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A prefeitura de Belém retomou em 27 de setembro as aulas presenciais na rede municipal, suspensas desde março de 2020 em decorrência das restrições impostas pela pandemia de covid-19. A situação sanitária preocupante exigiu que a comunidade escolar não retornasse presencialmente no início de 2021.
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Um grupo diretamente afetado foi o dos docentes. Desde o dia 20 de março de 2020 sem vivenciar o trabalho de forma convencional, os professores dos anos iniciais da rede pública de Belém precisaram se reinventar e conciliar os tempos difíceis com as exigentes demandas.
Os professores tiveram que lidar com a escassez de informações sobre como iriam prosseguir com o ensino fora do regime presencial, somada ao panorama de medo imputado pela pandemia. Cerca de um mês após a suspensão das aulas, as ações começaram. De início, por meio do Centro de Formação dos Professores de Belém, que forneceu materiais impressos para serem distribuídos pelas escolas e que seriam devolvidos para correção, conforme fossem sendo resolvidos pelos alunos. Além dessas atividades, também houve distribuição de kits com merendas para os estudantes.
Para reforçar o processo de ensino-aprendizagem, a prefeitura deu início a um programa educacional na TV aberta, o Educa Belém, apresentado por professores da própria Secretaria Municipal de Educação (Semec). Conforme os números diários referentes à covid-19 no município iam diminuindo, os professores passaram a ser convocados a trabalhar presencialmente.
A partir de agosto de 2020, os docentes passaram a frequentar as escolas ainda sem os alunos (para planejar, formular atividades e outros), no regime de escala, e depois em horários reduzidos. Séries maiores do ensino básico chegaram a voltar à educação presencial. Entretanto, os anos iniciais permaneceram com o formato remoto.
Cada docente optou por uma maneira de conduzir suas aulas nesse período. O recurso do aplicativo WhatsApp, os livros didáticos, atividades impressas e direcionamento aos programas do Educa Belém, também transmitidos pelo YouTube, foram utilizados pela grande maioria.
Com a troca de governo municipal, depois das eleições de 2020, ocorreram mudanças. A prefeitura decidiu que as aulas somente voltariam quando pelo menos a maior parte da comunidade escolar estivesse vacinada e reforçou a qualificação sobre o uso de recursos tecnológicos em prol da educação e para melhor educar por meio do ensino remoto.
No geral, os professores passaram a investir nas atividades impressas e nas orientações pelos grupos de WhatsApp. “Estou ministrando a disciplina de Projeto de Leitura. E consegui fazer alguns vídeos de contação de histórias para motivação e incentivo à leitura de livros. O planejamento para aulas remotas se diferencia do das aulas presenciais. Precisa ser claro, resumido, atrativo e baseado na BNCC. Não adianta fazermos aqueles planejamentos e sequências didáticas que fazíamos para aulas presenciais. Os pais não entendem, ficam confusos e não conseguem transferir a informação para seus filhos”, disse a professora Edna Araújo, que interage com seus discentes por meio de grupos criados pelos professores regentes.
Vídeos com quadros brancos, com contação de histórias e com filtros divertidos de outros aplicativos, mostrando imagens e desenhos, dinamizaram as aulas.
Os desafios
A professora Edna Araújo destacou que, apesar de já possuírem a experiência do ano anterior, ter iniciado o trabalho com as turmas sem conhecer as crianças de perto, sem saber mais a fundo de suas dificuldades e de suas facilidades, foi o maior problema.
“As crianças também não conheceram seu professor. Então, nós organizamos e fizemos vídeos nos apresentando para as crianças e para as famílias”, contou Edna.
O costume de alguns pais ou responsáveis de realizar a atividade no lugar do aluno também dificultou o entendimento dos professores sobre se aquela criança estava realmente aprendendo ou não. As professoras destacaram a dificuldade de avaliar o processo de ensino-aprendizagem a distância.
