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Em “A dor do parto que eu não tive”, a jornalista paraense Denise Soares se une a outras mulheres para compartilhar relatos dolorosos e despertar a sociedade para o grave problema da violênia obstétrica. O documentário será lançado em duas sessões, nesta sexta-feira, 17, e no sábado, 18, no Teatro do Shopping Bosque Grão Pará, em Belém.

O documentário “A dor do parto que eu não tive” aborda uma experiência vivida pela própria Denise, com depoimentos de outras três mulheres vítimas da violência obstétrica. Denise conta que, como jornalista, sentia que precisava fazer algo para dar voz a quem passou por essa mesma experiência.

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“Vejo o documentário como projeto social, mesmo. Uma oportunidade de fortalecer o pedido de transformação na assistência às gestantes do nosso Estado. Muita gente já colaborou com essa causa antes de mim e já avançamos muito, é verdade, mas tem muita coisa que precisa mudar. E eu quero somar e enfatizar a necessidade de mudança”, disse.

Nas redes sociais, a jornalista fez o primeiro depoimento sobre a experiência que viveu, semanas após o parto. Ao compartilhar sua história, deparou com inúmeras mulheres que também vivenciaram essa dor. Em uma série de "desabafos" em seu perfil, Denise conta que percebeu que tantas outras mulheres tiveram roubadas sua dignidade e autonomia em um momento único e de extrema vulnerabilidade.

“Depois de expor meu relato de parto na Internet, muitas mulheres compartilharam comigo que também foram vítimas. Fui guardando os contatos. Quando vi, tinha uma verdadeira rede de apoio virtual, que me ajudou muito no processo de ressignificar o trauma. Quando decidi fazer o documentário pensei em reunir alguns relatos e contribuições de profissionais da saúde e do Direito que trabalham em prol da humanização para impulsionar a conscientização a respeito do tema”, contou Denise sobre o processo de produção do conteúdo audiovisual, principalmente da etapa de escolha das personagens.

Para a jornalista, práticas obstétricas ainda adotadas por alguns profissionais de saúde são contrárias ao que hoje recomenda a ciência e desamparam as mulheres, "com atitudes que nos levam a questionar e combater o modelo abusivo de atendimento, seja no SUS ou rede particular". O documentário propõe um olhar para a humanização a partir das perspectivas e experiências profissionais de outras mulheres que lutam contra a violência obstétrica.

Na sua produção, Denise busca destacar a violência obstétrica como um tema de interesse social e saúde pública, não apenas do público feminino. “É importante falar sobre o assunto não apenas para levar informação e conscientizar, mas para cobrar ações efetivas de autoridades e instituições capazes de garantir a proteção da mulher e combater a violência obstétrica. É inaceitável que as condutas violentas sejam aceitas em maternidades e hospitais”, finalizou.

Violência obstétrica no Brasil

Dados apresentados na pesquisa “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, da Fundação Perseu Abramo, mostram que uma em cada quatro mulheres já sofreu violência obstétrica no Brasil - o que representa 25% das mulheres do país. No entanto, não existem leis federais no Brasil sobre o que configura ou não violência obstétrica.

Cerca de 18 Estados e o Distrito Federal possuem algum tipo de legislação sobre o tema: oito sobre violência obstétrica e dez sobre parto humanizado. O Pará está fora da lista.

Alguns Estados determinam pagamento de multa quando há registro de violência obstétrica, conforme definido em dispositivo legal. É o caso do Paraná, que prevê o pagamento de cerca de R$ 100 mil.

Serviço

O lançamento do documentário “A dor do parto que eu não tive” ocorrerá em duas sessões: sexta-feira, 17, às 19h30, e sábado, 18, às 20h30, no Teatro do Shopping Bosque Grão Pará. As reservas estão esgotadas.

Por Gabriela Gutierrez (sob a supervisão do editor prof. Antonio Carlos Pimentel).

A Espanha deve indenizar uma mulher que sofreu violência obstétrica durante o parto, considerou um comitê das Nações Unidas nesta sexta-feira (10), oferecendo a Madri um prazo de seis meses.

Esta é a terceira vez que especialistas da ONU pedem à Espanha que indenize uma mulher vítima de violência obstétrica, um tipo particular de violência sofrida por mulheres em centros de saúde durante o parto.

"Uma mulher sofreu violência obstétrica na Espanha porque enfrentou uma aplicação irregular da anestesia epidural e uma cesariana sem consentimento informado", tuitou o Comitê da ONU para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher. "Os direitos a uma saúde reprodutiva segura e adequada devem ser garantidos".

Em seu parecer de 7 de março, ao qual a AFP teve acesso nesta sexta-feira, o Comitê pede que a mulher, cuja identidade não foi revelada, receba "uma reparação integral, incluindo uma indenização financeira adequada aos danos de saúde físicos e psicológicos sofridos".

"O Comitê fez uma investigação profunda deste caso. O simples fato de ouvir a vítima e examinar todas as provas conjuntas é uma forma de justiça, porque o problema que enfrentamos é que os tribunais espanhóis não prestaram atenção no que a vítima disse", declarou à AFP Francisca Fernández Guillen, uma das advogadas que levaram o caso ao comitê.

Os fatos ocorreram em janeiro de 2009, mas a vítima recorreu ao comitê da ONU quase dez anos depois, em 2018, por considerar que as autoridades espanholas não responderam adequadamente às suas denúncias.

O Ministério Público de São Paulo denunciou o ginecologista Renato Kalil por crime de lesão leve e violência psicológica durante o parto da influenciadora Shantal Verdelho. O caso foi revelado por ela ainda no ano passado através das redes sociais e, nos dias seguintes, outras mulheres surgiram com acusações similares de violência obstétrica contra o médico.

As promotoras Fabiana Dal Mas e Silvia Chakian, responsáveis pelo caso, também pediram à Justiça uma indenização de R$ 100 mil. Em nota, o MPSP frisou que considera "todos esses crimes em contexto de violência obstétrica", reconhecida pela Organização Mundial de Saúde na década passada como um problema de saúde pública que afeta mulheres e seus bebês.

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O caso de Shantal foi revelado através de áudios e vídeos gravados durante o parto realizado por Kalil e enviados em um grupo de amigos da influenciadora. Ela relata o que ocorreu durante o nascimento de sua filha, Domenica, em setembro de 2021.

"Quando a gente assistia ao vídeo do parto, ele (Renato) me xingava o trabalho de parto inteiro. Ele fala: 'porr*, faz força. Filha da mãe, ela não faz força direito. Viadinha. Que ódio. Não se mexe, porr*'", conta Shantal no áudio.

