele e que fazem coisas que ele faz.
“Hoje é um mal necessário deixar um idoso num abrigo. Porque acho que a retirada do idoso do grupo familiar tem várias situações. Aqui se trabalha para o idoso manter a qualidade de vida. Acontece também que alguns velhinhos não gostam e não querem dar trabalho aos familiares. Sobretudo, é importante lembrar que aqui não é uma clínica médica. Aqui é uma residência”, diz o psicólogo, destacando também que diversos profissionais de saúde prestam atendimento aos internados.
Segundo a geriatra Sandra Brotto, do Instituto de Medicina do Idoso de Pernambuco (Imedi), a palavra “asilo” foi colocada em desuso, por causa de questões pejorativas. Agora, as residências e abrigos são chamados de Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI). “Nessa última, a visão é gerontológica, ou seja, voltada a reabilitação e para o envelhecimento ativo, visando manter o idoso com maior autonomia e independência possível”, comenta a médica.
Sandra explica que é importante analisar caso a caso, porém, a demência é um dos principais incentivadores que fazem as famílias deixarem seus idosos nos abrigos. “Na maioria das vezes, a instituição é a solução para um idoso com déficit cognitivo, ou seja, um quadro demencial que necessita de cuidados multiprofissionais e integrais, o que nem sempre é possível em casa. Apesar de culturalmente as pessoas sentirem-se culpadas na hora de transferir o idoso do domicilio para uma ILPI, essa mudança pode ser muito benéfica se lá ele receber atenção especializada, cuidados de reabilitação e promoção de saúde em tempo integral”, explica a geriatra. Ela complementa dizendo: “A família tende a se sentir sobrecarregada com o estresse do trabalho e de deixar o idoso só ou sem um cuidador. Sendo assim, numa ILPI de visão gerontológica, o idoso poderá ser cuidado e interagir socialmente com outros idosos, diminuindo a solidão e tornando mais fácil o acesso aos cuidados multidisciplinares como fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional”.
A médica também orienta que a internação do idoso não pode ser feita contra a vontade dele, quando o envolvido não possui quadro demencial. A decisão deve ser tomada de forma harmoniosa, além de ser possível a realização de um período de adaptação. No Cristo Redentor, por exemplo, esse período é de 90 dias. “Um idoso quando não quer ficar no Abrigo nós não aceitamos. Ele deve ficar aqui por vontade”, garante o psicólogo Carlos Cabral.
O que pode ser o último lar
É inevitável que o sentimento de finidade não ganhe espaço nas mentes dos velhinhos, diz Cabral. Somando a isso, doenças comuns da própria velhice também atormentam essa fase da vida, levando alguns até a depressão. Seja na casa de uma família, num abrigo, ou na UTI hospitalar, esses locais podem representar os últimos espaços de vivência de todos nós, quando envelhecemos.
No Cristo Redentor, existem alas exclusivas para pessoas que não andam, além de espaços para quem consegue se locomover. Salão de festas, salas de fisioterapia, jardins, refeitório e enfermarias são alguns dos locais da residência. Entretanto, é nos dormitórios – separados por sexo – que é possível identificar o “jeitinho” de cada um dos velhinhos.
A linha, a agulha e o tecido desfiado em cima da cabeceira revelam uma antiga costureira. A cama muito bem arrumada mostra um pouco do que foi a camareira que hoje está na fase final da vida residindo num abrigo. Entre essas e outras características, tudo vai criando a imagem de quem foram essas pessoas. As fotografias também alimentam a saudade dos familiares. Saudade que pode ser “matada” quando acontecem as visitas. Outros vão apenas guardar as lembranças, uma vez que não têm mais ninguém para visitá-los. No vídeo abaixo, assista depoimentos de idosos que veem no Abrigo seu último lar. Conheça também um homem que já chegou a ter um cargo elevado em um importante banco brasileiro, foi casado cinco vezes e hoje mora no asilo.
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Abrigos no Brasil
Uma pesquisa realizada em 2011 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que o Brasil tinha 218 asilos públicos. Ao todo, eram atendidos 83 mil idosos, tanto em espaços privados quando nos geridos pelo poder público. Vale lembrar que, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem atualmente 24,8 milhões de anciãos.
O estudo do Ipea ainda apontou que as instituições brasileiras para velhinhos estão concentradas no Sudeste, sendo que só o estado de São Paulo tinha 34,3% do total. Ainda de acordo com a análise, em média, cada residência gasta por mês R$ 717,91 por residente.
A pesquisa informou também que quando um idoso precisa ir a um abrigo e não há vagas disponíveis, seja nos filantrópicos ou públicos, ele fica por tempo indeterminado em hospital público. De acordo com o Ipea, o custo para manter um idoso no abrigo é de R$ 750 mensais, em média. Já no hospital, o gasto aumenta para R$ 1,4 mil.
Leia também: Queixas da longevidade: o drama dos idosos sem trabalho
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