“Percebemos que o processo educacional, mesmo com todos os trabalhos, não foi eficiente como era no presencial. As crianças tiveram contato com a aprendizagem; as crianças realizaram as atividades mas não na mesma intensidade, não na mesma forma que elas aprendiam”, opinou Edna. “Percebi que no ano passado algumas poucas crianças chegaram a ler palavrinhas simples, palavrinhas pequenas; mas a escrita, o desenvolvimento da letra cursiva, eu vi que não teve muito avanço no ensino em casa”, continuou a professora.
Saúde mental e qualidade de vida
Os desafios envolvidos nesse novo formato de trabalho têm afetado significativamente a saúde mental e a qualidade de vida dos docentes. “Eu vejo que nós nos desdobramos, trabalhamos bem mais. Eu vejo que ficamos sobrecarregados de trabalho, e que precisamos às vezes até fazer menos para não nos cansar tanto, pensando na nossa saúde mental; para podermos estar bem para trabalhar no dia seguinte”, relatou a professora Edna.
A psicóloga clínica e escolar Sandra Gardene de Souza Campos afirmou que o bom desempenho das atividades docentes depende de condições emocionais, físicas e mentais favoráveis. “Fatores estressantes ocasionados no trabalho e/ou na vida pessoal, se persistentes, podem levá-lo a desenvolver a Síndrome de Burnout. Burnout é o resultado do estresse crônico, típico do cotidiano do trabalho, principalmente quando neste existem excessiva pressão, conflitos, poucas recompensas emocionais e pouco reconhecimento”, destacou.
A psicóloga elencou casos de professores com estresse no ambiente educacional, interferência nos objetivos pedagógicos, problemas na saúde mental, absenteísmo, desumanização, apatia, alienação e abandono da profissão. “Na atual conjuntura, esta categoria, independentemente do nível de ensino que atua, tipo de escola, pública ou privada, está se configurando com uma profissão de diversos alvos estressores psicossociais presentes no seu contexto de trabalho. Ser professor é uma tarefa que envolve riscos. Ainda que não sejam perigos aparentes, eles existem e podem limitar o desempenho na docência”, disse.
Sandra aconselhou medidas para amenizar ou até de evitar esses impactos na saúde mental dos docentes:
1. Ao identificar os sintomas, se faz necessário que educador realize uma autoavaliação para definir seu nível de satisfação em relação ao próprio ofício.
2. Diante de situações extremamente estressantes e de outros sinais de alerta característicos dessa síndrome, o professor deve procurar auxílio médico e psicológico.
3. Orientação, por meio de palestras, sobre os possíveis fatores de estresse relacionados ao trabalho e a possibilidade de desenvolvimento deste tipo de estresse ocupacional de caráter crônico.
4. Formação de grupos de discussão para trabalhar as crenças que o profissional tem sobre sua prática, auxiliando-o a desenvolver concepções mais realistas e adequadas da profissão.
5. Instrumentalizar o corpo docente para a qualificação das relações interpessoais, tendo em vista que esta não é temática exaustivamente desenvolvida na formação deste profissional, pois pouco sabe as formas de vivenciar sua profissão e os pontos de desgaste profissional.
6. Realização de Atividades Físicas, de Respiração, ter um momento de lazer, ter um momento para si mesmo, trabalhar o autoconhecimento (identificação dos limites), trabalhar a autoestima.
Conscientes de que o momento de pandemia agravado ainda exigia o formato remoto de trabalho, os professores somente reclamavam melhores condições para poderem trabalhar. De acordo com a professora Sílvia Letícia da Luz, coordenadora do Sintepp (Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadores em Educação Pública do Pará), a categoria está exigindo desde o início de 2020 a reforma das unidades de educação, a garantia de protocolos sanitários, EPIs e testes. “Em 2021 ficamos em trabalho remoto, reivindicamos condições para isso, auxílio internet, chips, máquina para reprodução de material na escola, condições de trabalho. Por muito tempo nós, professores, financiamos o trabalho remoto”, afirmou. “Nas redes estadual e municipal asseguraram o mínimo de protocolos sanitários nas escolas, mas são insuficientes. Garantimos escalas de trabalho e o trabalho remoto.”
Reportagem de Maria Clara Passos Sousa.