Pelo menos sete mulheres acusaram Kalil de ter cometido violência obstétrica similar à narrada por Shantal. Em dezembro, a Promotoria de Enfrentamento à Violência de Gênero, Doméstica e Familiar contra a Mulher, do MPSP, e o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) abriram investigação contra o médico.

O Estadão tentou contato com Roberto Kalil, mas não obteve sucesso até a publicação desta reportagem. O espaço continua aberto. Ainda no ano passado, durante o início das investigações, o médico disse que aguardava "com tranquilidade a apuração, que irá comprovar a improcedência das denúncias" e repudiou veementemente o que classificou como "relatos mentirosos que aludem a atos com conotação sexual".

Na mesma data em que é celebrado o Dia da Gestante, 15 de agosto, a Prefeitura do Recife entregou às futuras mães da cidade o mais novo Centro de Parto Normal (CPN) do município. instalado na Maternidade Prof. Bandeira Filho, em Afogados, Zona Oeste da capital. 

O prefeito, João Campos (PSB), destacou durante o evento, nesta segunda-feira, que o setor garante às gestantes comodidade e privacidade em um local acolhedor e ao mesmo tempo seguro para a mãe e o bebê, onde o protagonismo, a autonomia e a privacidade da mulher são respeitados. 

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Para as obras, foram investidos mais de R$ 3 milhões e a entrega é mais um feito do Recife Cuida, um pacote de investimentos que está promovendo a maior reestruturação na saúde pública da capital. Com isso, a capacidade foi ampliada de 300 para 500 partos por mês. 

"Aqui não é só a obra do prédio, o investimento. É o que está por trás. É pegar talvez o momento de maior beleza, maior emoção, maior pureza que pode ter na vida, que é o nascimento de uma criança, a relação da mãe com o filho, e dar o direito à dignidade, o direito ao empoderamento, ao pertencimento desse momento, e fazer isso com a mais alta qualidade que o serviço público pode oferecer", destacou o prefeito João Campos. "Não é porque é público que não pode ter qualidade. Não. Se é público, tem que ser bem-feito, feito com gosto." 

O CPN da Bandeira Filho é o terceiro da cidade, sendo os outros dois instalados na Maternidade Prof. Barros Lima, em Casa Amarela, e no Hospital da Mulher do Recife Dra. Mercês Pontes Cunha, no Curado - uma referência em parto humanizado. Ainda este ano, a Secretaria de Saúde do Recife também vai inaugurar um outro Centro na Maternidade Prof. Arnaldo Marques, no Ibura. 

"Poderemos aumentar a capacidade da maternidade para 500 partos ao mês. Hoje, a Bandeira Filho faz 300 e poderemos fazer essa ampliação com parto humanizado, com pouca intervenção cirúrgica. É esse o nosso objetivo com o Centro de Parto Normal", explicou Luciana Albuquerque, secretária de Saúde. "Essa entrega também é parte da nossa linha de cuidado da saúde da mulher, onde Recife é pioneiro nessa construção. Lançamos na semana passada o protocolo de centros de parto normal, onde a gente institui a colocação do DIU pós-parto pela própria enfermagem, onde o Recife também é pioneiro." 

Para compor os CPN da Barros Lima e Bandeira Filho, e oferecer uma assistência qualificada, a Prefeitura do Recife também nomeou 104 profissionais, entre médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem, que irão atuar exclusivamente nestes locais. 

Com as obras, as gestantes que forem dar à luz na Maternidade Bandeira Filho terão acesso a 11 suítes de parto, sendo uma delas com banheira para realização de partos na água. No local, também haverá uma área de convivência onde as mulheres contarão com bola, banqueta, cavalinho e barra para alongamento para estimular o trabalho de parto e facilitar o nascimento do bebê.  

Os Centros de Parto Normal constituem uma estratégia para reduzir a mortalidade materna e perinatal, ou seja, período que compreende a gravidez, o parto e o puerpério. Nestes espaços, é oferecido um atendimento humanizado e de baixo intervencionismo, que contribui para uma melhoria da assistência ao parto normal.  

Para os casos em que seja necessária intervenção cirúrgica, a Bandeira Filho ainda conta com um Centro Obstétrico, que também passou por requalificação e ganhou duas salas de cirurgia e uma sala de recuperação anestésica. Neste local, poderão ser utilizados recursos tecnológicos apropriados, que seguem um padrão de procedimentos previamente estabelecidos e autorizados pelo Ministério da Saúde.   

De acordo com Yasmin Soares, 19 anos, que deu à luz Magnos Heitor há apenas 3 dias, o atendimento na unidade é exemplar. "O acompanhamento aqui foi e tem sido ótimo. E com esse novo centro, a tendência é que fique ainda melhor para nós, mães, e acompanhantes. Acho os funcionários ótimos, tanto enfermeiros quanto médicos. Sentimos, como mães, muita atenção da parte deles", afirmou.   

As obras ainda contemplaram a porta de entrada da Maternidade, a sala de triagem e três leitos de observação . Além disso, o alojamento conjunto também passou por ampliação e agora conta com 50 leitos e foram construídos novos consultórios, posto de enfermagem e sala vermelha.  

Pioneiro no estado na construção de uma Linha de Cuidado de Saúde da Mulher, o Recife traz investimentos em equipes multiprofissionais, vinculação territorial às maternidades e pré-natal e acesso facilitado ao Dispositivo intrauterino (DIU) pós-parto. A construção do terceiro CPN da cidade reforça o comprometimento do município em promover um ambiente acolhedor à pessoa gestante e sua família durante o período do parto e puerpério. 

Para Nahia Alkorta, a decisão de um comitê das Nações Unidas que determinou que ela havia sofrido violência obstétrica ao dar à luz seu primeiro filho foi um triunfo depois de uma década exigindo justiça.

Diagnosticada com estresse pós-traumático pelo que aconteceu em um hospital no norte da Espanha em 2012, Alkorta recorreu à ONU depois de falhar nos tribunais espanhóis.

O Comitê da ONU para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (CEDAW) estabeleceu em julho que ela sofreu intervenções injustificadas que constituíram violência obstétrica, incluindo uma cesariana sem consentimento, imobilização de seus braços e proibição de ser acompanhada por seu parceiro.

"Desde que a resolução da CEDAW saiu, mais de cem mulheres me contataram dizendo que isso também aconteceu com elas", afirma Alkorta, uma basca de 36 anos, à AFP.

É algo "que não se fala pela dor que gera, pela vergonha, pelo fato (de se pensar que) teria que ser assim", diz.

A decisão da CEDAW, para quem a violência obstétrica - um "fenômeno generalizado e sistemático" - é aquela "sofrida pelas mulheres durante o atendimento ao parto nos centros de saúde", pediu à Espanha que indenize Alkorta por danos físicos e psicológicos e garanta que os direitos reprodutivos das mulheres sejam respeitados nos sistemas de saúde e justiça.

