Um quarto. Boa refeição. Conversas amenas na frente da casa, enquanto crianças correm incansáveis. Não muito tempo atrás essa realidade de coisas simples estava distante dos venezuelanos que agora dormem em solo pernambucano. Na última terça-feira (18), 30 deles chegaram ao município de Igarassu, na Região Metropolitana do Recife (RMR), somando-se aos 69 que desembarcaram em julho. Mais três chegam amanhã. Enquanto o medo da violência sem controle e das despensas vazias parece mais distantes, novo temor bate à porta: o desemprego.
A Venezuela vive uma crise humanitária que se agrava desde 2015. A situação de instabilidade, com alta inflação e protestos violentos, provocaram uma onda migratória na qual o Brasil tem se tornado protagonista. Segundo dados de agosto da Organização Internacional de Migração (OIM, em inglês), ligada à ONU, 2,3 milhões de venezuelanos já deixaram o país em meio à crise. A estimativa é de que pelo menos 50 mil deles se fixaram no Brasil até abril de 2018 - número baseado nos pedidos de asilo e residência.
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O processo de interiorização, feito pelo Governo Federal com apoio da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), Agência da ONU para as Migrações (OIM), Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, tem espalhado os refugiados pelo país. Entretanto, os abrigos que estão recebendo esses estrangeiros precisam que eles consigam adquirir a independência, o que não tem sido fácil. Do grupo que chegou a Pernambuco em julho, apenas oito pessoas conseguiram um emprego.
A professora Yolimar Simona, 40, e o marceneiro Juan Carlos Vilar Varela, 46, apesar de se sentirem aliviados agora que estão em Pernambuco, estão preocupados com a falta de dinheiro. Juan trabalhou em Roraima, mas não recebeu. “Ficaram me devendo quatro meses”, ele lembra. Yolimar recorda também ter vivenciado uma péssima experiência como diarista - não ganhava salário, apenas cama e comida. “Eu acredito que poderia lecionar aqui, dar aula de espanhol ou para crianças pequenas”, diz a mulher. Eles têm dois filhos. A garota de 10 anos está com problemas respiratórios. A escassez de remédios é outro grave problema enfrentado no país do presidente Nicolás Maduro.
O montador e motorista Jose Gregorio Urbano Hernandez , 45, e a esposa cabeleireira Luisana Medina, 32, também vivem situação semelhante. Precisam sustentar cinco menores, cuja idade varia de 16 a cinco anos. “A nossa esperança aqui é um emprego, um trabalho. Queremos voltar para a Venezuela, mas só quando mudar a situação”, explica Jose Gregorio.
Saudade
Com o pequeno Jorge, de quatro anos, e um bebê na barriga, Elizabeth Bruzual fez a travessia da Venezuela para Pacaraima-RR. Ela queria seguir com o resto da família, mas, como tem sido regra, faltava dinheiro. Teve que se distanciar do marido e da filha de apenas um ano. Ela até teve sorte. Passou um mês em Roraima e conseguiu ser transferida para Pernambuco. Após o período longe, finalmente voltou a encontrar sua família na terça-feira.
O marido Luis Rodriguez, 23, a filha Elisma Bruzual e os sogros Johan Rodriguez, 35, e Inain Diaz, 37, se juntaram a Elizabeth e Jorge em Igarassu. “Estava sentindo muita falta da minha filha. Chorei muito ontem”, recorda Elizabeth. Elizabeth costumava trabalhar com controle de qualidade em um fábrica. Agora não descarta qualquer emprego. "Se eu tive vontade de sair do meu país, não vai faltar vontade de trabalhar".
Na nova casa, Inain celebra a galinha na panela. “Temos comida aqui. Não tinha como comprar frango lá, era muito caro. Fruta, muito cara. Ovo, muito caro”, ela cita. O marido mostra o celular. Mensagens da mãe no aplicativo WhatsApp. Ela está feliz que o filho chegou bem. “Gostaria de ter condições de trazê-la para cá”, suspira Johan. A mãe de Johan vive na Venezuela com uma filha, o marido já morreu.
“Não é fácil unir as famílias quando chegam aqui no Brasil. Foi muito importante conseguir juntá-los”, comenta o secretário de Políticas Sociais de Igarassu, Marcelo Oliveira. De acordo com Oliveira, o município tem trabalhado para integrar os refugiados na sociedade e conseguir empregos. “Infelizmente temos no Brasil uma situação complicada de empregos, mas estamos conseguindo resultados”, complementa.
Por enquanto, não há relatos de aversão de pernambucanos a venezuelanos. “Estamos tranquilos com a comunidade local, há uma receptividade muito boa e uma preocupação das famílias do entorno em ajudar. Inclusive, a primeira pessoa que começou a trabalhar foi encaminhada por um vizinho daqui”, revela Alberes Mendonça, gestor da ong Aldeias Infantis SOS, que recebe os refugiados em Pernambuco.
O planejamento era que os imigrantes ficassem apenas três meses no local. Com a dificuldade de assinarem a carteira de trabalho, é possível que o prazo se estenda. “Já estamos no nosso limite”, diz o secretário Marcelo Oliveira. Apesar disso, a crise migratória perdura. "Acho que toda e qualquer empresa, privada ou governamental, pode ajudar. Temos entrado em contato com o Governo do Estado para tentar fazer um levantamento de vagas. De maneira geral, são pessoas que têm curso técnico e superior. A vontade deles de se estabelecer aqui no Brasil e tocar suas vidas faz com que aceitem qualquer emprego. Eles estão dispostos", reforça Alberes Mendonça.
Pernambuco terminou 2017 com uma taxa de 17,6% de desempregados, o equivalente a 723 mil pessoas. É a segunda maior taxa do país, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). O estado ficou atrás apenas do Amapá, com 17,7%.
O marceneiro Juan Carlos Vilar Varela mostra onde mora. A casa é compartilhada por duas famílias. Há, na entrada, uma sala de uso comum com uma tv que chuviscava. Subindo as escadas, dois quartos e o banheiro. Tanto na fachada quanto na porta de cada quarto, há o nome do refugiado escrito na folha de um papel. Na cama que Juan divide com Yolimar, uma carteira amassada de cigarro. Eles não podem fumar nem ingerir bebida alcoólica dentro da ong.
“Eu saí da Venezuela pesando 54 quilos”, diz o marceneiro, que agora está com 73 kg. Apesar da melhora, Juan e a esposa sabem que o Brasil enfrenta crises e tem problemas graves como a violência. Yolimar já visualizou facetas negativas do povo brasileiro. Ela lembra: “Fomos a uma missa. Um homem na entrada da igreja disse ‘venezuelanos não’. Em uma padaria, não podíamos sentar nas cadeiras, disseram que era para exclusivos, imaginei que significasse que era apenas para brasileiros”. Apesar disso, ela conclui resiliente: “O que vivemos no Brasil não se compara. A Venezuela acabou, está em ruínas”.
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