Essa decisão veio em um momento em que ativistas na Europa buscam tornar visível a violência obstétrica, muitas vezes não reconhecida.

Algumas associações médicas até questionam a validade de se falar sobre violência obstétrica.

"As mulheres estão contando outra história", responde Alkorta.

- "Totalmente vendida" -

Pesadelos, insônia, memórias traumáticas... As consequências para Alkorta foram muitas após a provação que começou quando sua bolsa estourou com 38 semanas.

No hospital de San Sebastián, no País Basco (norte), ela recebeu ocitocina para induzir o parto sem explicação médica, apesar de estar tendo contrações.

Segundo ela, a equipe começou a ficar agressiva com suas perguntas.

No dia seguinte, os obstetras decidiram fazer uma cesariana, sem consultá-la e apesar de uma parteira garantir que o trabalho de parto estava progredindo.

"Falei para eles explicarem devagar, porque eu estava muito cansada, e a explicação era que eles iriam tirar a criança e que seriam 40 minutos e pronto", conta Alkorta, agora mãe de três filhos.

Com os braços amarrados, protocolo em alguns hospitais durante as cesarianas, e sem o marido, impedido de acompanhá-la, sentiu-se "totalmente vendida".

Só horas depois Alkorta conseguiu abraçar o filho, totalmente saudável.

Na Europa, as estatísticas sobre violência obstétrica são escassas, mas, segundo ativistas, as mulheres sofrem rotineiramente com a falta de informação, comportamento rude ou humilhante por parte do pessoal médico e, em alguns casos, práticas perigosas.

Uma iniciativa recente na Sérvia para "Acabar com a violência obstétrica" coletou 70.000 assinaturas em cinco dias.

Uma de suas demandas é que o Estado pague por um acompanhante na sala de parto, já que atualmente alguns hospitais públicos cobram para permitir sua presença.

De acordo com a petição, muitas mulheres na Sérvia sofrem insultos, humilhação e negligência médica.

Países como Espanha e Itália criaram observatórios de violência obstétrica, mas, segundo ativistas, poucos casos chegam aos tribunais.

"Muitas mães que sofreram partos traumáticos nos contactam, mas quase nenhuma delas acaba entrando com uma ação judicial", diz Nina Gelkova, da organização búlgara Rodilnitza.

- Consentimento e respeito -

Em sua defesa na CEDAW, a Espanha, que apoiou a justiça do país que absolveu o hospital, assegurou que não há partos "à la carte".

"Eu não estava procurando um parto à la carte, de jeito nenhum, procurava um tratamento humano e não recebi", responde Alkorta.

"Não sou contra intervenções que se justifiquem, salvam muitas vidas, mas o limite tem que ser sempre o consentimento e o respeito", frisa.

Francisca Fernández Guillén, advogada de Alkorta, explica que a equipe médica ou familiares podem minimizar as experiências traumáticas durante o parto.

"Às vezes, o casal ou a família aconselham a mulher a esquecer o que aconteceu", diz Fernández.

Mas a situação parece estar mudando.

O vice-presidente da Federação de Associações de Parteiras da Espanha (FAME), Daniel Morillas, indicou que em seus 16 anos de trabalho como assistente de parto ele testemunhou uma conscientização sobre os direitos das mães e seu papel ativo no parto, embora considere que ainda há um longo caminho a percorrer.

"A primeira coisa que temos que fazer para lutar contra a violência obstétrica é reconhecer sua existência", aponta.

Felizmente, muitos médicos e parteiras "perceberam que ela existe e estão tentando mudá-la", acrescenta.

Um enfermeiro da ala obstétrica do Hospital Geral e Maternidade de Cuiabá (HG), no Mato Grosso, foi detido após ser acusado por uma paciente grávida de tê-la abusado sexualmente, durante sua internação, na madrugada desta quarta-feira (13). À Polícia Militar, a vítima contou que foi despida e teve suas partes íntimas tocadas, sem o seu consentimento e repetidas vezes, pelo profissional de saúde. A informação é do G1.

A mulher, que está internada por enfrentar uma gravidez de risco, relatou que foi medicada por volta das 2h. Após isso, o enfermeiro foi ao quarto onde a paciente estava sozinha, tirou a roupa dela e começou a passar a mão na barriga e virilha da vítima. Ela chegou a pedir para que o homem parasse de tocá-la, mas ele negou e continuou com o abuso. Devido à medicação, a gestante não conseguiu reagir.

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De acordo com a PM, uma recepcionista chegou a ir até o quarto, momento em que o suspeito interrompeu o que fazia, mas o assédio continuou em seguida. O enfermeiro só cedeu após a paciente informar que o marido estava chegando ao hospital. Assim, ela retirou a medicação do braço e passou a chamar pelo companheiro, que foi o responsável por acionar a polícia.

O suspeito foi detido no hospital e encaminhado à Delegacia de Defesa da Mulher para prestar esclarecimentos. Em nota, o hospital informou que abriu uma sindicância interna para apurar o caso e que vai ouvir testemunhas e analisar imagens das câmeras de segurança do local.

“Até a presente data não havia registro de má conduta do colaborador, mas, diante dos graves fatos relatados, ele será desligado do nosso quadro de funcionários. A equipe está consternada com o ocorrido, externa seu apoio incondicional para a paciente e repudia qualquer tipo de violência”, diz.

Após vazamento de áudio e vídeos em que relatava um caso de violência obstétrica que teria sofrido por parte do médico Renato Kalil, a influenciadora Shantal Verdelho entrou com requerimento de inquérito policial para apurar os fatos ocorridos durante o parto de sua filha, no dia 13 de setembro deste ano. Ela registrou o pedido na 27ª DP da cidade de São Paulo nesta terça-feira, 14, informou a assessoria em nota.

No conteúdo vazado de um grupo privado, a influenciadora conta que teria sido xingada pelo obstetra durante o parto e que ele teria falado de suas partes íntimas para o marido de forma pejorativa. "Quando a gente assistia ao vídeo do parto, ele (Renato) me xingava o trabalho de parto inteiro. Ele fala: 'porr*, faz força. Filha da mãe, ela não faz força direito. Viadinha. Que ódio. Não se mexe, porr*'", conta Shantal no áudio.

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O Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) abriu nesta segunda-feira, 13, um processo interno de apuração sobre as denúncias. Procurado pela reportagem acerca das acusações contidas nos áudios e vídeos, Renato negou e afirmou que tomará 'providências jurídicas' por 'ataques à sua reputação', por meio de nota.

A assessoria de Shantal informa, ainda, que a influenciadora solicitou sigilo no processo de investigação 'para que seja preservada sua vida pessoal e todo constrangimento que são consequentes destes fatos'.

Relembre o caso

Em trecho do vídeo vazado, é possível ver o médico dizendo para Shantal 'fazer força' soltando um palavrão, que ela rebate: "Eu estou fazendo. Eu sou a maior interessada nisso". O vídeo do parto foi gravado por seu marido, Mateus. "Depois que eu vi tudo, foi muito horrível. Quando mostrei o vídeo pra minha mãe e pra minha terapeuta, todo mundo chorou. Foi um show de horrores", diz a influenciadora na gravação.

Ela afirma, ainda, que o médico a teria 'rasgado com a mão' pois tinha a intenção de provar que ela deveria fazer a episiotomia, um procedimento que consiste em uma incisão no períneo, região entre o ânus e a vagina, para facilitar a passagem do bebê.

Na gravação, diz que o médico falou de suas partes íntimas ao marido. "Ele chamou meu marido e disse: 'olha aqui, ela está toda arrebentada, vou ter que dar um monte de ponto na parereca dela'. Ele falava: 'olha aí onde você faz sexo, está tudo fodid*'. Ele não tinha que mostrar isso pro Mateus, ele nem sabia se a gente tinha essa intimidade", desabafa no áudio.

Shatal afirma, também, que o médico teria revelado, pelos stories do Instagram, o sexo do bebê sem o consentimento da mãe. Ele teria sido avisado que a influenciadora queria manter segredo pela fisioterapeuta no momento em que gravava o vídeo. Ao responder, ele teria chamado ela de 'mimada' e não teria apagado a postagem. Com isso, a influenciadora afirma que ele quebrou o sigilo médico e 'tirou seu direito' de contar pessoalmente aos familiares. Além disso, diz ter descoberto que ele 'falou da sua vagina' para outras pessoas, dizendo que 'estava arregaçada'.

COM A PALAVRA, A ASSESSORIA DE SHANTAL

"A influenciadora e empresária Shantal Verdelho entrou hoje na 27ª DP da cidade de São Paulo, por intermédio do Advogado Sergei Cobra, com um requerimento de inquérito policial para apurar os fatos ocorridos durante o parto de sua filha, no dia 13 de setembro deste ano.

Shantal solicita apuração durante as horas que permaneceu em trabalho de parto conduzido pelo médico obstetra especialista em parto normal, opção escolhida por Shantal para ter sua filha.

Após vídeos e áudios em que relata a situação que viveu durante o parto terem sido vazados de um grupo privado e tomado repercussão nacional, Shantal, por meio desta nota, informa que as providências cabíveis estão sendo tomadas com a mesma dignidade que ela e sua família sempre tiveram em toda a sua trajetória pública em consideração aos que lhe acompanham.

Por fim, para que seja preservada sua vida pessoal e todo constrangimento que são consequentes destes fatos, informa que solicitou sigilo durante todo o processo de investigação, para que este já doloroso episódio siga com verdade e respeito."

COM A PALAVRA, O MÉDICO RENATO KALIL

A reportagem entrou em contato com a assessoria do médico Renato Kalil e, até a publicação desta matéria, ainda aguardava resposta. O espaço permanece aberto a manifestações.

Engravidar em Olinda, na Região Metropolitana do Recife, é saber que só pode contar - na cidade - com uma única maternidade disponível para a população: o Tricentenário. E, como não poderia ser diferente, o espaço já acumula várias denúncias de descasos com as parturientes e seus filhos. 

As últimas violências denunciadas aconteceram com Larissa Ferreira, uma jovem de 20, anos que perdeu o bebê na unidade, e com Ana Paula de Souza, 37 anos, que denuncia lesão corporal sofrida pelo seu filho.

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No dia 8 de novembro, Lunna viria ao mundo para ser a primeira filha de Larissa, que não conseguiu concretizar o seu sonho após a bebê morrer depois de um trabalho de parto de quase três dias. Em boletim de ocorrência registrado no dia 12 de novembro, Larissa denuncia o Hospital Tricentenário de negligência médica e violência obstétrica. 

Na época, Larissa revelou à imprensa local que tinha se preparado para ser mãe. "Eu me preparei por meses para ser a melhor mãe que a minha filha poderia ter. Eu me preparei para amar, para cuidar dela. Ajeitei as coisinhas do quarto dela, eu ainda não consigo entrar no quarto. Eu tive meu sonho de ser mãe frustrado por negligência médica", disse. 

Já Ana Paula revela que o seu filho Ariel, nascido no dia 25 de setembro, sofreu ferimentos na orelha durante o parto. A mãe afirma que o médico usou instrumentos e muita força para tirar a criança, tendo até caído ao tentar puxar o recém-nascido. Na época, em entrevista ao NETV, Ana revelou que, sem receber nenhuma anestesia, o médico colocou o Fórceps para puxar o seu bebê.

Situação da rede materna de Pernambuco é complicada. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens

"Fiquei sozinha. Colocaram um remédio e eu estava morrendo de dor. Amanheceu, veio um médico, olhou e começou a colocar dois ferros. Eu gritava de dor. Ele saiu, me levaram para outra sala e fizeram a cesárea. Depois de tudo, mostraram a orelha rasgada do bebê", relembrou a mãe.

No dia 5 de outubro, Ana Paula registrou um boletim de ocorrência e o caso está sendo investigado pela Polícia Civil, assim como a situação denunciada por Larissa. 

"É com muita tranquilidade que a gente aceita essas denúncias. A maternidade em si, é uma coisa maravilhosa porque ela traz a questão do nascimento. Mas, como todas as questões relativas à saúde, ela pode trazer algumas complicações. Uma complicação em um momento tão bonito como esse gera um descontentamento que a gente não estava esperando", revela o coordenador do Hospital Tricentenário, Eud Jonhson.

O Conselho Regional de Medicina (Cremepe) afirmou ao LeiaJá que Todas as denúncias que chegam ao Conselho são investigadas e elas correm em sigilo processual para não comprometer a investigação.

Defasagem

Com apenas uma maternidade funcionando, a situação de Olinda ainda é “melhor” do que de outras cidades da Região Metropolitana do Recife, mas as demandas desses municípios acabam caindo no ‘colo’ do Tricentenário. 

Em um levantamento feito pelo LeiaJá em meados de 2019, das 15 cidades do Grande Recife, oito não têm nenhuma maternidade funcionando. 

Foto: Arthur Souza/LeiaJá Imagens

Por conta dessa defasagem, a única maternidade de Olinda chega a atender mais mulheres vindas de fora do município, do que as próprias olindenses. Segundo informado pela assessoria do Tricentenário, por mês são realizados em média 200 partos na unidade, sendo Paulista e Igarassu as cidades que mais demandam serviços da maternidade.

Do dia 20 de outubro até o dia 10 de dezembro, 222 partos foram realizados na maternidade do Tricentenário, mas só 90 deles foram de mulheres que residiam em Olinda. Ou seja, 132 crianças conheceram primeiro a cidade que não é a sua residência. 61 são de Paulista, 29 de Igarassu, 20 de Abreu e lima, oito de Itamaracá, cinco do Recife, quatro de Goiana, dois de Itapissuma, Camaragibe, Condado e até João Pessoa demandaram um parto sendo realizado no Tricentenário.

O coordenador da unidade de saúde explica que o Hospital do Tricentenário é regulado pela Central de Leitos do Governo de Pernambuco para atender gestantes vindas de outras cidades. Além disso, a unidade não pode recusar uma mulher que procure o espaço de saúde, independente do município onde ela resida. 

Eud revela que o custo financeiro para manter uma maternidade é muito alto. Para se ter uma idéia, uma unidade de clínica médica para funcionar precisa, basicamente, de um médico clínico plantonista e um médico clínico evolucionista.

No caso da maternidade é preciso de, pelo menos, dois obstetras, um neonatologista, um anestesista, um enfermeiro obstetra por plantão e quatro técnicos de enfermagem, sem contar nos insumos, leitos e o gasto com tudo o que envolve a área.

"A gente precisa entender que muitos municípios, através de financiamento do Sistema Único de Saúde, não comportam custear uma maternidade. Mas isso vale para que a gente faça certas parcerias entre um município com um quantitativo menor no número de gestantes, que se junta com outro município de um quantitativo médio de gestantes", esclarece o coordenador do Hospital Tricentenário.

Está é a imagem do que deveria ser a maternida Maria Rita Barradas, em Jaboatão. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá Imagens

Nas últimas décadas, Pernambuco vem sofrendo com o fechamento de diversas maternidades, em Olinda mesmo, a antiga maternidade Brites de Albuquerque, que estava desativada bem antes da pandemia, hoje está sendo utilizada pelo Governo de Pernambuco para atender os pacientes com Covid-19. 

A Secretaria de Saúde de Olinda afirmou, por meio de nota, que só poderá se posicionar sobre a retomada das atividades após o término da pandemia e, consequentemente, o fechamento definitivo dos leitos disponibilizados no hospital de campanha que funciona na referida unidade de saúde.

"Isso sobrecarrega muitas maternidades, é notório que a gente vê maternidades superlotadas. A gente precisa ter mais maternidades, mas lembre que a gente pode fazer parcerias para que a gente possa organizar a rede materna e assim prestar uma assistência adequada voltada para o bem estar materno e familiar, é isso que a gente propõe", pontua Eud Jonhson.

LeiaJá também

-> Especial À Luz do Sofrer: dificuldades da rede materna

Uma família denuncia violência obstétrica e negligência no Hospital da Mulher do Recife, localizado no Curado, Zona Oeste da capital. A paciente Karine Barbosa de Souza, de 26 anos, deu à luz a uma menina em 8 de agosto e, desde então, tem sentido fortes dores e dificuldade de locomoção, mesmo tendo recebido alta da unidade de saúde.

Exames detectaram um edema e uma fratura em Karine. Segundo o marido da jovem, o jornalista Jameson Ramos, a situação é decorrente dos procedimentos realizados no parto.

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Como a criança não estava nascendo, a obstetra solicitou que o pai ajudasse a empurrar as pernas de Karine, para que a mulher fizesse mais força. Jameson suspeita que a força colocada tenha machucado a mulher.

Karine ainda chegou a ser levada para o centro cirúrgico do hospital onde passou por nova intervenção. Minutos depois, Yohanna nasceu. "Na segunda-feira (12), ela recebeu alta, mas não conseguia andar ainda. Ela teve alta mesmo reclamando de dor", relata Jameson.

Os dias seguintes, que deveriam ser de felicidade, foram de preocupação. Karine gritava de dor e só conseguia andar se arrastando, empurrando uma cadeira ou com ajuda do marido.

A jovem foi socorrida para a Maternidade Barros Lima, em Casa Amarela, Zona Norte do Recife, e transferida ao Hospital Getúlio Vargas, na Zona Oeste da cidade. Lá, um exame de raio-x não identificou a origem das dores e a mulher foi medicada e encaminhada para a casa.

"No dia 19 voltamos para o Hospital da Mulher. Ela passou por uma ultrassonografia que constatou o edema", lembra o jornalista. Segundo Ramos, o edema está localizado no meio da coluna e tem causado dores na perna direita de Karine.

A mulher passou a tomar anti-inflamatório, mas as dores intensas seguiram e, mais uma vez, ela retornou ao Hospital da Mulher. "Dessa vez, eles fizeram uma ressonância. Foi então que encontraram a fratura no osso sacro dela", resume Jameson Ramos.

Nesta quarta-feira (28), a mulher segue na unidade de saúde à espera de alguma resolução para o seu caso. Ela chegou a ser encaminhada ao Hospital da Restauração (HR), no centro do Recife, mas o médico não verificou necessidade de cirurgia e ela retornou. "É um descaso total de um hospital que diz ser referência. Como um hospital dá alta para uma mulher que não consegue se levantar? Minha mulher está sofrendo, chorando, acamada, esperando o que vão fazer com ela", desabafa o marido. Esta é a segunda criança do casal.

Por nota, o Hospital da Mulher do Recife informou que, até o momento, não é possível relacionar o quadro clínico da paciente com o parto. De acordo com a unidade, o parto natural ocorreu sem intercorrências e a mulher recebeu alta por ter sido avaliada com boas condições clínicas. O hospital salienta que a usuária está recebendo o atendimento médico necessário e realizando exames para o fechamento do diagnóstico e para verificiar se existe algum fator pré-existente que justifique o quadro.

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O colapso em que vive o sistema materno de Pernambuco, com maternidades superlotadas, falta de insumos, leitos, mulheres sofrendo violência obstétrica e outras dificuldades motivaram o LeiaJá a desenvolver o especial "À Luz do Sofrer", uma publicação multimídia para mostrar a população a realidade difícil que as gestantes do Estado enfrentam para conseguirem dar à luz. 

São três reportagens desenvolvidas com foco para a Região Metropolitana do Recife, local onde se registram as maiores dificuldades do sistema. Na reportagem “Maternidade: a falta da dignidade humana na saúde pública”, o site mostra o que, possivelmente, são os fatores determinantes para o caos instalado nas maternidades que funcionam “adequadamente”. 

A reportagem “Outro filho? Só se for castigo de Deus” personifica as consequências de se ter uma rede materna colapsada, com estrutura defasada e a dificuldade no meio do desconhecido. Esta segunda reportagem ainda traz à tona a violência obstétrica relata pelas jovens mulheres que passaram pelo sistema.

“Precaridade afeta saúde dos profissionais da rede materna” é a terceira e última reportagem deste especial. Aqui são mostradas as dificuldades dos médicos que são sobrecarregados pela alta demanda, sem condições de trabalho, tendo que “se virar” para conseguirem acomodar as pacientes - seja na cadeira de rodas, no chão, ou "onde der". 

Os autores das reportagens são Jameson Ramos e Victor Gouveia. A edição de texto ficou a cargo de Alexandre Cunha; edição de vídeo Danilo Campelo; artes/ilustrações de João de Lima e Imagens de Júlio Gomes e Rafael Bandeira.

Confira as reportagens do especial À Luz do Sofrer

- Maternidades: a falta da dignidade humana na saúde pública

- "Outro filho? Só se for castigo de Deus"

- Precariedade afeta saúde dos profissionais da rede materna

A superlotação e a estrutura das maternidades da Região Metropolitana do Recife (RMR) acentuam a realidade desumana vivenciada pelas gestantes que recorrem aos serviços da rede pública. Os relatos de violência obstétrica - física e psicológica - se assemelham. Expressões como "me trataram feito bicho" ou "fui humilhada" são repetidas com amargura por mulheres que passaram por essa experiência em meio à desorientação. O LeiaJá conversou com mães que foram agredidas e suportaram uma das principais violências contra a mulher: perder o direito natural de ter um filho com liberdade.

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Em meio ao alto risco de infecção, a cultura da violência obstétrica é sustentada entre o sonho de ser mãe e o medo de morrer junto ao filho. Mulheres contam que saíram da maternidade com a dignidade despedaçada por profissionais de saúde, e hoje, recusam a ideia de ser mãe novamente. No dia a dia, sua determinação já é posta à prova. Na maternidade, ela torna-se a única companheira. 

“Volte para casa. Tudo está normal”  

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A dilatação do colo do útero e a sincronia das contrações avisavam que Ellem Cardoso, mãe de duas crianças, teria o seu terceiro filho. Tida como uma gestação de baixo risco, no dia 28 de dezembro de 2018, com 34 semanas, ela decidiu buscar apoio no Hospital Agamenon Magalhães, no bairro de Casa Amarela. Na consulta, a mãe de 24 anos expôs preocupação ao enfermeiro, devido à posição pélvica do feto, como resposta, recebeu analgésicos e o pedido que retornasse para casa. Afinal, tudo caminhava bem.

No dia 3 de janeiro de 2019, na 35ª semana da gestação, Ellem procurou a Maternidade Professor Barros Lima, situada no bairro de Casa Amarela, após o resultado de um exame de ultrassom, o profissional que a avaliou indicou um "probleminha no líquido (amniótico)", mas recusou-se a explicar as consequências da complicação e mandou que a gestante perguntasse a outro profissional. Em busca de respostas, Ellem viu mães praticamente amontoadas entre os corredores, todos aqueles olhares competiam a atenção dos enfermeiros e suplicavam por apoio emocional. Na triagem, novamente foi-lhe dito que tudo estava normal, acompanhada de uma nova despedida.

"Pode se conformar"

Após uma madrugada insone, sofrendo com as dores do trabalho de parto, já era dia 18 de janeiro, quando Ellem chamou a mãe para seguir, novamente, para a Maternidade Barros Lima. Ela preencheu a ficha de atendimento às 5h30, entretanto, só foi atendida de fato cerca de quatro horas e meia depois, às 10h, junto de uma notícia perturbadora.

Ela ainda não sabia sobre a saúde do filho, quando percebeu a enfermeira vindo em sua direção. Na esperança que fosse encaminhada para um leito ou para a sala de cirurgia, foi-lhe dito da forma mais banal possível que a criança estava morta. "Ele já está morto. Pode se conformar, por que eu não posso fazer nada. Vou saber se tem uma ultrassom para você fazer, se não, vou ter que estourar sua bolsa".

Ela garante que sentia o filho se movimentar no ventre e, até hoje, se opõe ao diagnóstico: "Antes de estourar a bolsa, o menino tava mexendo, e quando eu subi (para a sala de parto), eu ainda senti o pé dele mexendo na minha barriga, minha irmã até viu!", recorda Ellem. A enfermeira repetia, "ele tá mexendo não, tá morto já (sic)", diz a jovem.

Ellem Cardoso é mãe de outros dois meninos de 7 e 3 anos. Em nenhum desses partos, sofreu tanto como no do último. Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens

Inconformada, Ellem seguiu para a sala de parto, enquanto recuperava-se da tragédia. No local, sua bolsa foi rompida à força, pouco antes de ser exposta a um novo revés. “Ele fez cocô dentro da sua barriga e você vai ter ele normal", foram as palavras da enfermeira. A profissional não dava ouvidos para a mãe, que questionava sobre o alto risco de infecção.

"Eu não quero fazer cesárea. Quero que você tenha ele normal e vai ter!", afirmava a médica responsável, relembra Ellem. Após uma experiência invasiva, parturientes relatam que os médicos e enfermeiros sentem-se ‘donos’ e as tratam como objetos, suprimindo sua autonomia. Eles realizam procedimentos e ministram remédios sem que as mães, sequer, tenham o devido conhecimento de qual medicação se trata.

A perda do filho machucava junto com percepção de que o direito sobre o próprio corpo havia sido usurpado. Os únicos diálogos com as enfermeiras, reprimiam violentamente suas lamentações, "não adianta chorar não. Eu não vou trazer a vida dele de volta", conta a mãe. O parto foi induzido.

Fragilizada, Ellem reunia os fragmentos da dignidade para expelir o filho morto e ‘pôr fim’ ao martírio. "Grite não que é pior pra você. Tem que fazer força para botar para fora (sic)", era dito, enquanto feto e placenta eram retirados com agressividade. O uso violento de 'pegadores' deixaram seu útero muito ferido. Ela relembra que a placenta estava toda 'estourada', antes de um novo remédio, acompanhado de outra negativa de explicação, "não posso falar nada não. Depois pergunte lá à doutora", dizia a enfermeira para a parturiente. 

A mulher não tinha ciência das causas que motivaram a morte da criança. Dois dias depois estava livre daquele ambiente repressor.

Dados do Governo de Pernambuco mostram que a mortalidade materna está voltando a crescer no Estado. Especialistas apontam que isso deve-se ao caos da obstetrícia em PE. Imagem Divulgação

Já em casa, foi socorrida com febre alta no dia 23 de janeiro. A princípio, o vizinho a levaria para a própria maternidade, mas Ellem recusou. Não conseguia pisar novamente em um local onde lhe cravou cicatrizes tão profundas. Preferiu voltar ao Hospital Agamenon Magalhães, onde exames despertaram a suspeita de 'resto de parto' da placenta picotada dentro de si. Em cinco dias de internação, além da confirmação da hipótese, ela descobriu que o útero estava infeccionado devido ao contato com as fezes do bebê.

Recuperada com antibióticos, ela segurava atestado de óbito do filho quando percebeu que o tempo de vida do bebê passava dos nove meses. Durante o tempo de acompanhamento médico no Posto de Saúde da Família (PSF), Ellem acreditava que o bebê estava com apenas oito meses, só depois entendeu que os profissionais do pré-natal erraram a contagem. A mãe afirma que um parto cesariano teria salvo a vida do seu filho e evitado tanto sofrimento.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), indica que "é fundamental que todos os partos sejam assistidos por profissionais de saúde qualificados, uma vez que o tratamento oportuno pode fazer a diferença entre a vida e a morte da mãe e do bebê. A infecção após o parto pode ser eliminada se uma boa higiene for praticada e se seus primeiros sinais forem reconhecidos e tratados em tempo oportuno." 

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A incerteza e a mentira

Assumir a responsabilidade da gravidez na adolescência, aumenta o risco de complicações e mortalidade, segundo a OMS. Assim, enquanto essas menores lidam com a instabilidade hormonal e o delicado processo de autoconhecimento, jovens entre 10 e 19 anos sobrecarregam-se psicologicamente e concluem da pior maneira possível que a maternidade não deveria ser romantizada. 

Amanda*, uma adolescente de 16 anos, sofreu para dar à luz a sua primeira filha. Entre desmaios a caminho do trabalho e sangramentos espontâneos, os riscos ao feto aumentavam progressivamente quando a jovem apresentou o quadro de bolsa rota - que é quando a membrana amniótica se rompe sem que a mulher esteja em trabalho de parto. 

Sua gestação era classificada como alto risco, por isso, a adolescente escolheu o Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), no bairro da Boa Vista, área central do Recife, para conceber a filha. 

Era dia 9 de maio, quando a gestante deu entrada na unidade de saúde, lutando pela sobrevivência da criança de 34 semanas. Porém, os profissionais da instituição não reconheceram a mesma urgência. Um exame de ultrassom foi realizado após cinco horas desconfortáveis em uma cadeira, de onde Amanda tentava controlar a dor e via enfermeiras trabalhando a passos lentos.

A permanência prolongada dentro do útero, com pouco fluído, praticamente atestava a morte da bebê. Enquanto esperava por atendimento, o líquido amniótico transcorria pelas pernas de Amanda. Com todas as dificuldades, a cada segundo, mãe e filha tornavam-se mais propensas à infecção.

A mãe acredita que a negligência resultou nas limitações do lado direito do rosto do bebê. Júlio Gomes/ LeiaJá Imagens

A adolescente percebeu que não teria atenção da equipe médica quando o resultado do exame confirmou a baixa. O líquido não parava de sair e a obscuridade das poucas informações obrigaram a adolescente a transitar entre setores, subindo e descendo escadas. Amanda recorda que os profissionais diziam que o líquido devia ser urina, apontando a jovem como mentirosa.

Por nada lhe ser esclarecido, a gestante temia não sair da maternidade com a filha. Além disso, segundo ela, seu prontuário não estava sendo preenchido, aumentando os desacertos e a contradição entre diagnósticos. Quando sentiam interesse, alguns profissionais repassavam informações -totalmente diferentes das que os outros colegas haviam dito. Sem informações, Amanda recorria à internet na tentativa de descobrir o que passava.

Ela chorava ao pensar que sua concepção de maternidade acolhedora tinha dado lugar àquele tratamento desumano. O pavor era maximizado em sua cabeça, afinal, trata-se de uma menina de 16 anos, sem experiência outra com a maternidade.

As agressões prosseguiam com os repetitivos exames de toque. "Eu não consegui nem fazer xixi. Eu mal conseguia andar", lembra a parturiente. Por várias vezes, sua intimidade era ferida por cada enfermeiro.

“Quem é pobre não escolhe”

Depois de ter sido mandada para casa e, em seguida, procurado novamente atendimento, a obstetra que atendeu Amanda confirmou o parto e garantiu que seu nome já estava na lista de cirurgias, era dia 11. A partir daí, o tempo tornou-se inversamente proporcional às dores e a ansiedade da jovem.

Às 16h, revisitava as escadarias a caminho da sala de pré-parto. Mas cadê a médica? A criança prematura e pouco líquido na bolsa não impediram que uma troca de plantão encerrasse seu expediente. A obstetra foi embora sem realizar o procedimento ou deixar algum tipo de encaminhamento - e até esclarecimentos para aquela que seria mãe de ‘primeira viagem’.

A jovem não conseguia reivindicar, então, aguardou a mudança de turno e, às 19h, outra equipe declarou que a médica havia errado. A dilatação tratava-se de uma simples “polpa de dilatação”. Ela foi mandada de volta a triagem e as incertezas continuavam lhe deprimindo.

Dois dias depois (13), uma nova promessa: seu parto estava realmente marcado. Por isso, foi instruído que não ingerisse alimentos ou líquidos a partir das 16h. Mais uma visita ao pré-parto, desta vez, com a crença e o devaneio de que seria a última.

Nesta sala, segundo os relatos colhidos pelo LeiaJá, mães são alocadas sem privacidade e é típico vê-las sendo reprimidas pelas enfermeiras. "Na hora de fazer não foi bom?", "se você chorar não vou te atender" ou "deixe de ‘frescura’, pois vai ser pior". São profissionais que pisam na integridade das parturientes, momentos antes do parto. Gritos de dor e os pedidos de ajuda sem resposta fazem com que as próprias mães apoiem-se umas nas outras para suprimir a indiferença da equipe médica através da sororidade. Neste panorama, a jovem era torturada pela fome e sede, porém, aliviada porque sairia daquele ambiente degradante.

Minutos antes do nascimento, Amanda não sabia como seria o parto de sua bebê, mesmo imaginando que seria tratada com rispidez, decidiu perguntar. A resposta veio como imaginou: "Você vai ter ele como eu quiser, isso aqui é SUS. Pobre não tem direito de escolher nada", foi a fala da enfermeira, de acordo com a jovem. Mais uma vez, foi ordenado que voltasse à triagem, desta vez com a revelação de que a UTI não tinha disponibilidade para a recém-nascida, pois todas as incubadoras estavam ocupadas.

A primeira experiência deixou traumas que serão difíceis de esquecer. Júlio Gomes/LeiaJá imagens

Contra o tempo

A mãe de Amanda, que não quer se identificar, já havia registrado denúncia em todos os setores, inclusive na direção geral do hospital. Essa era a única forma ao alcance para salvar a neta e a filha. Sem mobilização da unidade, a saída foi externar as queixas buscando a Gerência de Polícia da Criança e do Adolescente (GPCA), o conselho tutelar e a imprensa local para divulgar as atrocidades que a adolescente estava sendo submetida. A pressão não surtiu o efeito esperado, mas garantiu que a situação da garota fosse ouvida.

O bebê agonizava dentro do ventre da mãe. Devido à emergência, Amanda seguiu para a sala de cirurgia, dominada por medo e anseio. Alguns detalhes fugiram da sua memória, talvez por autodefesa, mas lembra que estranhou não ter pego a menina no colo. A adolescente só conheceu a pequena no berçário, onde outra médica revelou que "se não tivesse tirado naquele dia, minha filha teria morrido", recorda Amanda emocionada.

A bebê nasceu com aproximadamente 35 semanas e ficou internada para tratar a aceleração cardíaca. O lado direito do seu rosto estava paralisado – Amanda descobriu que, devido à baixa quantidade de líquido na bolsa, a mão direita da menina ressecou repousada em seu rosto. A internação perdurou por quatro dias em uma cadeira, onde aprendeu como cuidar de um bebê de forma empírica. A pequena já vai para seu segundo mês de vida, mas antes do nascimento já batalhava para sobreviver. A mãe tenta apagar o trauma da maternidade e ensinar para a filha que, independente da situação, o respeito à condição humana deve vigorar.

Tais narrativas unem o apelo por humanização nas maternidades públicas de Pernambuco e expõem o tratamento hostil a que parturientes são submetidas diariamente. Mulheres precisam batalhar pela vida de seus filhos, onde direitos fundamentais preconizados pela Organização Mundial da Saúde e Ministério da Saúde são ignorados. Elas, que só esperam atendimento digno, saem dos hospitais deprimidas com a dura realidade. 

O que dizem as maternidades

Diante das denúncias apresentadas no relato de Ellem Cardoso, a Secretaria de Saúde do Recife, responsável pela Maternidade Professor Barros Lima, respondeu a reportagem do LeiaJá em nota. Confira na íntegra:

“Após análise do prontuário dos atendimentos da paciente na Barros Lima, a direção da Maternidade verificou que a mesma deu entrada na unidade no último dia 2 de janeiro, alegando sentir uma diminuição de movimentos fetais. Ela foi examinada, e nada foi constatado. A maternidade a encaminhou para um exame de ultrassonografia obstétrica, realizado no dia seguinte, com resultado normal.

A paciente voltou à Barros Lima na sexta-feira (18), com 4 centímetros de dilatação. Desta vez, não houve escuta fetal. O feto estava morto.

No prontuário que consta na Maternidade há relato de familiares alegando que, no dia 26 de dezembro, durante o pré-natal, a paciente fora diagnosticada com uma infecção urinária. Foi-lhe receitado um antibiótico. Ainda segundo consta no prontuário, a jovem não seguiu o tratamento, com receio pela gravidez. O uso de antibiótico foi reforçado em seu atendimento na Maternidade Barros Lima, no dia 2 de janeiro.

Seguindo todos os protocolos, o caso será encaminhado aos comitês da Secretaria de Saúde para averiguação.”

A assessoria do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), também emitiu nota em resposta ao caso da adolescente Amanda. Confira na íntegra:

"O IMIP informa que a paciente de 16 anos, grávida, com bolsa rota prematura e 33 semanas de gestação, foi acompanhada na enfermaria de gravidez de risco da Instituição, recebendo, nesse período, toda a orientação e o atendimento necessários. Em razão das condições gestacionais da paciente foi realizado um parto cesárea. A criança nasceu com 2,53kg e recebeu alta, juntamente com a mãe, apresentando boas condições clínicas.

A maternidade do IMIP realiza partos normais em apresentação pélvica, seguindo critérios de elegibilidade, condição clínica da gestante e do feto e de acordo com todos os protocolos estabelecidos pelo Ministério da Saúde."

*Nome fictício para evitar exposição da menor

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No Brasil, uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência no atendimento ao parto, segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo. Preocupada com o tema, a vereadora Goretti Queiroz (PSC) apresentou um projeto de lei que institui no Recife a Semana Municipal de Conscientização contra a Violência Obstétrica. A data será incluída no calendário oficial de eventos da cidade e comemorada na primeira semana de maio, em alusão ao mês do Dia das Mães.

A Semana terá caráter educativo com o objetivo de conscientizar a população com ações culturais e sociais e também promover o acesso à informação sobre a violência obstétrica nas empresas privadas, entidades, conselhos municipais, associações de bairros e órgãos interessados.

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De acordo com o projeto, considera-se violência obstétrica todo ato praticado pelo médico, pela equipe do hospital, por um familiar ou acompanhante que ofenda de forma verbal, psicológica ou física as mulheres gestantes, em trabalho de parto ou, ainda, no período puerpério. “São gritos, procedimentos dolorosos sem consentimento ou informação, falta de analgesia, impedimento de entrada de acompanhante, violência psicológica, impedimento de contato com o bebê e ao aleitamento materno, cesariana desnecessária e sem consentimento, entre outros”, explica a parlamentar.

Goretti Queiroz destaca ainda que vários procedimentos hospitalares têm sido questionados pela carência de evidências científicas que os suportem, a existência de evidências que os contraindiquem e por trazerem desconforto à mulher”. “Muitas práticas submetem mulheres a normas e rotinas rígidas e muitas vezes desnecessárias, que não respeitam os seus corpos e os seus ritmos naturais e as impedem de exercer seu protagonismo”.

 

*Da Câmara Municipal do Recife

JOÃO PESSOA (PB) - Será realizada neste sábado (16), a 3ª Marcha das Vadias, em João Pessoa. O tema principal da edição 2014 será a legalização do aborto, mas também contará com discussões a respeito da “violência obstétrica”.

De acordo com a organização do evento, o objetivo é garantir os direitos das mulheres que queiram ou ter filhos. A intenção é fazer com que a vontade esteja assegurada quanto a poder realizar o aborto ou quanto a escolher como o parto será feito.

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A marcha quer mostrar o número de mortes causadas pelo aborto feito de forma errada. Os organizadores informam esta é a quinta causa de mortalidade materna no país, sendo 200 mil mortes por ano.

Além disso, segundo a organização, mais de 80% dos nascimentos neste ano foram por cesárea, sendo que o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é de 15%. As mulheres ainda alegam que há uma indução às mulheres para realização das cirurgias, por razões diversas, como tempo gasto em relação ao parto normal.

A Marcha das Vadias acontece neste sábado, saindo às 9h do monumento à Pedra do Reino, na Lagoa, e seguindo até a Praça Rio Branco, no centro de João Pessoa.

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